31 Agosto 2015
Curiosamente, nas discussões sobre temas econômicos que se organizam semanalmente nas TVs nunca ou quase nunca se faz referência aos limites ecossistêmicos da Terra. Com raras exceções, os economistas parecem cegos e cegados pelas cifras do PIB, reféns de um paradigma velho", escreve Leonardo Boff, teólogo e filósofo.
Eis o artigo.
A Terra é um planeta pequeno, velho, com a idade de 4,44 bilhões de anos, com 6.400 km de raio e 40.000 km de circunferência. Há 3,8 bilhões de anos surgiu nele todo tipo de vida e há cerca 7 milhões, um ser consciente e inteligente, altamente ativo e ameaçador: o ser humano. O preocupante é o fato de que a Terra já não possui reservas suficientes em sua dispensa para fornecer alimentos e água para seus habitantes. Sua biocapacidade está se enfraquecendo dia a dia.
O dia 13 de agosto foi o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshooting Day). É o que nos informou a Rede da Pegada Global (Global Footprint Network) que, junto com outras instituições como a WWF e o Living Planet acompanham sistematicamente o estado da Terra. A pegada ecológica humana (quanto de bens e serviços precisamos para viver) foi ultrapassada. As reservas da Terra se esgotaram e precisamos de 1,6 planeta para atender nossas necessidades sem ainda considerar aquelas muito importantes da grande comunidade de vida (fauna, flora, micro-organismos). Em palavras de nosso cotidiano: nosso cartão de crédito entrou no vermelho.
Até 1961 precisávamos apenas de 63% da Terra para atender as nossas demandas. Com o aumento da população e do consumo já em 1975 necessitávamos 97% da Terra. Em 1980 exigíamos 100,6%, a primeira Sobrecarga da pegada ecológica planetária. Em 2005 já atingíamos a cifra de 1,4 planeta. E atualmente em agosto de 2015 1,6 planeta.
Se hipoteticamente quiséssemos, dizem-nos biólogos e cosmólogos, universalizar o tipo de consumo que os países opulentos desfrutam, seriam necessários 5 planetas iguais ao atual, o que é absolutamente impossível além de irracional (cf. R. Barbault, Ecologia geral, 2011, p.418).
Para completar a análise cumpre referir a pesquisa feita por 18 cientistas sobre “Os limites planetários: um guia para o desenvolvimento humano num planeta em mutação” publicada na prestigiosa revista Science de janeiro de 2015 (bom resumo em IHU de 09/02/2015). Aí se elencam 9 fronteiras que não podem ser violadas, caso contrário colocamos sob risco as bases da vida no planeta (mudanças climáticas; extinção de espécies; diminuição da camada de ozônio; acidificação dos oceanos; erosão dos ciclos de fósforo e nitrogênio; abusos no uso da terra como desmatamentos; escassez de água doce; concentração de partículas microscópicas na atmosfera que afetam o clima e os organismos vivos; introdução de novos elementos radioativos, nanomateriais, micro plásticos).
Quatro das 9 fronteiras foram ultrapassadas mas duas delas – a mudança climática e a extinção das espécies – que são fronteiras fundamentais, podem levar a civilização a um colapso. Foi o que concluíram os 18 cientistas.
Tal dado coloca em xeque o modelo vigente de análise da economia da sociedade mundial e nacional, medida pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Este implica uma profunda intervenção nos ritmos da natureza e a exploração dos bens e serviços dos ecossistemas em vista da acumulação e com isso do aumento do PIB. Este modelo é uma falácia, pois não considera o tremendo estresse a que submete todos os serviços ecossistêmicos globais que garantem a continuidade da vida e de nossa civilização. De forma irresponsável e irracional considera tal fato, com suas graves consequências, como “externalidades”, vale dizer, fatores que não entram na contabilidade nacional e internacional das empresas.
E assim gaiamente vamos ao encontro de um abismo que se abre logo aí à nossa frente. Curiosamente, nas discussões sobre temas econômicos que se organizam semanalmente nas TVs nunca ou quase nunca se faz referência aos limites ecossistêmicos da Terra. Com raras exceções, os economistas parecem cegos e cegados pelas cifras do PIB, reféns de um paradigma velho e reducionista de analisar a economia concreta que temos. Se todas as fronteiras forem violadas, como tudo parece indicar que acontecerá com a Terra viva e a Humanidade?
Temos que mudar nossos hábitos de consumo, as formas de produção e de distribuição como não se cansam de repisar a encíclica do Papa Francisco sobre “O cuidado da Casa Comum”. Mas sobre isso os analistas não dizem sequer uma palavra. Mal imaginam que podemos conhecer um “armagedom” ecológico-social sem precedentes.
Imaginemos o planeta Terra como um avião de carreira. Possui limites de alimentos, de água e de combustível. 1% viaja na primeira classe; 5% na executiva e os 95% na classe econômica ou junto às bagagens num frio aterrador. Chega um momento em que todos os recursos se esgotam. O avião plana um pouco e em seguida se precipita, vitimando todos e de todas as classes.
Queremos este destino para a nossa única Casa Comum e para nós mesmos? Não temos alternativa: ou mudamos nossos hábitos ou lentamente definharemos como os habitantes da ilha de Páscoa até restarem apenas alguns representantes, talvez invejando quem morreu antes. Efetivamente, não fomos chamados à existência para conhecermos um fim tão trágico.
Seguramente “o Senhor, soberano amante da vida” (Sab 11,26) não o permitirá. Não será por um milagre, mas pela nossa mudança de hábitos e pela cooperação de todos.
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Não há mais recursos na dispensa da Casa Comum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU