18 Agosto 2015
O que há de comum nessas três experiências é que não há programa econômico em país capitalista que deixe de privilegiar os interesses da classe dominante.
O artigo é de José Carlos Peliano, publicado por Carta Maior, 17-08-2015.
Eis o artigo.
A memorável série de ficção científica, “Arquivo X”, que ganhou milhões de fãs nas telas de TV nos idos de noventa, com os não menos inesquecíveis Fox Mulder e Dana Scully, dupla fascinante de bons atores, começava cada capítulo com a chamada “a verdade está lá fora”.
O lide era para enfatizar que não só os alienígenas estavam presentes no mundo, de uma forma ou de outra, mas que também havia nesta vida mais coisas no ar além dos aviões de carreira, como diria o Barão de Itararé.
Desde a eleição de Lula em fins de 2002, após a mudança de rumo do programa original do PT, que o levara a ser ovacionado e ungido como o candidato preferido pelo país afora, passou a vigorar outro programa, resumido na Carta aos Brasileiros.
Uma nova proposta de visão política do país enquanto prática diplomata de se apresentar à oposição e aos grupos econômicos, ambos insatisfeitos, como alternativa viável para governar o Brasil.
A própria troca de programa garantira a Lula ficar 4 anos no poder e mais 4 anos com a reeleição. Apesar das concessões feitas à direita ao longo de seu governo, entre elas períodos de contenção fiscal, juros altos e câmbio valorizado, ele conseguiu segurar as rédeas da economia ampliando a base de consumo dando acesso aos mais pobres e aqueles fora do mercado formal.
Conquistas como a queda da inflação, redução da pobreza e queda da desigualdade – Gini passa de 0,60 para 0,52 de 2003 a 2010 – colocaram o país entre os que mais beneficiaram os pobres. Lula passou a ser reverenciado nos fóruns internacionais e em países estrangeiros pela sua luta de combate à fome e pelos resultados alcançados no país.
Dilma foi eleita no vácuo de Lula, aliás por ele indicada como sua companheira para seguir seus passos na Presidência. Os primeiros quatro anos dela não foram tão expressivos quanto os de Lula, pois que teve de administrar desequilíbrios localizados na política fiscal, no câmbio e na política industrial. Mas conseguiu manter na média taxas de crescimento positivas mesmo a níveis menores que os dos dois períodos anteriores.
O segundo mandato de Dilma veio do gol feito nos últimos segundos dos acréscimos, com a bola tendo passado apenas centímetros da linha demarcatória para dentro da meta. Ali já se anunciava uma pedreira para a presidenta enfrentar nos seus próximos 4 anos.
Não deu outra. A oposição derrotada, o outro candidato que queria e continua a querer ser rei a todo custo, a mídia conservadora de pau em cima por preconceito, despeito e falta de respeito e a Justiça tocando o samba de uma nota só: denúncias e punições somente para gente do PT.
Resultado de tudo isso: Dilma nas cordas e petistas e simpatizantes sem rumo, decepcionados, sem motivação, muitos chorando lágrimas de esguicho, como diria o inigualável Nélson Rodrigues.
As manifestações da elite branca ontem reuniu cerca de 800 mil pessoas pelas capitais do país. Certamente bem menos que os 54 milhões de votos que elegeram Dilma no 2o mandato. Elite branca porque Chico Vigilante (PT-DF) afirma não ter visto negro algum nas ruas.
O que pode acontecer daqui para a frente não é simples prever porque em política as coisas mudam de lugar como as nuvens, já dizia Magalhães Pinto, político da direita mineira. Mas a presidenta brasileira tem muito a se mirar em sua amiga presidenta Cristina Kirchner.
O Kichnerismo sobrevive desde 2003, exatos períodos cumpridos por Lula e Dilma. Hoje nas mãos de Cristina, a Argentina terá novas eleições em breve e o candidato Daniel Scioli, apoiado pela presidenta está na frente pelas primárias realizadas na semana passada. Defende uma aliança regional com outros países e a integração ao mercado dos mais humildes.
Cristina também passou por períodos difíceis, manifestações, greves e pressões políticas. Mas permanece por lá com o país em relativa calma e estabilidade política. Guardadas as devidas proporções e cenários os dois governos, dos brasileiros e dos hermanos, têm em comum a diretriz de ampliação da mesa posta também para os mais pobres.
Esta diretriz social dos programas de governo, igualmente presente pelo menos nos governos da Bolívia, Venezuela, Chile e Uruguai, é o grande marco distributivo das políticas latino-americanas no último quarto de século. Nenhum outro país capitalista ocidental seguiu esta trilha, tampouco contribuiu para a melhoria de vida dos mais necessitados.
Alexis Tsipras quis fazer o mesmo na Grécia. Deu-se infelizmente mal. Apesar do apoio majoritário da população a um acordo mais favorável ao povo grego através de um plebiscito, a Troika não quis nem saber e empurrou goela abaixo uma austeridade sem tamanho. A Grécia das cordas foi ao chão e não se sabe quando terá condições efetivas de se levantar.
O Tsiprismo ficou na retórica das boas intenções. Sem bancos, apoios internacionais, suporte dos mais ricos do país, nem do grupo dos BRICS, quando se esperava algum alívio, a Grécia mostrou que a democracia funciona melhor para quem tem dinheiro e poder econômico.
O que há de comum nessas três experiências é que não há programa econômico em país capitalista algum que deixe de privilegiar os interesses da classe dominante. Ela é quem tem meios financeiros e meios de produção em operação. Não dá para pensar em profundas reformas socializantes, não diria nem socialistas, em ambientes econômicos capitalistas. Ponto.
Pensando alto: o limite é dado pela taxa de valorização do capital; se começa a cair por muito tempo a pressão para mudar a política de governo aumenta; caso contrário corre tudo bem. Com isso, nós o povo, ficamos na expectativa.
A Espanha ensaia uma outra virada de mesa no cenário político do país. Será que Podemos pensar em outra trajetória diferente da brasileira, da argentina e da grega? Será que podemos imaginar por lá uma proposta democrática, socializante e mais humana sem os sobressaltos e solavancos das outras três? Podemos?
Marx vaticinou que o capital iria acabar destruindo a si mesmo. Por tantas contradições que engendra. Será que temos de esperar muito mais para que isso ocorra e que uma nova forma de convivência democrática possa surgir?
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Lulismo, Kirchnerismo, Tsiprismo: Podemos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU