15 Outubro 2015
"Incentiva e orienta pessoas a trilharem o caminho de opção por Jesus Cristo e seu Reino; acompanha suas fundações, faz negócios, solicita ajuda para as necessidades e o cuidado com a pessoa das Irmãs, especialmente na saúde, vestuário, alimentação", escrevem Assunta Romio e Rita Romio, Irmãs Teresianas da Companhia de Santa Teresa de Jesus [1], artigo sobre o Quinto Centenário do Nascimento de Teresa de Ávila (2), doutora da Igreja, que se celebra hoje, dia 15 de outubro.
Eis o artigo.
É maravilhoso poder desfrutar os recursos atuais da comunicação. Em tempo real dá para acompanhar quem está longe ou perto, socializar o cotidiano e o extraordinário, interagir com poucas ou muitas pessoas, ou simplesmente clicar um “curtir”. Com certeza somos extraordinariamente privilegiadas/os!
Oxalá muitas pessoas que marcaram a história do cristianismo, tivessem esses meios à sua disposição! Sem eles fizeram tanto! É possível imaginar o que estariam inventando hoje, com tantas possibilidades!
Uma delas é uma mulher que nasceu em 1515, a Santa de Ávila que queria ser missionária e não lhe era permitido, somente “por ser mulher” (F1,6). Ela não sabia bem como poderia dar a sua contribuição. Além do mais, havia a Inquisição, que “tomam por suspeita, qualquer coisa, desde que venha de mulheres” (CE 4,1), se queixava Teresa. Suplicava então a Deus que lhe desse alguma luz, pois “não há razão para desprezar” pessoas “virtuosas e fortes, mesmo que sejam de mulheres” (CE 4,1).
Teresa, ainda adolescente fica órfã de mãe. O pai encarrega as agostinianas para educar sua filha. No internato, onde deve aprender o ideal para ser uma boa esposa, a jovem se deixa influenciar pela educadora Irmã Maria de Briceño (V2,6). Teresa sintoniza muito com ela e a vê como uma pessoa muito feliz. Um dia, esta religiosa lhe contou que a frase evangélica, “muitos são os chamados e poucos os escolhidos” havia impulsionado sua opção de vida (V3,1). A partir de então, Teresa começa a admitir a ideia de consagrar sua vida a Deus. E, sem permissão paterna, nos seus 20 anos de idade, a jovem resolve se consagrar a Deus, indo para o Convento da Encarnação.
O contexto conventual não era dos melhores. Como monja vive uma vida mediana, somatiza seus problemas a ponto de ficar fisicamente paralítica durante três anos. Prioriza as relações externas, deixando em segundo plano o projeto assumido. Passou alguns anos neste tipo de vida, mas em contínua busca de algo mais. Fiel à reflexão, oração e partilha com pessoas sábias, encontra o tesouro da sua vida, a verdade que sempre buscou: Jesus Cristo, seu sentido existencial. A partir de então, aos 39 anos de vida, seu único foco é o Reino de Deus. Quer ser missionária. Mas como poderia aspirar à essa missão, com todos os limites sociais e eclesiais que pesavam sobre a mulher?
Teresa vive no período da colonização espanhola nas Américas. Alguns dos seus irmãos também entraram nesta aventura de atravessar o mar para explorar as novas terras de Quito, Lima, Peru e Chile. Ela acompanha o que acontece com os povos conquistados e sofre muito, por esta causa. Através das suas Cartas, que chegaram a nós hoje, sabemos que ela manteve muitos contatos, especialmente com missionários defensores dos indígenas. Deixa registrado por escrito sua inquietação e angústia por se “sentir encurralada como mulher” (CE 4,1) e não poder colaborar na evangelização dos povos da América. Suplicava a Deus que a iluminasse.
No relato da Fundação do Convento de São José em Ávila, ela mesma conta que um dia receberam a visita do Frei Alonso Maldonado, missionário nas Índias (Américas). Este franciscano lhes falava sobre as necessidades na missão e o tratamento dado aos índios. Teresa ficou muito impactada: “recolhendo-me num oratório, clamei a Nosso Senhor. Coberta de lágrimas, supliquei-Lhe que me desse meios para que eu pudesse fazer algo” (F1,7), a serviço do Reino. Teresa percebe que dentro dela surge uma resposta; ela também poderia participar da missão evangelizadora na América, mesmo sendo carmelita e vivendo na clausura. Num momento de profundo recolhimento e oração, percebe a presença de Jesus Cristo que, com muito amor e confiança, lhe comunica: “Espera um pouco, filha, e verás grandes coisas!” (F1,8). A partir deste momento, nela se abre um novo horizonte, pois estas palavras “ficaram profundamente gravadas em meu coração” (F1,8). E assim entendeu como poderia ser missionária: “Decidi então fazer o pouquinho que estava ao alcance” e “ensinar mais com obras que com palavras” (F1,6).
“Realizar o pouco que está ao alcance!”
Teresa de Ávila empreendeu uma grande obra, provocando um movimento de mulheres com a meta de viver o espírito evangélico como orantes, pobres e iguais, as Carmelitas Descalças. E, como se não bastasse, ao propor isso aos homens, tornou-se um caso raro na história da Igreja, uma mulher reformadora de uma Ordem masculina, os Carmelitas Descalços.
Envolve pessoas amigas e familiares como colaboradores na sua obra; procura ser ponte de união na família; perante a problemática do seu irmão Pedro, doente e depressivo, encaminha seu irmão Lorenzo para assumi-lo; cria redes de relações com os jovens sobrinhos, com uma atenção especial aos adolescentes, com os quais mantém contato direto, incentivando-os a estudar e a se organizarem na vida.
Articula-se com os melhores teólogos da época. Assegura-se que o que ela pensa, busca e experimenta não seja contraditório à fé cristã.
Oriunda de uma família, na qual teve o privilégio de aprender a ler e escrever, registra por escrito a experiência da passagem de Deus na sua vida. Empenha-se para que todas as Irmãs Carmelitas aprendam a ler e escrever, garantindo-lhes mais autonomia nas diversas áreas como a comunicação, espiritualidade, teologia, e, até mesmo para poder acompanhar os acontecimentos.
Incentiva e orienta pessoas a trilharem o caminho de opção por Jesus Cristo e seu Reino; acompanha suas fundações, faz negócios, solicita ajuda para as necessidades e o cuidado com a pessoa das Irmãs, especialmente na saúde, vestuário, alimentação.
Utiliza intensivamente a mídia da época escrevendo bilhetes, cartas, livros. Usa todos os meios que pode e se comunica com as autoridades oficiais, tanto religiosas como civis, para solicitar ajuda, defender sua obra.
Teresa mantém suas antenas ligadas à evangelização eclesial, principalmente nas “Índias”, enviando cartas aos missionários, irmãos, parentes e amigos. Seu método: inicia as Cartas partilhando a sua própria experiência humana e espiritual. A seguir expressa interesse pelo destinatário, seu trabalho e como o realiza. Escrevendo aos missionários, quer saber como os índios são tratados, pois diz ter ouvido falar sobre a exploração indígena e critica determinadas práticas. Faz questão de expressar que gostaria de estar em terras de missão, mas como não pode, “por ser mulher”, assume ser missionária em tudo o que está ao seu alcance, vivendo intensivamente a proposta de Jesus e orando pela evangelização.
Sim, a Santa de Ávila, que neste ano de 2015 se comemora o V aniversário do seu nascimento, foi missionária, amando e experienciando a humanidade de Jesus Cristo. Para ela Deus é aquele que nos habita, está sempre nos esperando e “muito ajuda ter pensamentos elevados, para que as obras também o sejam” (C4,1).
Notas:
[1] O sacerdote espanhol Santo Enrique de Ossó e Cervelló desde jovem leu os escritos de Teresa de Jesus. Cativado pelos ensinamentos da Santa de Ávila, tornou-se seu incansável divulgador. Entre outras obras fundou a Companhia de Santa Teresa de Jesus (1876), as Irmãs Teresianas, desejando que fossem “santas e sábias” como Teresa de Jesus; “outras Teresas de Jesus” na atualidade, com a missão de “conhecer, amar e tornar Jesus Cristo conhecido e amado”.
[2] Curiosidades: entre as mulheres importantes que adotaram o nome da espanhola Santa Teresa de Ávila, por serem suas admiradoras e/ou discípulas, cita-se aqui: a francesa, Santa Teresinha do Menino Jesus (1873-1897); a chilena Santa Teresa dos Andes (1900-1920); a albanesa Madre Teresa de Calcutá (1910-1997).
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Santa Teresa de Jesus: discípula missionária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU