22 Setembro 2015
Entre as mãos de dois velhos homens, apertadas por um longo momento trêmulo que é um adeus, desliza e passa uma revolução que dá lugar a outra em 40 minutos. A história de Cuba passa de Fidel, que no limiar dos 90 anos parece mais um monge tenro e muito velho do que o orgulhoso rebelde da Sierra, para as mãos de Bergoglio, um argentino como Che, mas desarmado. Tudo no segredo de um encontro privado depois da bênção a 500.000 pessoas que voltam a esperar em um futuro do qual têm medo.
A reportagem é de Vittorio Zucconi, publicada no jornal La Repubblica, 21-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A passagem entre as duas revoluções, selada por uma visita muito privada que tem o sabor de uma confissão e reforça os boatos de uma possível conversão do velhíssimo menino educado pelos jesuítas, ocorre justamente na Praça da Revolução, onde todas as contradições do século XX se encontraram, e a cruz de Cristo já substitui o perfil do Querido Comandante de ontem, Ernesto Guevara.
Sem proclamações, nem manifestos, o Papa Francisco levou para lá, com a sua figura e o seu pontificado, algo que nem mesmo os antecessores que desembarcaram em Cuba, Karol, o polonês, e Joseph, o alemão, poderiam ter levado: a experiência pessoal, direta, humana, "latina" da opressão e da possível libertação no hemisfério americano, não mais passando pelo cano dos fuzis.
Em uma completa inversão de papéis, é o papa educado pelos jesuítas que hoje leva a uma nação liderada por ex-alunos dos jesuítas, como os dois Castro, a mensagem revolucionária. E é o lendário líder revolucionário, muito frágil, que encarna aquilo que resta da cada vez mais frágil resistência conservadora, mas todos, os Castro e Bergoglio, assim como os cubanos que tentam reinventar uma vida "depois", estão unidos por um sentimento que não pode ser expresso em voz alta: o medo de que o futuro da ilha seja um desastroso retorno ao seu passado mais ignóbil.
A Igreja Católica cubana, a tímida, marginal instituição que sobreviveu em animação suspensa a meio século de hostilidades, limitada a apenas 300 padres para 12 milhões de habitantes, impedida de qualquer atividade apostólica ou educativa, acusada de ser mais cúmplice do que oposição à ditadura castrista, é hoje a única instituição que poderá, quando o colapso do regime e do partido vazio for completado com o falecimento dos irmãos Castro, representar uma alternativa aos excluídos, uma barragem, um refúgio contra a agressão voraz e vingativa dos capitais de retorno.
Quem pôde conhecer e viver um pouco os dias desse longo crepúsculo do patriarca cubano, do abandono brutal em 1991 dos fantoches russos que os haviam levado ao limiar da aniquilação até o reconhecimento recíproco entre EUA e Cuba de agosto e ao já inevitável e próximo fim do Bloqueio, o embargo, percebeu nas pessoas que interrogam ansiosas o visitante a vertigem de ansiedade que aferrou um povo próximo de mudanças radicais.
A esperança de que o retorno em massa dos ianques, dos amados e odiados estadunidenses americanos, traga bem-estar é temperada com o temor de que os mais fracos, todos aqueles que sobrevivem de salários e de assistência pública, afundem no mesmo abismo sem fundo em que precipitaram os russos excluídos do círculo dos poderosos no fim da União Soviética.
No vazio que o fim dos Castro e o despedaçamento do socialismo cubano já desfeito abrirão, é a Igreja Católica a única possível rede de segurança que reunirá famílias e crianças na violenta transição entre as épocas.
Paróquias, escolas, hospitais, clínicas religiosas, voluntariado hoje fechados, ou mesmo proibidos, poderão ser o último recurso de uma misericórdia não apenas espiritual. E Jorge Bergoglio, mais do que Karol Wojtyla, que tinha na liberdade religiosa e política o seu próprio cometa, mais do que Joseph Ratzinger, defensor acérrimo da fé e da ortodoxia, tem perante os cubanos a credibilidade de quem falou duramente contra a ganância e as devastações do capitalismo e das finanças que, justamente na América do Sul e no Caribe, fez seus desastres mais cruéis.
Bergoglio invoca a "definitiva reconciliação", como repetiu também o cardeal de Havana, Jaime Ortega Alamino. Ele olha para a diáspora cubana, que ontem, muito do que aconteceu em 1998, para Wojtyla, e em 2012, para Ratzinger, tinha se aproveitado das novas conexões aéreas abertas por Obama para se unir aos parentes e aos amigos na Praça da Revolução.
Ele teme, invocando o perdão recíproco, que explodam as vinganças, os acertos de contas, os ódios sedimentados entre gerações em quase 60 anos de "muro", anos que certamente bloquearam Cuba, mas, ao mesmo tempo, a tinha protegido na sua casca dura.
É precisamente essa mensagem de paz revolucionária, por ser construída não apenas na liberdade espiritual e política, mas também na equidade social, o que está tornando única a visita de Francisco a Cuba e está inquietando o grande vizinho do norte que o espera no púlpito do Congresso.
O Papa Francisco parece "comunista" apenas para aqueles que consideram todo apelo à justiça e toda condenação à ganância financeira como um produto de ideologias totalitárias, mas, na Praça da Revolução, ontem, no meio-dia de Havana, a roda da História pôs-se novamente em movimento. Empurrada pelas mãos de um homem que não controla divisões militares, mas faz tremer os grandes e esperar os pequenos.
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O papa e o líder: entre Jorge e Fidel, o abraço de duas revoluções - Instituto Humanitas Unisinos - IHU