20 Outubro 2015
O Cardeal Oswald Gracias é o arcebispo de Bombaim, presidente da Conferência Nacional dos Bispos Católicos da Índia e membro do conselho dos nove cardeais assessores do Papa Francisco. Nos últimos anos, ele surgiu como um dos principais promotores internacionais para que haja um melhor trabalho civil e pastoral à comunidade LGBT. Ele foi o único líder na Índia que se opôs a uma iniciativa de criminalização das pessoas LGBTs, instou os seus sacerdotes a serem mais sensíveis no emprego da linguagem em se tratando das pessoas desta comunidade, defendeu abertamente um melhor acompanhamento pastoral durante o último Sínodo Extraordinário dos Bispos no ano passado e se encontrou com o Chair of Quest, grupo LGBT católico britânico.
Gracias está em Roma participando do Sínodo, e eu tive o prazer de me sentar com ele para conduzir uma breve entrevista no domingo (18 de outubro). Nela falamos sobre o trabalho pastoral da Igreja junto à comunidade LGBT, leis de criminalização, doutrina e linguagem da Igreja, bem como sobre a sua caminhada pessoal.
A entrevista é de Francis DeBernardo, publicado por New Ways Ministry, 19-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis a entrevista.
Nos últimos anos, o senhor tem feito gestos muito positivos no que diz respeito às pessoas LGBTs. De que forma a sua compreensão sobre esta comunidade evoluiu e como isso aconteceu?
Inicialmente, o meu trabalho começou envolvendo-me na área do Direito Civil concernente à proibição da homossexualidade. Achei que uma legislação assim não era certa – pondo indiscriminadamente todo mundo na mesma categoria. Então, eu me pronunciei, dizendo que a Igreja não estava a favor.
O que fiz acabou sendo uma surpresa para muitas pessoas, por causa do que eles pensam que a Igreja ensina. É preciso fazer uma distinção entre uma pessoa, que faz parte absolutamente da Igreja, que merece todo o nosso cuidado, e que ela pode ter uma orientação [homossexual]. Não se pode colocar estas pessoas atrás das grades, ou dizer que nós não temos nenhuma responsabilidade aqui.
A lei foi derrubada, mas agora ela já está de volta.
Posteriormente, acabei conhecendo algumas pessoas também. Percebi a bondade delas, coisa que muitas pessoas não enxergam. Muitas vezes estas pessoas são retratadas de uma forma negativa. A minha opinião é que a Igreja tem de ser acolhedora, inclusiva, e cuidar de todas as pessoas. Os nossos princípios morais estão claros. Deveria nos preocupar o fato de estarmos rompendo o nosso código moral ou que os princípios da Igreja estão sendo rompidos. O catecismo tem dito também que estas pessoas precisam ser acompanhadas. Algumas pessoas dizem que estamos indo longe demais.
De certa forma, acolhê-los é uma postura bem católica. Não ser acolhedor é errado. Não ser acolhedor é o mesmo que não ser católico. Esta não seria a atitude de Cristo, com certeza. Temos de ser bastante compassivos, compreensivos e abertos às pessoas.
Quando li sobre a sua posição na questão do direito civil, vi que o senhor foi o único líder religioso da Índia a se opor à criminalização. Como encontrou coragem para tanta ousadia?
Eu estava convencido. Eu acho que, aos poucos, os demais irão ver o que estou dizendo. O que digo está tão claro para mim. É isso o que a Igreja iria querer. Estou convencido de que, no final, esta legislação não será aprovada, e a descriminalização se sairá vencedora. É uma questão de tempo.
O senhor recebeu críticas pela postura assumida?
Não muitas. Houve algumas. Houve alguns teólogos que disseram discordar de mim. Mas aí era uma questão intelectual, e eu fiquei feliz com isso porque o debate me permitiu dar melhores contornos aos meus pensamentos sobre o assunto. Não houve, porém, nenhuma campanha contra o que eu disse.
Nos EUA, temos muitas paróquias que criaram ministérios para a comunidade LGBT. Que conselho o senhor daria a essas paróquias e pastores que trabalham com as pessoas LGBT?
Honestamente, acho que elas sabem mais sobre isso do que eu. A partir da experiência, você sempre aprender como fazer as coisas pastoralmente. Na Índia, a homossexualidade não saiu por completo do armário. A atmosfera não é tão aberta na sociedade civil a ponto de ser possível ver pessoas vindo, abertamente, e se declarar como pertencentes à comunidade LGBT. Na verdade, uma associação formada por gays perguntou-me se eu rezaria a missa para ela. Eu disse: “Sim, sem dúvidas.Não há por que eu negar”. Disse-lhes também que deveriam ter em mente que eles, de repente, estariam assumindo suas orientações abertamente. Para mim, não há problema algum.
O senhor percebe algum dom que as pessoas lésbicas ou gays trazem à Igreja?
Eu não me encontrei com elas o suficiente para poder fazer uma generalização. Mas as pessoas que conheci muito me impressionaram por sua sinceridade, querendo ajudar a Igreja, por sua generosidade. Isso seria algo específico destas pessoas ou simplesmente acontece de ser assim por causa da pessoa que elas são? Então, não posso generalizar.
Mas todos os que conheci são boas pessoas, que querem se dedicar ao trabalho pela Igreja. Quando digo “pela Igreja”, quero dizer: “pelas pessoas, via instituições de caridade da Igreja”.
Vamos falar sobre o Sínodo. O senhor acha que haverá algum progresso no tocante a questões envolvendo a comunidade LGBT na edição deste ano?
Posso ver que há uma grande hesitação por parte dos padres sinodais a tocarem, de fato, neste tópico. Dessa forma, posso ver que o Sínodo irá provavelmente dizer que nós devemos acolhê-los em nossos trabalhos pastorais. Algo muito gentil e limitado, ao mesmo tempo. Não espero que nós possamos dizer muito além disso.
O senhor acha que seria possível que o Sínodo publique uma declaração sobre a criminalização, visto que ela está ocorrendo ao redor do mundo?
Tenho confiança aqui. Uma das críticas ao Sínodo é que ele é demais eurocrêntico, e nós estamos cuidadosamente prestando atenção nisso. A esta altura, é difícil começar mudar o foco como um todo. Estou dizendo isso porque sei que a África é muito sensível a esta questão. Há uma postura norte-americana e europeia muito clara na questão da homossexualidade. Como nós, enquanto Igreja, enquanto Igreja universal, podemos compreender e aceitar ideias e opiniões que poderão se alterar no futuro é algo que precisamos ponderar. Isso é realmente central.
E quanto à linguagem? Houve relatos de que alguns bispos estão propondo livrar-se de palavras como “desordem” e “mal” em relação às pessoas da comunidade LGBT…
Isso precisa ser pensado e conduzido de forma muito cuidadosa. Fico feliz que você trouxe esse assunto. Acho que deveria haver uma aceitação em dizermos: “Vamos empregar uma linguagem mais cuidadosa, que não seja muito julgadora”. A resposta a esta visão é: “Você a está tolerando?” Eu pessoalmente acho que [uma mudança na linguagem] nos ajudaria a termos uma visão mais clara e objetiva sobre o assunto.
Teria sido útil aos bispos ver lésbicas e gays falando ao Sínodo da mesma forma como os casais heterossexuais falaram?
Pessoalmente, eu teria considerado esta situação como algo enriquecedor. Eu ficaria feliz em ouvi-los, e acho que ouvi-los iria ajudar todos os padres sinodais a entenderem. Penso que a maioria deles nunca teve um contato direto ou um debate... Para eles, trata-se apenas de uma questão teórica, mas nunca chega no nível interpessoal. Quando você está diante de uma pessoa, você fala com ela e compreende a sua ansiedade. Eu sempre penso sobre a abordagem do Nosso Senhor nestas circunstâncias: empático, compreensivo.
A coisa toda sobre a origem da orientação sexual não foi ainda estudada em profundidade. Alguns dizem ser uma escolha. Vejo que, para muitas pessoas, não se trata de uma escolha, então não é justo pensar assim. Nesse sentido, não estamos abertos o suficiente.
Em meu ministério com a comunidade LGBT, encontrei muitos que pensam em deixar a Igreja ou que acham difícil permanecer nela. O que o senhor diria a estas pessoas?
Eu diria que a Igreja abraça vocês, quer vocês, e que a Igreja precisa de vocês. Vocês não são um alguém que representa um fardo a ela. A Igreja precisa de vocês. Vocês fazem parte de nós. Nós gostaríamos de ajudá-los, gostaríamos de vê-los com mais clareza. Estamos nos esforçando para saber como ajudá-los mais em nossos trabalhos pastorais.
Eu também diria: “Não desanimem”. No último Sínodo dos Bispos houve apenas uma intervenção oficial sobre este assunto; nas discussões em grupo o tema surgiu mais vezes. Na edição deste ano, ocorreram algumas vezes mais. Então, eu diria às pessoas LGBTs: “Esperem aí. Com certeza não chegamos ao final. Ainda estamos em processo, e encontraremos uma saída”.
Que conselhos o senhor daria aos outros bispos que poderão se opor a toda e qualquer mudança na questão relação da Igreja com as pessoas LGBTs?
Eu diria a eles que se encontrem com as pessoas. Isso é importante. Estejam com elas. Isso iria nos ajudar – e a mim também – a ver a realidade, a perceber que esta questão não se trata de um problema acadêmico, mas que é um problema real. Não se trata de um caso acadêmico onde dizemos: “A é igual a B, e B é igual a C”. Há inúmeras ramificações.
Eu diria a eles que a Igreja é uma mãe toda acolhedora, que a Igreja é mãe e mestra. A mãe não manda o seu filho embora, não importa o que for.
Fiquei emocionado ao ouvir esta sua resposta. Foi bonita. Na Igreja americana, um dos maiores grupos que apoiam os direitos das pessoas LGBTs são as mães e os pais. Dizemos que eles são uma ponte, pois são pessoas muito dedicadas à Igreja e muito dedicadas aos seus filhos e filhas.
Os pais sofrem muito, mas eles compreendem os filhos. Então, não podemos ser legalistas. Não podemos mudar a doutrina ou o ensino da Igreja. Não tenho certeza de que possuímos a palavra final. Temos de estudar continuamente as escrituras, a moral, o Direito Canônico, a fim de ver o que poderíamos fazer.
Obrigado pelo seu tempo conosco. Tenho certeza de que o senhor é alguém muito ocupado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cardeal de Bombaim aos LGBTs: “A Igreja abraça vocês, quer vocês, precisa de vocês” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU