Por: André | 04 Setembro 2015
Quando o Papa Francisco aterrissar na Base Andrews da Força Aérea, perto de Washington, no dia 22 de setembro, não é apenas a primeira vez que visitará os Estados Unidos como o máximo hierarca da Igreja católica. Também será a primeira vez que estará em solo estadunidense.
A reportagem é publicada por 20 Minutos, 01-09-20-15. A tradução é de André Langer.
O cardeal de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, nunca acompanhou os passos de outros prelados que viajavam aos Estados Unidos com a finalidade de se tornarem conhecidos, conseguir dinheiro para suas obras e missões de caridade, ou para negociar na poderosa, influente e endinheirada igreja estadunidense.
Este vazio em seu histórico pode ser explicado em parte pela personalidade de Francisco. Era um indivíduo circunspecto que detestava viajar, e sentia a profunda obrigação de estar perto dos fiéis de sua Arquidiocese. Também era conhecido por sua oposição ao arrivismo, e condenava os ‘bispos de aeroporto’ que passavam mais tempo viajando para a sua própria promoção ou espairecimento do que para servir os seus fiéis.
Mesmo assim, para muitos, é notável a sua falta de compreensão dos Estados Unidos, em especial para aqueles que tratam de tolerar sua implacável crítica dos excessos do capitalismo global e se perguntam se este primeiro Papa latino-americano sente rancor pelas políticas estadunidenses em relação à sua região natal, a América Latina.
“Esta viagem aos Estados Unidos será a mais difícil, a mais desafiadora e a mais interessante, porque explorará um mundo que para ele é mais estranho do que a Ásia, do que as Filipinas”, onde Francisco esteve em janeiro, disse Massimo Faggioli, um especialista em história eclesiástica da Universidade de St. Thomas em Minnesota. “Não é apenas uma barreira de linguagem. É uma barreira cultural”.
O bispo argentino Marcelo Sánchez Sorondo, um dos principais assessores de Francisco no Vaticano, refutou a ideia de que o Papa não gosta dos Estados Unidos. A visão do Papa de que um sistema econômico global orientado para a maximização dos lucros está destruindo os pobres e o meio ambiente não foi bem recebida em um país considerado como a sede mundial do capitalismo.
Sánchez Sorondo insistiu em que Francisco não é anticapitalista, e disse que o papa admira os Estados Unidos pelos princípios de seus Pais Fundadores, que influíram no movimento de independência de sua Argentina natal.
Mas a postura de Francisco também é moldada por outra história, que inclui a relação dos Estados Unidos com ditadores latino-americanos, o tratamento que os Estados Unidos dão aos imigrantes mexicanos e centro-americanos, e a velha política estadunidense para Cuba, disse Sánchez Sorondo.
Francisco ajudou recentemente a negociar uma histórica distensão nas relações entre Cuba e Estados Unidos que levou à restauração de laços diplomáticos entre os dois países.
“Não creio que o Papa tenha algo contra os Estados Unidos”, disse Sánchez Sorondo em entrevista concedida em Roma. “O que o Papa talvez tenha é que ele sentiu as repercussões dos Estados Unidos na América Latina”.
A situação é também completamente nova para os católicos estadunidenses, acostumados com os predecessores imediatos de Francisco: João Paulo II e Bento XVI, que viveram a Segunda Guerra Mundial, quando os estadunidenses eram considerados libertadores e benfeitores generosos que reconstruíram um continente arruinado pela guerra.
Quando João Paulo II era o cardeal Karol Wojtyla, arcebispo de Cracóvia, Polônia, viajou por todo os Estados Unidos, em especial para a comunidades de poloneses-estadunidenses. Como Papa, encontrou pontos em comum com os norte-americanos, como a luta contra o comunismo.
Bento XVI, por sua vez, antes cardeal Joseph Ratzinger, da Alemanha, tinha sido o guardião da doutrina de João Paulo II por mais de duas décadas, e não apenas visitou os Estados Unidos, como também se reuniu com líderes eclesiásticos estadunidenses de maneira regular em Roma.
Em 2008, na única visita de Bento XVI aos Estados Unidos como pontífice, o presidente George W. Bush o recebeu na Casa Branca, onde o Papa terminou sua mensagem com a seguinte frase: “Deus abençoe os Estados Unidos”. Essa frase foi tomada por muitos europeus e outros como uma surpreendente aprovação da ideia da excepcionalidade dos Estados Unidos, disse Faggioli.
“O Papa Francisco – suas raízes culturais e sua formação – é completamente diferente”, disse Faggioli.
Entre essas experiências está a crise econômica argentina de 2001, que provocou protestos, desemprego e uma rápida sucessão de presidentes, enquanto o governo tratava de controlar suas enormes dívidas. Bergoglio esteve envolvido em tentar ajudar os argentinos e os seus governantes a sair dessa situação, que muitos atribuíram às políticas de livre mercado promovidas pelos Estados Unidos.
Esse colapso poderia ter facilmente impelido Bergoglio a visitar os Estados Unidos. É comum que os líderes estrangeiros enviem um cardeal local como emissário informal para “assegurar-se de que o pessoal de Washington, e os bispos estadunidenses entendam as repercussões” das políticas dos Estados Unidos no exterior, disse Thomas Reese, analista do jornal National Catholic Reporter e autor do livro Inside the Vatican.
Mas esse papel teria sido impensável para Bergoglio. Ele tinha relações muito tensas com a classe governante da Argentina, e com frequência os desafiava abertamente em fóruns nacionais a abandonar o interesse próprio e fazer mais pelos desprotegidos e os indefesos.
“Não é como se ele pudesse reunir-se com eles e dizer: ‘Muito bem, esta é a nossa estratégia, vamos a Washington para resolver estas coisas’. Com frequência não se falavam”, disse Reese.
No entanto, a crença sobre o que significa, para Francisco, ser pastor, é talvez o principal fator que o manteve longe dos Estados Unidos, dizem especialistas.
Como todos os jesuítas, Bergoglio prometeu que não buscaria subir de posto na Igreja. É o primeiro jesuíta nos 481 anos de história da ordem religiosa que é eleito papa. Sua nomeação como bispo auxiliar de Buenos Aires foi uma surpresa para ele e para os católicos argentinos, a maioria dos quais nunca tinha ouvido falar dele, de acordo com Austen Ivereigh, autor de O grande reformador: Francisco e a construção de um Papa radical.
Conhecido como “o papa dos pobres”, Francisco passou muito de seu tempo como arcebispo nos bairros marginalizados de Buenos Aires. Suas férias, de modo geral, significavam ficar no apartamento e ler, como fez durante suas férias em Roma neste verão.
Não gosta muito de viajar ao exterior. Na década de 1980, quando Bergoglio foi enviado à Alemanha alguns meses para estudos do doutorado, sentia tanta saudade que passava algumas noites olhando os aviões que saíam do aeroporto rumo à Argentina, escreveu Ivereigh.
“Não me surpreende nada que não tenha estado aqui [nos Estados Unidos]”, disse Matt Malone, editor chefe da revista jesuíta America, de Nova York. “Sua vida inteira esteve dedicada ao povo da Argentina e da América do Sul”.
Em uma sessão de perguntas e respostas com repórteres que aconteceu em julho, Francisco disse que passaria as semanas anteriores à sua visita aos Estados Unidos “estudando” para a viagem. No passado, expressou certo desconforto com o inglês, mas fez discursos bem articulados – e bem recebidos – em inglês em duas viagens: na Coreia do Sul e durante o seu giro pelo Sri Lanka-Filipinas este ano. Nos Estados Unidos, falará tanto em inglês como em espanhol.
Sua introdução nos Estados Unidos começará em Washington, onde falará em uma sessão conjunta do Congresso no dia 24 de setembro, seguida de um discurso na Assembleia Geral da ONU em Nova York, e de uma missa campal no Encontro Mundial das Famílias na Filadélfia.
Mas o dia começa antes e em um lugar muito mais familiar, em Cuba, onde, entre os dias 19 e 22 de setembro, marcará a nova era da relação entre a Ilha e os Estados Unidos. Dali viajará à América do Norte.
“O coração de Francisco pertence ao Terceiro Mundo e ao Hemisfério Sul, mas tem um estilo de pregar o Evangelho que é muito atraente para as pessoas dos Estados Unidos”, disse Reeve. “Creio que haverá uma avassaladora resposta do povo estadunidense a ele. Creio que ele os cativará”.
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O Papa Francisco não conhece os Estados Unidos em muitos sentidos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU