28 Setembro 2015
Agora que o Papa Francisco confirmou que se encontrou com vítimas de abuso sexual na manhã de domingo, a questão a ser feita é: Será que estas sessões farão alguma diferença?
Essa é a sétima vez que um papa se encontra com vítimas de abuso sexual clerical. O Papa Bento XVI teve cinco sessões destas, com a primeira ocorrendo durante a visita que fez aos Estados Unidos em 2008. O Papa Francisco realizou o seu primeiro encontro com as vítimas em julho de 2014 na cidade de Roma, e nomeou duas delas para a sua própria Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 27-09-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por uma questão de prática, o Vaticano não divulga muita informação sobre estes encontros além de confirmar que eles aconteceram. Não há nenhum vídeo ou fotos destes momentos, pois os organizadores não querem que eles se pareçam com um jogo de publicidade. Insistem que eles são momentos pastorais privados, ao mesmo tempo deixando as vítimas livres para tomar suas próprias decisões quanto ao que irão revelar ao público.
Cada vez que esses encontros acontecem, as vítimas geralmente saem agradecidas por terem sido ouvidas. Frequentemente falam sobre o quão visivelmente emocionado o papa parecia enquanto elas contavam suas histórias. Em geral também, elas expressam a esperança de que a Igreja levará em conta o seu sofrimento na medida em que ela tenta tirar lições a partir dos casos de abusos sexuais.
Ao longo do tempo, no entanto, as opiniões sobre o que estes encontros conquistam diferem entre si.
As autoridades eclesiásticas envolvidas nestes eventos insistem que eles têm um valor enorme, pois não há substituto da escuta em primeira mão das dores destas vítimas, dores infligidas por abusos cometidos por membros do clero.
Alguns ex-assessores de Bento XVI, por exemplo, dizem que a sua determinação em iniciar um processo de reforma foi galvanizada, inicialmente, pela leitura dos arquivos de casos contendo testemunhos das vítimas submetidos aos seus cuidados quando ele ainda era a principal autoridade doutrinária do Vaticano, e que mais tarde foi reforçada pela experiência de suas sessões com as vítimas.
Bento XVI se tornou o primeiro papa a pedir desculpas em nome próprio pelos escândalos, e o primeiro papa a abraçar a “tolerância zero” como diretriz oficial da Igreja. Ele acelerou a saída de padres abusadores do sacerdócio, tornando o processo de laicização – que significa fazer um sacerdote voltar ao estado de leigo – mais rápido e mais simples.
Entretanto, algumas vítimas que participaram destas sessões posteriormente se sentiram decepcionadas com os resultados, dizendo que a Igreja não tem feito o suficiente nem agindo na velocidade certa.
Bernie McDade, abusado quando criança por um padre de Boston chamado Pe. Joseph Birmingham, falecido em 1989, foi uma das cinco vítimas que se encontraram com Bento XVI na sessão de 2008.
Na época, ele expressou a esperança de que o pontífice iria tomar medidas enérgicas, mas depois veio a perceber que as reformas introduzidas foram apenas cosméticas. Em 2010, McDade ajudou a organizar um protesto em Roma, apelando por uma ação mais agressiva, incluindo uma política antiabuso mundial uniforme, que foi chamada de “Dia da Reforma”.
Mesmo antes do encontro deste Francisco, algumas vítimas expressaram um ceticismo semelhante.
O dep. Mark Rozzi (representante da Pensilvânia), por exemplo, disse à CNN que estava indignado que o Papa Francisco havia elogiado, num discurso na quarta-feira, a “coragem” dos bispos americanos no enfrentamento dos escândalos de abuso sexual no país.
“A Igreja fez – e a inda está fazendo – vista grossa às vítimas”, declarou Rozzi, que diz ter sido abusado e perdido três amigos de infância que cometeram suicídio após terem sido abusados também.
A Rede de Sobreviventes dos Abusados por Padres (Survivors Network of Those Abused by Priests, em ingês), principal grupo de defesa dos sobreviventes de abuso nos EUA, publicou uma nota dias antes do encontro de Francisco, prevendo que ele realizaria um momento “bastante coreografado”, essencialmente “sem sentido”.
O grupo se queixou não só sobre as declarações do papa aos bispos dos Estados Unidos, mas também de que um punhado de prelados acusados de falhar em gerir os escândalos apropriadamente têm estado presentes em vários eventos papais, incluindo os cardeais Roger Mahony (de Los Angeles) e Justin Rigali (da Filadélfia), assim como Dom John Nienstedtt (de St. Paul e Minneapolis). Nenhum destes continua no cargo.
Então, qual é o teste para se saber se o encontro de Francisco é mais do que um exercício cosmético?
Lembremos de que Francisco criou um organismo antiabuso chamado Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, sob sugestão do Cardeal Sean P. O’Malley, de Boston, em março de 2014. Esse grupo inclui dois sobreviventes de abuso: Marie Collins, da Irlanda, e Peter Saunders, do Reino Unido.
Esta Comissão estabeleceu uma série de tarefas para si mesma, mas, provavelmente, as duas mais importantes são as seguintes:
• Trabalhar junto às Conferências Episcopais de todo o mundo – talvez especialmente nos países em desenvolvimento, onde os escândalos ainda não irromperam com a mesma força que na Europa e nos Estados Unidos – no sentido de adotar políticas antiabuso eficientes.
• Assessorar o papa e autoridades vaticanas sobre como construir fortes sistemas de responsabilização, não apenas para o clero que comete abusos, mas também para os bispos que não conseguem agir a partir de relatos de abuso.
Em ambas as tarefas, os membros da Comissão e os seus funcionários – composta por pessoas que vêm de ala reformista da Igreja na questão dos abusos – estão tentando dar o seu melhor. Em ambas as tarefas também, eles enfrentam sérios obstáculos para fazer o trabalho ir adiante, incluindo recursos limitados tanto em Roma quanto em algumas Conferências Episcopais.
Talvez isto irá se configurar como o verdadeiro teste para se saber se o encontro de domingo vai faz alguma diferença para além do seu impacto emocional imediato aos envolvidos diretamente nele, incluindo o próprio Francisco.
Se o pontífice retornar a Roma e deixar claro que quer que essas duas coisas aconteçam em tempo hábil, então os analistas terão muito bem condições concluir que se encontrar com as vítimas pode, de fato, conduzir à mudança.
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Como saber se o encontro do Papa Francisco com vítimas de abuso conduz à mudança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU