Por: André | 16 Julho 2015
Enquanto Francisco está na reta final da sua viagem latino-americana no Paraguai, o reconhecido teólogo e filósofo brasileiro, Leonardo Boff, enalteceu o seu pontificado por ter sido capaz de mobilizar os indiscutidos preceitos da cúria romana. A partir dali vaticinou: “Não me admiraria se nomeasse mulheres cardeais”.
Em conversa telefônica com o programa Tormenta de Ideas, da Rádio MDZ, de Mendonça, Argentina, Boff considerou que Bergoglio inaugurará a era dos papas do Terceiro Mundo, porque foi a própria cúria vaticana que começou a sentir vergonha por causa da multiplicidade de casos de pedofilia que se tornaram públicos.
Refletiu, além disso, sobre a superação de dicotomias caducas como marxismo-cristianismo ou capitalismo-marxismo, a propósito da reação do ex-cardeal frente ao gesto do presidente boliviano, Evo Morales, que lhe entregou um crucifixo “comunista”.
A entrevista é de Conte, Montiveros e Bustos e publicada por MDZ, 12-07-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Que implicações acredita que têm as palavras do Papa Francisco em Santa Cruz de la Sierra na Bolívia?
Creio que é um avanço do magistério pontifício sobre as questões sociais, porque nunca um Papa falou tão diretamente. Ele fala de um sistema de lucros a qualquer custo, que não pensa na exclusão social ou na destruição da mãe Terra. Convoca a todos para superar a globalização da destruição pela da esperança que se traduz em um empenho concreto nas mudanças. Refere-se, assim, a uma mudança estrutural fundamental que renove as relações sociais entre os seres humanos e com a mãe e irmã Terra.
Você vê uma evolução das velhas dicotomias capitalismo-marxismo ou marxismo-cristianismo?
Penso que sim. Porque antes os papas mantiveram uma certa neutralidade com este sistema. Ele, pelo contrário, o ataca diretamente nomeando-o como um sistema sem misericórdia, cínico, que não respeita ninguém e que vive destruindo povos e diz, inclusive, que “vive ameaçando de morte a mãe Terra”. Então, creio que este é um avanço muito claro. Posso imaginar que isso vai irritar muito o sistema imperial dos Estados Unidos ou dos nossos países que estão comprometidos com essa globalização da exploração e da exclusão. Mas ele é muito claro, não tem segundas intenções, como os outros papas. Penso que é consequência do caldo cultural eclesial que se criou na América Latina, de trabalhar pelos povos e chamar as coisas pelo seu nome.
Você esperava uma posição deste tipo por parte de Bergoglio, sobretudo considerando que quando foi cardeal não tinha posições tão profundas?
Ele não tinha em termos de palavras, mas em termos de vida e de exemplo, de não viver no palácio, de andar de ônibus, de frequentar as favelas, vivendo um estilo de pobreza como uma espécie de opção pessoal dele. Agora ele traduz isso também em palavras.
Você foi perseguido e afastado da cátedra por Bento XVI... Teria imaginado o Papa João Paulo II recebendo um crucifixo como o de Luis Espinal, que Evo Morales entregou ao Papa Francisco?
Creio que este papa estabelece uma ruptura com os romanos. Os outros papas não gostavam da palavra e querem a continuidade. Aqui há uma ruptura de conduta, de comportamento e de discurso. Algo que ele mesmo deixa entrever quando, em tom de brincadeira, diz: “assim é mais difícil que me envenenem”; tudo isso eu esperava de um papa que viesse da América Latina. Eu lembro que antes que Bergoglio chegasse ao Vaticano, antecipei que a Igreja estava em ruínas e que necessitava de uma pessoa como Francisco de Assis e foi assim que, graças a Deus, chegou Francisco, que tentou restabelecer a moralidade mínima na Igreja.
O que vai acontecer quando Francisco já não estiver mais no cargo da Santa Sé?
Creio que ele vai inaugurar uma nova geração de papas que virão do Terceiro Mundo, porque na Europa vive apenas 24% dos católicos e é uma Igreja agonizante, que está em crise, assim como a cultura europeia. Ao contrário, no Terceiro Mundo se faz um ensaio de encarnação das culturas indígenas. Aqui nasce o novo e como a Igreja atualmente é uma Igreja do Terceiro Mundo é natural que haja um papa do Terceiro Mundo.
Acredita, também, que a Igreja europeia conserva seu poder monopólico?
Penso que isso vai mudar, porque muitos cardeais e autoridades europeias sentem-se com vergonha. Ninguém queria ser papa com essa tradição recente de crimes, pedófilos e é uma coisa vergonhosa e então tinham que chamar alguém de fora, que não vem contaminado. Este papa despaganizou a Igreja; vive mais como Bispo de Roma do que como papa universal. Não fala dos pobres, mas vai abraçá-los. Creio que é algo que tem que continuar para honra da Igreja e como uma força política que pode congregar. O caminho anterior era um caminho que levava ao abismo e era sem retorno.
Que significado tem o fato de que, neste giro latino-americano, tenha viajado primeiro para o Brasil, Equador, Bolívia e Paraguai e depois pense em dirigir-se a Cuba e aos Estados Unidos?
Isso está na linha da sua opção. Ele optou pelos pobres, razão pela qual escolheu o Brasil, Equador, Paraguai e Bolívia. No Paraguai ele disse uma coisa fantástica: “as mulheres paraguaias são as grandes heroínas, as pessoas mais importantes do continente, porque depois dessa desgraçada guerra que fizemos no Paraguai, sobraram oito mulheres para cada homem”. Nunca, pelo menos no Brasil, teríamos reconhecido algo assim.
As mudanças iniciadas poderão ter a ver com a incorporação de papéis mais protagônicos para a mulher?
O papa disse que as mulheres são importantes porque são mais da metade da Igreja e são as mães e irmãs da outra metade e isso não é pouca coisa e não é justo mantê-las afastadas e elas têm que ajudar a encontrar os melhores caminhos para as escolas. Como não há a exigência da ordenação episcopal e sacerdotal para ser cardeal – é antes um título para determinada função – não me admiraria se nomeasse algumas mulheres cardeais para, juntos, pensarem a totalidade da Igreja, porque se olha para a Igreja com o olho masculino, machista, patriarcal; uma mulher tem outra sensibilidade.
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“Não me admiraria se o Papa nomeasse mulheres cardeais”. Entrevista com Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU