Por: Jonas | 23 Julho 2015
Desde o último dia 13 de junho, é o vice-prefeito de Barcelona - o número dois do governo municipal encabeçado por Ada Colau (foto) - e, há meses, um dos promotores da mudança política que sacode toda a Espanha. Gerardo Pisarello já conta com um longo percurso e antes de aterrissar em Barcelona - em 2001 - sua luta pelos direitos sociais e a democracia nascia com ele em Tucumán, Argentina.
Filho de desaparecido - sei pai foi sequestrado pelos militares em 1976 -, este professor de Direito Constitucional não descansou até cumprir um sonho: devolver à cidadania o timão da vida política. Agora, com a enorme responsabilidade de uma sociedade incomumente esperançosa por trás de si, Pisarello mal dorme e vê seus filhos, mas assume com alegria o desafio. “É uma oportunidade histórica”, repete, e dessa convicção tira forças para tentar aproveitá-la ao máximo.
Fonte: http://goo.gl/dF90U1 |
A entrevista é de Flor Ragucci, publicada por Página/12, 22-07-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Sua plataforma, Barcelona em Comum, apoiou desde o início o governo do Syriza e sua decisão em convocar o referendo. O que significou para vocês o Não categórico do povo grego às propostas do Eurogrupo?
Com este referendo se jogou o destino do povo grego e a democracia em geral. Hoje, todos somos Grécia. Frente à chantagem inaceitável dos grandes credores, defendemos o direito de todos os países do sul da Europa de decidir livremente seu futuro.
No transcurso das árduas negociações entre o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, e o Eurogrupo, o governo do Syriza teve que fazer numerosas concessões em relação ao seu programa inicial. Até onde será necessário ceder para levar adiante os novos projetos de esquerda que estão se instalando no sul da Europa?
É preciso estar consciente de que quando alguém ganha o governo, não ganha o poder, mas, ao contrário, apenas uma parte, e nem falo de quando se chega com 11 conselheiros dos 41, como é o nosso caso. É preciso estar disposto a fazer pactos e nós vamos fazer de tudo para que o máximo de nosso programa possa ser cumprido, tentando incorporar outras forças políticas com as quais compartilhamos pontos concretos. Transformar também exige certa capacidade de diálogo, que combine abertura à posição dos outros, com a firmeza em relação a determinadas linhas intransponíveis, que não iremos renunciar de maneira alguma.
E quais são essas linhas intransponíveis?
Algumas têm a ver com o nosso código ético – como as relacionadas com a transparência política e o rompimento do vínculo obsceno entre política e dinheiro, que existiu até agora – e outras com a luta contra a exclusão social. Apesar de ser um governo de apenas 11 conselheiros, iremos governar sem perder o impulso utópico que nos trouxe até aqui e a convicção de que como cidadãos nós temos mais poder do que nos querem fazer acreditar.
Na Catalunha, os partidos de esquerda estão procurando por todos os meios formar uma coalizão como a do Syriza ou como a que Barcelona em Comum concretizou nas municipais, para vencer, agora, as eleições catalãs de setembro. Parece que vocês marcaram o caminho para a mudança política na Espanha...
Muitas das candidaturas municipais que se apresentaram em maio abriram um caminho, demonstrando que a partir de novas práticas democráticas era possível uma alternativa ao bipartidarismo e governar com objetivos de justiça social. É lógico que essa força de mudança se reproduza também em outras escalas, mas os processos não são sempre miméticos e um processo lento no âmbito municipal não é facilmente reproduzível em toda uma região, sobretudo quando há um tempo tão breve como o que resta para as eleições autonômicas de setembro. Isto não quer dizer que não vejamos com simpatia e muita esperança o surgimento na Catalunha de propostas que querem acabar com o governo conservador de Convergência e União (CIU) e abrir um processo constituinte que permita rediscutir as regras do jogo.
Recentemente, sua equipe se reuniu com Pablo Iglesias e além de ficarem presos no elevador do 'Ayuntamiento' e que a selfie tenha atraído todos os meios de comunicação, tiraram algo a limpo? De que forma se pensa a colaboração entre ambos?
Encontramo-nos com Pablo – que é uma pessoa que apreciamos e conhecemos há muito tempo – porque, como possível candidato à presidência da Espanha, queríamos compartilhar com ele um diagnóstico acerca dos limites que para qualquer governo municipal supõe as leis ‘recentralizadoras’ lançadas nos últimos anos pelo Partido Popular (PP). Tanto ele como nós acreditamos na necessidade de reforçar o municipalismo como ferramenta de mudança social e nos parece que para protegê-lo é muito importante que também se produza uma mudança em outras escalas, na Catalunha e todo o Estado. Se Podemos representa essa mudança, é uma esperança para muita gente.
Com a proximidade das eleições catalãs, o debate sobre a soberania volta a estar em foco, mas os termos da discussão já não são os mesmos que antes da vitória de Barcelona em Comum. Você acredita que a irrupção de sua candidatura – que se posiciona a favor do direito de autodeterminação e não se pronuncia em relação a um sim ou um não pela independência – abriu uma brecha para outro tipo de delineamento sobre o futuro da Catalunha?
O apoio obtido por Barcelona em Comum é muito transversal e responde a um programa político que foi capaz de conjugar a defesa da justiça social com a da soberania real da cidadania catalã, para dizer como quer se relacionar com o Estado. Somos em prol da soberania, nesse sentido, e afirmamos que os catalães têm o direito de decidir quais são as regras do jogo sem pedir permissão, mas acreditamos que esse processo não será credível enquanto estiver nas mãos de um partido como o CIU que compactua com o PP, que corta direitos sociais, privatiza a saúde e está vinculado de maneira estrutural com a corrupção.
Como o governo da Catalunha, sob o comando do conservador Artur Mas, recebeu vocês? Mostram-se receptivos à nova política que vocês representam?
Notamos certo incômodo porque não esperavam que gente normal – que não pertence às grandes famílias ou aos partidos tradicionais – pudesse chegar ao governo. O CIU sempre teve uma visão muito patrimonialista das instituições, como se fossem próprias, e agora estão compreendendo que o jogo democrático também implica esta possibilidade de que gente “comum” acesse os lugares de poder.
Não só gente “comum”, como também uma mulher - a primeira prefeita da história de Barcelona - e um argentino - o primeiro vice-prefeito latino-americano da cidade -. Isto supõe um obstáculo para você?
A verdade é que se trata de um fato histórico, que demonstra uma coisa fantástica: primeiro, o momento de grandes expectativas de mudança social pela incorporação de muitas pessoas que até agora haviam se sentido excluídas da política; segundo, que isso reflete o caráter de Barcelona como cidade plural e aberta. Frente a isto, também há minorias que se sentem incomodadas. Noto isto, por exemplo, em algumas conversas com diretores de grandes meios de comunicação ou banqueiros importantes, sendo que a primeira coisa que me perguntam é se entendo o catalão, quando é conhecido por todos que a nossa campanha foi principalmente neste idioma. Há certo paternalismo e elitismo por sua parte, como se ainda não pudessem acreditar que pessoas como nós também sejam moradores da cidade.
Com o que se depararam ao passarem pelas portas do 'Ayuntamiento'?
Primeiro, uma maquinaria colossal, que estamos tentando entender como funciona. Mas, ao mesmo tempo, um quadro de funcionários enormemente competente, sendo que muitos esperavam que houvesse uma mudança deste tipo para recuperar o orgulho de se sentir servidor público, e essa foi a melhor notícia. Pessoalmente, a prefeita e muitos de nós participamos na detenção de despejos e nos envolvemos ativamente na negociação com as entidades financeiras. Também retiramos a presença do 'Ayuntamiento' como acusação popular contra os grevistas e manifestantes, porque não estamos concordamos que se criminalize o protesto.
Muitos grandes empresários manifestaram o temor de ser expulsos de Barcelona, após os resultados das eleições de 24 de maio. Têm razão de estar tão assustados?
Para nós são bem-vindos os investimentos sempre que estiverem dispostos a respeitar os direitos sociais e ambientais básicos. Nossa intenção é criar um selo social para esse tipo de investidor, porque acreditamos que isso daria prestígio tanto às empresas como aos cidadãos. Já nos reunimos com diferentes grupos empresariais e nossa mensagem sempre foi o de que uma economia geradora de benefícios que sejam redistribuídos por toda a sociedade não é apenas mais justa, mas mais eficaz. Queremos que Barcelona seja uma referência em economia solidária e cooperativa.
Uma das características essenciais de Barcelona em Comum é a da participação ativa dos cidadãos na política. Como pensam em facilitá-la?
Esse é o nosso grande desafio, porque precisa ser um movimento em duas direções: é preciso conseguir fazer com que os cidadãos tenham acesso ao 'Ayuntamiento', através de mecanismos mais simples, e que os próprios funcionários municipais saiam à rua. Para isso, estamos explorando todas as possibilidades que os meios digitais oferecem, para assim começar a colocar em marcha as consultas cidadãs e os orçamentos participativos, que são parte de nosso programa. Este primeiro ano será fundamental para começar a ver os frutos nesse sentido.
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“Não perderemos o impulso utópico”, afirma braço direito de Ada Colau em Barcelona - Instituto Humanitas Unisinos - IHU