29 Setembro 2015
"Um dos maiores elementos de força do Papa Francisco é a sua capacidade instintiva de se comunicar de forma simples, com frases coordenadas e não subordinadas que captam o comprimento de onda das pessoas. No fundo, o inventor dos tuítes é Jesus Cristo, 'a Deus o que é de Deus, a César o que é de César'. Não eram mais do que 50 caracteres no grego dos Evangelhos, incluindo os espaços..."
A reportagem é de Andrea Carugati, publicada no sítio L'HuffingtonPost.it, 26-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, sorri por um momento diante desse paralelo entre a Palavra de Cristo e a rede social. Ele se senta em um pequeno sofá em uma salinha do Sagrado Convento de Assis, em uma pausa dos trabalhos do "Átrio de Francisco", o evento cultural dos padres franciscanos que ele concluiu nesse domingo, 27.
"Na comunicação, o Papa Francisco volta para as nossas próprias origens e é o único modo para ser compreendido pelo homem de hoje", explica Ravasi. "Não por acaso, há séculos citam-se os 'tuítes' do Senhor, e hoje Francisco faz o mesmo com fórmulas como 'a Igreja hospital de campanha', 'o sudário não tem bolsos', o 'cheiro das ovelhas'. O meu modo de falar, no entanto, é muito semelhante ao de Bento XVI, um discurso ramificado, rico em subordinadas. É claro que, para uma sede como esta, isso também funciona, e eu espero que em ambientes como esse, quando se fala de teologia, não se perca essa modalidade expressiva: mas fora de nós ela não é mais eficaz, e o papa superou esse obstáculo espontaneamente, sem ter planejado isso. Uma vez eu lhe disse: 'A grande vantagem é que o senhor use a coordenada...', e ele respondeu: 'Mas o que você quer dizer?'."
"Além desse elemento simbólico para a criação de imagens, que é fundamental para o homem de hoje, que está acostumado com a imagem mais do que com a escuta, também há um elemento somático no Santo Padre, que tem a ver com corpo: o homem hoje precisa mais do que nunca de um encontro não virtual, e não por acaso Francisco, nas audiências gerais, utiliza a maior parte do tempo conversando com as pessoas, aproximando-se e ouvindo... As pessoas estruturalmente precisam do encontro com o outro, do contato direto."
"Eu acredito que isso deve valer para toda a Igreja: ai de um pároco que faça a homilia recitando simplesmente um texto teológico, talvez irrepreensível. Porque, hoje, um dos problemas fundamentais para a Igreja é a linguagem, comunicar para um povo que tem uma linguagem completamente diferente da do passado."
Eis a entrevista.
Eminência, o senhor acredita que essa viagem do papa aos EUA tem um caráter histórico?
Eu digo sem dúvida que sim e, conhecendo a cultura norte-americana, estou ainda mais convencido disso. O papa podia correr o risco de não encontrar o justo equilíbrio entre Cila e Caríbdis, entre a crítica aos males da sociedade norte-americana e a exigência de enviar mensagens positivas e compreensíveis. Mas ele encontrou o cume perfeito: afirmou os valores compartilhados, citou o Hino Nacional e alguns autores norte-americanos, mas também inseriu alguns espinhos no flanco.
E posso assegurar que isso não é simples. Quando fizemos 'O Átrio dos Gentios' no Congresso em Washington, tomei conhecimento do risco de tocar nervos sensíveis, como podem ser as armas para os republicanos ou as questões éticas para os democratas. Além disso, fiquei impressionado com o discurso do papa diante da multidão em Washington, uma bênção secular em espanhol que teve um significado particular para a América de hoje. É interessante o uso do espanhol em uma sociedade onde a presença latino-americana é tão ampla e às vezes cria aluns problemas.
Chamou a sua atenção o fato de o Santo "se justificar" por ter dito algo "um pouco esquerdinha" e por ter se proposto a rezar o Credo quase como uma confirmação da sua fé?
Acho que é necessário que haja críticas. O próprio Jesus dizia isso, quando usava palavras como "escândalo" e "provocação". Como dizia Graham Greene, "se ninguém jamais lhes contesta algo, isso significa que vocês não disseram a verdade".... O papa se referia aos âmbitos que estão presentes nos EUA e, em menor medida, também na Itália, que criticam os seus pontos de vista, às vezes violentamente, por exemplo sobre a questão dos imigrantes. Francisco quis enfatizar que está perfeitamente consciente de que as coisas que ele diz podem ser desagradáveis para alguns, mas ele acredita – e queria reiterar isso – que são parte da doutrina social da Igreja, e certamente não eram ditas por razões políticas.
Na sexta-feira passada, o senhor participou de um debate aqui na basílica com as três ministras italianas Boschi, Pinotti e Giannini. Naquela ocasião, referiu-se ao sacerdócio feminino. O senhor acredita que neste pontificado poderá ocorrer também essa "revolução"?
Eu não acredito que a questão seja a do sacerdócio, mas estou convencido de que o papel da mulher na Igreja está destinado a crescer de modo significativo, embora não em chave estritamente clerical. A referência é ao Cenáculo, ao papel de Maria, que é mais importante do que o dos apóstolos-bispos. Nós temos uma responsabilidade, diria até uma culpa, no fato de que a estrutura da Igreja atual é muito dominada por um modelo masculino e clerical, que ocupa todos os espaços. Depois do Concílio, não conseguimos implementar de modo prático uma mudança que, mesmo assim, percebemos como necessária. É preciso encontrar funções, ministérios que sejam próprios das mulheres, mas também dos leigos de ambos os sexos, dando espaço, assim, à multiplicidade da comunidade eclesial.
Pode dar alguns exemplos concretos?
No meu dicastério, toda a sequência das funções diretivas e operacionais está nas mãos de sacerdotes. As mulheres têm apenas funções de tipo técnico e administrativo. Pois bem, isso pode mudar. Quem disse que as delegações, dentro dos dicastérios, devem ser prerrogativa apenas dos homens? Falo também de papéis como a liderança de de alguns dicastérios vaticanos, como já ocorre como os papéis de subsecretário. Além disso, introduzi uma consulta feminina para que possa dar um julgamento também político sobre todas as coisas que fazemos, incluindo esta iniciativa em Assis. Penso também nas paróquias, onde os párocos já não administram tudo sozinhos. Na catequese, por exemplo, muitas vezes as protagonistas são as mulheres, e essa polifonia nas escolhas pastorais também é um bem precioso.
O senhor sente um déficit de presença feminina?
Desde antes do Concílio, foram feitos progressos importantes. No entanto, ainda há muito a se fazer. É preciso formar uma espécie de naturalidade dentro da organização da comunidade eclesial.
Por que não se pode chegar ao sacerdócio feminino?
A função do pastor na comunidade católica é modelada sobre a função de Cristo e continuará sendo confiada ao homem.
O senhor acredita que é uma virada prematura ou um ponto nodal estrutural?
Acho que é estrutural e não acredito que vá amadurecer uma mudança desse porte nem com Francisco. É uma questão teológica, como reiteraram diversos papas. Está em jogo a figura e a representação de Cristo. Mas isso não exclui que as mulheres possam ter acesso a outras funções. Muitas mulheres afirmam que não existem apenas reivindicações de tipo clerical, mas pastoral. Do ponto de vista dos sacramentos, o batismo, por exemplo, pode ser gerido por uma mulher, e o próprio matrimônio prevê dois ministros, dos quais uma é mulher. Em algumas comunidades onde não há sacerdotes, as freiras também desempenham funções de distribuição da eucaristia, sem fazer o sacramento.
Acredito que também haja uma mentalidade dos fiéis que deve mudar e algumas novas funções que devem ser pensadas para as mulheres. Para mim, essa consulta não é uma coisa formal ou uma concessão, mas uma coisa muito séria. Perdemos a categoria da ternura, e ela falta à Igreja de hoje. Estou convencido de que, neste pontificado, o papel da mulher terá uma maior presença maior e diferente, partindo dessa necessidade de ternura da qual as mulheres são as melhores guardiães.
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"Jesus inventou os tuítes. E o Papa Francisco o está seguindo." Entrevista com Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU