19 Setembro 2015
"Enquanto o pensamento à esquerda estiver sob a hegemonia do pacto lulista seremos reféns da traição sistemática, com ou sem 'apoio crítico' e as bravatas de sempre", alerta Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais.
Eis o artigo.
Introdução: as medidas recessivas da equipe econômica do Planalto
As medidas anunciadas pelos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) anunciam a tesoura geral no Planalto para assegurar a maldita meta de superávit (desejáveis 0.7% para 2016) e o vergonhoso e imoral volume de R$ 35 bilhões de reais de juros para o espólio da rolagem da dívida interna. Não contentes em cortar R$ 26 bilhões de um orçamento apertado, cujo montante alocado para os gastos com o espólio rentista equivalem a cerca de 40% a 45% do orçamento da União, na tarde de 14 de setembro de 2014, a pauta bomba circulando no Congresso configurava óbvia ameaça de impeachment. A disputa por facções de poder por vezes se mostram irrelevantes do ponto de vista ideológico. Para que impeachment se a direita já governa? Bem, talvez para assegurar a rendição total, o que inclui o retorno ao modelo de concessões do Pré-Sal e a posterior venda da Petrobrás.
Este parece um mundo apartado das tabelas de finanças da equipe econômica que está realizando as políticas da chapa que fora derrotada em 2014. Quando começa a falar o Chicago Boy do Bradesco, temos uma pequena viagem no tempo, um pesadelo neoliberal que recorda o mesmo tom de voz e as piadas sem graça de Pedro Malan. Definitivamente, essa gente sai de uma fábrica de lobotomia monetarista e nos governa de fato através dos mecanismos de controle mais vis.
O ataque dos agiotas e chantagistas internacionais
Nosso pesadelo societário no tempo presente começa na manhã de 09 de setembro, quando a mídia eletrônica brasileira anunciava a catástrofe advinda com a nota atribuída por uma agência de rating. Obviamente que nenhum lide de um mísero jornal brasileiro estampou em sua capa ou tela, e menos ainda em escalada de telejornal ou chamada de síntese radiofônica a vida pregressa desta mesma empresa. Bastava retornar no tempo, para o ano de 2008 e a reputação dos emissores da nota cairia por terra.
Em debates no espaço público virtual, tive a felicidade de receber o seguinte comentário de Miguel Gouveia, um consultor financeiro profissional radicado no Rio de Janeiro e conhecedor do mundo concreto dos mercados. Me disse Miguel:
“Um downgrading (rebaixamento da nota) dessas agencias, hoje muito questionadas devido a manipulação de ratings em 2008 pela qual foram TODAS condenadas a multas milionárias, implica no aumento do custo de dinheiro externo. Isto significa que o país não é bom devedor e portanto os bancos vão aumentar juros e riscos para emprestar dinheiro por aqui, e é a esses bancos que essas agencias servem. Isso (a nota) é muito importante para países como Grécia e Indonésia, etc. que precisam pedir dinheiro emprestado e devem ao FMI, por exemplo. Já o Brasil está com um nível muito alto de reservas, é credor do FMI (empresta dinheiro ao Fundo) e as grandes empresas tem lastro para seus empréstimos internacionais e nenhum banco está cobrando nenhuma delas. O Brasil é o 3° credor em títulos dos EUA, 7ª economia do mundo e temos mais de US$450 bilhões de dólares de reservas. Para o brasil, significa economicamente nada de coisa alguma ter uma agencia como a S&P rebaixar ou elevar qualquer rating”
Eu agrego que os impactos são de ordem política e de confiança, como numa espécie de profecia auto-realizada. Especificamente a agência de “análise” de risco Standard & Poor’s (S&P), tão festejada pela mídia aberta brasileira, foi condenada pelas autoridades dos EUA a pagar uma multa de Usd 1,37 bilhão de dólares pelas fraudes cometidas na chamada crise da bolha imobiliária e falência de bancos de investimentos. A saber, no maior escândalo destes analistas, a agência classificou como triplo a (AAA) ao falimentar banco Lehman Brothers meses antes da quebra. E, até a manhã da falência do Lehman (em setembro de 2008), recebia a nota A. Outro escândalo se deu com a “avaliação” da empresa de energia Enron, que recebeu grau de investimento até cinco dias antes de sua quebra, em dezembro de 2001. O caso da Enron formaliza o primeiro grande escândalo do século XXI e é magistralmente registrado no documentário “The smartest guys in the room” (Enron: os caras mais espertos da sala, 2005, dirigido por Alex Gibney).
A fraude da Enron envolve todas as pontas do negócio de venda de ações e apreciação de valor de algo que perdera seu lastro. Na jogada estavam os altos executivos desta empresa de energia, pois maquiavam balanços através da criação de empresas fantasmas em paraísos fiscais (como Bahamas e Cayman), onde supostamente estas empresas inexistentes comparavam ações da Enron. Com o lucro no azul, estes mesmos executivos aumentavam seus bônus por “produtividade”. As empresas de auditoria Arthur Andersen, Price Waterhouse e KPMG abalizavam as operações, afirmando que tudo ia bem. Já a mega corretora Merril Lynch, fez uma operação e compra e venda de investimentos da Enron na Nigéria e com isso movimentou as ações da empresa quase falida, inflando o valor de suas ações. E, para fechar o esquema, a S&P deu grau de investimento para a picaretagem empresarial promovida pelos “espertalhões” que comandavam a Enron. Resultado: uma falência fraudulenta, mais de cinco mil demitidos e outros vinte mil empregados quebraram juntos, pois foram incentivados a comprar ações da própria empresa.
Ao observarmos ambos os casos, e ao constatarmos o absurdo da rebaixa da nota brasileira em 09 de setembro de 2015, nos damos conta de que o país está sob um forte ataque especulativo. O Brasil perdeu, literalmente, o grau de investimento atribuído pela S&P - que em conjunto com a agência Moody’s e a Fitch, detêm 70% deste “mercado” de avalistas – sendo rebaixado de BBB- para BB+. Além do governo central e o seu orçamento, também foram rebaixados mais de quarenta empresas brasileiras, a começar pela Petrobrás, um dos alvos permanentes de cobiça internacional.
O país é alvo dos ataques internacionais – de ordem especulativa – e das direitas político-ideológica-financeiras, dentro e fora tanto do governo de turno (o do 3º turno, o real e concreto), como com e sem legenda, a exemplo da manada de entreguistas a sair às ruas em nome de um moralismo lacerdista. É óbvio que a meta de curto prazo é a reversão da melhora material das condições de vida – promovidas pelo pacto conservador e policlassista do lulismo – e uma inflexão na política econômica para assegurar os ganhos das hienas sedentas do mundo financeiro e, se possível, não avançar na quebradeira das indústrias aqui instaladas.
A rendição total é a meta permanente
A conta do orçamento não fecha, o governo quer bater meta de superávit primário e o Chicago Boy do Bradesco anuncia tentar atingir os 0,7%. Na manhã de 2ª, 14 de setembro, até o telejornal matutino Bom Dia Brasil (da Globo) reconheceu a necessidade de corte em função de R$ 35 bilhões necessários para pagar os juros da dívida pública! Como sempre, o óbvio entra como factual secundário, invertendo a causalidade. Manipulação de quinta categoria, pois é uma obviedade que evidencia a roubalheira rentista. A taxa de juros está estável, dizem eles. Sim, na última reunião do Copom não aumentaram os juros, e estes batem 14,25% ao mês como base da Selic! Depois obviamente algum gênio das finanças reclama que não temos poupança interna e os volumes de retirada da poupança batem tristes recordes, um depois do outro. Basta verificar o quanto rende o CDB e quanto rende a poupança!
E agora já se anuncia a profecia da família Frias quando em editorial, de 13 de setembro, o Grupo Folha da Manhã recorda seus tempos de colaboradora da ditadura militar e edita a versão pós-moderna do Fora! e Basta!. A Folha anuncia: “A última chance”, dando um ultimato para a presidente eleita, só altando ameaçar alguma Operação Brother Sam para reforçar seu ponto de vista. No dia seguinte, o Planalto de joelhos, cede a pressão dos agiotas externos e dos senhores de engenho e café daqui. Anunciam o congelamento ou cortes no Pronatec, FIES, ProUni, Minha Casa Minha Vida. O “enxugamento” será progressivo até atingirem o Bolsa Família, em período não muito distante daqui. Enquanto isso, a recessão maluca e a inflação de preços administrados retroalimentada pela alta do dólar (influenciada por compras sem fim por parte do Banco Central) eleva os custos da indústria brasileira e a previsão de demissões na construção civil é de 500 mil para este ano. Parabéns aos monetaristas e neoliberais de sempre. Perderam nas urnas mas levaram o Planalto de brinde!
E a esquerda onde está?
A Folha colocou a faca na garganta da ex-desenvolvimentista e o resultado foi uma vergonhosa inflexão monetarista cuja conta política será cobrada pelos chantagistas capitaneados por Eduardo Cunha (PMDB-RJ, Assembleia de Deus e intermediário de grandes capitais conforme verificado nos seus apoiadores diretos de campanha) e a conta social vai fazer com que tenhamos a sensação de estar no início do segundo governo FHC. Se isto não é estelionato eleitoral então a tal da democracia indireta perde direto para a tal da governabilidade.
Definitivamente não foi por falta de aviso, mas isso de nada adianta. Enquanto o pensamento à esquerda estiver sob a hegemonia do pacto lulista seremos reféns da traição sistemática, com ou sem "apoio crítico" e as bravatas de sempre. Ou viramos a mesa como em abril, maio e junho de 2013 ou vamos passar quatro anos assistindo o pior da politicagem associada ao pior do monetarismo.
A fragilidade do Brasil – mesmo dentro da selvageria do Sistema Internacional sob o modo de produção capitalista não é de ordem estrutural, mas ideológica. As elites dirigentes tem cabeça de bastardos, odeiam a si e a todos nós, materializando o conceito do complexo de vira-latas. Como dizia o Barão de Itararé, “de onde menos se espera é que não sai nada mesmo!”.
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O ataque dos agiotas e a tesoura dos neoliberais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU