05 Novembro 2015
Viver como músico de uma banda militar é o sonho de Jackson Coutinho, de 21 anos, depois que se dissiparam as esperanças de que um complexo petroquímico industrializaria esta cidade próxima ao Rio de Janeiro, a capital do Estado do Rio de Janeiro. “Tentarei concursos da Marinha, do Exército e até da Polícia Militar, mas só para ser músico, não um policial”, contou o jovem, que toca contrabaixo em bandas formadas com seus amigos em Itaboraí.
A reportagem é de Mario Osava, publicada por Envolverde, 03-11-2015.
Até o ano passado, ele era operário do consórcio QGIT na construção do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj). Era ajudante das máquinas que fizeram a terraplenagem onde foi implantada a Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN). Jackson perdeu o emprego no começo deste ano, quando se intensificaram as demissões em massa, produto da crise na Petrobras, proprietária do Comperj.
O megaprojeto arrancou com orçamento inicial de US$ 6,5 bilhões e já custou mais que o dobro, apesar de sofrer drástica redução e agora contemplar apenas uma refinaria e a UPGN. Perdeu sua parte mais cara e industrializada, a unidade petroquímica, porque a Petrobras não conseguiu sócios para o projeto. A queda dos preços do petróleo e o escândalo de corrupção que atinge a companhia desde março de 2014, envolvendo dezenas de políticos e empresários acusados de desviar milhares de milhões de dólares de seus negócios, acabaram sepultando os planos de construir a maior petroquímica latino-americana nesta cidade.
As perdas são imensas. “De 14 unidades ou edifícios em cuja construção trabalhei, apenas quatro ou cinco serão aproveitados”, afirmou Rogério Henrique Lourenço, de 26 anos, técnico em edificações que por cinco anos trabalhou em obras do Comperj.
Além dos “elefantes brancos” – as caras edificações sem uso e quase concluídas dentro dos 45 quilômetros quadrados que o mutilado megaprojeto ocupa –, são muitos os equipamentos adquiridos e a infraestrutura construída, que agora exigem uma cara manutenção para um futuro incerto. A isso se somam gastos de compensações e mitigação dos impactos sociais e ambientais, que incluem saneamento, recuperação dos rios e reflorestamento, obrigações que se mantêm nas dimensões acordadas, sem redução correspondente à sofrida pelo Complexo.
Os municípios sob influência do Comperj, especialmente Itaboraí, perdem de vista o desenvolvimento prometido em 2006, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) anunciou o projeto. Na época afirmou que contaria com duas refinarias e duas unidades petroquímicas, uma básica e outra para produtos associados, além de centrais de serviços e capacitação dos técnicos necessários.
A Fundação Getulio Vargas, um centro de pesquisas econômicas, estimou que a petroquímica fomentaria o surgimento de um polo industrial de plásticos. Entre 362 empresas, em um cenário conservador, e 724, em um cenário otimista, se instalariam em suas imediações. Essa industrialização acelerada geraria entre 117 mil e 168 mil empregos no Estado do Rio de Janeiro, pouco mais de um terço concentrado na área de influência direta. Itaboraí, como sede do Comperj, seria o município mais beneficiado, deixando de ser um dos mais pobres do Estado e uma cidade-dormitório, cujos residentes trabalham em outras cidades vizinhas.
“Desmoronou o castelo”, resumiu Lourenço, demitido em março de 2014, quando perdeu força a malograda construção petroquímica. Com três filhos pequenos, agora sobrevive de trabalhos ocasionais, principalmente em pequenas construções. Estava distribuindo folhetos de publicidade na rua mais central de Itaboraí quando conversou com a IPS. Seu sonho é ser funcionário público concursado, para ter emprego estável. “No Comperj tive empregos bem remunerados, mas temporários”, lamentou. Seus cinco anos ali se fragmentaram em contratos de poucos meses em numerosas empresas.
Experiência semelhante teve Francisco Assunção, de 22 anos, que trabalhou quase dois em três das dezenas de empresas que participaram da construção do Comperj. Agora, procura sobreviver com uma moto-táxi, “mas as pessoas, sem dinheiro, preferem caminhar”, por isso também trabalha na construção ou em restaurantes. “Ganhava mais nos empregos do Comperj”. O salário era de apenas R$ 1.150, mas com 40% adicionais para alimentação e assistência médica, acrescentou.
Coutinho conseguiu permanecer 18 meses em um mesmo emprego, o que lhe permitiu ser promovido e ganhar o suficiente para comprar um automóvel. “Foi um sonho que passou”, afirmou. Embora se concentre em seu futuro musical, tem um “plano b”, que é estudar contabilidade, embora não goste de matemática. “Tenho amigos contadores”, disse. Porém, acredita que o Comperj “retomará seu plano original (de complexo petroquímico), porque ali foi investido muito dinheiro e se chegou a um ponto sem retorno”. Estima-se que 80% das obras estão completados.
Para esses jovens, a experiência operária realçou a ausência de horizontes em Itaboraí, mesmo integrando a dinâmica região metropolitana do Rio de Janeiro. Com 230 mil habitantes e 343 anos de história, segue fiel à sua origem de um povoado surgido em torno de uma estrada, agora sua larga e dominante avenida central. A escassa atividade produtiva local, quase limitada a olarias e laranjais, não oferece empregos nem estímulo intelectual para a juventude.
É uma cidade que não cultiva sua identidade cultural, “sem lazer, praças ou locais de convivência” para a população, apontou à IPS a estudante de serviço social Franciellen Fonseca, que participa da pesquisa Indicadores de Cidadania (Incid). Realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), essa pesquisa monitora a vigência de direitos civis nos 14 municípios sob influência do Comperj, desenvolvendo um sistema de indicadores sobre como a população vive, garante e percebe tais direitos.
Seu mais recente estudo, sobre “a invisível cidadania dos trabalhadores e das trabalhadoras do Comperj”, destaca a carência e a dificuldade de se obter informações sobre a situação dos trabalhadores no projeto. Negar dados da situação dos trabalhadores é “uma grave violação de direitos, já que impede o acompanhamento de perto dos efeitos e impactos desses megaempreendimentos na vida das pessoas”, diz o documento do Incid. Não se sabe o número de empregados nas obras. Fala-se em 30 mil no apogeu da construção, entre 2012 e 2013, e os dados são discrepantes desde então.
Os jovens demitidos ouvidos pela IPS acreditam que os trabalhadores locais eram minoria na construção, contrariando a promessa de priorizar a mão de obra local. Uma das inúmeras greves que paralisaram as obras foi para reclamar exatamente a contratação de mais operários locais, recordou Coutinho. A alegação era que não havia trabalhadores qualificados para as funções exigidas. Mas, quando aparecia um bem capacitado, era exigida uma impossível experiência prévia ou simplesmente não era contratado, acrescentou Lourenço.
A “invisibilidade” a que se submeteu o mundo trabalhista do Comperj, apesar de seu contexto urbano, foi quebrada pelas frequentes greves e focos de violência, que colocam em xeque o antigo sindicato. O sucessor, o Sindicato de Trabalhadores em Montagem e Manutenção de Itaboraí, nasceu em junho de 2014, para enfrentar situação diferente, atropelado pelas crescentes demissões em massa.
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Megaprojetos, sonho efêmero no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU