14 Julho 2015
O encontro foi em Assunção. Francisco recordou com Ana María e Mabel Careaga os momentos que compartilhou com a mãe dela em um laboratório onde trabalhou quando jovem e em que ela era a chefe.
A reportagem é de Ailín Bullentini, publicada no jornal Página/12, 12-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ana María e Mabel Careaga compartilharam nesse sábado, 11 de julho, "recordações femiliares e anedotas" de sua mãe, Esther Ballestrino de Careaga, uma das fundadoras das Mães da Praça de Maio, com o Papa Francisco, que foi empregado por ela em um laboratório durante os anos 1950. "Ele nos disse que a nossa mãe lhe havia ensinado a pensar. Isso é muito forte", concordaram ambas, horas depois do encontro no Paraguai.
"Para nós foi realmente importante", refletiu Ana María, horas depois da reunião, em diálogo com o Página/12. Francisco recebeu duas das três filhas de Ballestrino de Careaga e os seus respectivos esposos, Héctor Francisetti e Oscar Estelles, às 7h30 do sábado na Nunciatura de Assunção, a última cidade da sua turnê pela América Latina, que começou no início da semana passado no Equador e continuou na Bolívia. O encontro foi organizado pelo cônsul do Paraguai no Uruguai, Alcides Albariño, e por Leila Rachid, da chancelaria do Paraguai.
Recordações e anedotas
Ballestrino de Careaga foi, durante a segunda metade da década de 1950, "a chefe de Francisco", disse Ana María. A sua mãe, bioquímica farmacêutica, dirigia um laboratório "que ficava na rua Azcuénaga, quase Santa Fe", da cidade de Buenos Aires, no qual o papa, então um "jovenzinho" Jorge Bergoglio, era técnico.
Nesse sábado, o pontífice confessou a duas das filhas da sua ex-chefe – Esther, a terceira, não pôde viajar da Suécia, onde vive – que ela "lhe ensinou a seriedade do trabalho", afirmou Ana María e reproduziu uma das anedotas que Francisco lembrou dos seus dias de jovem laboratorista: "Ele nos disse que eles costumavam completar algumas análises e que, para isso, ele se baseava em resultados de estudos anteriores que outros tinham feito, mas que, quando minha mãe ficou sabendo disso, explicou-lhe que isso não estava bem, que era preciso revisar tudo. Ele expressou admiração por ela".
Ballestrino nasceu no Uruguai em 1918, mas, em poucos anos, se estabeleceu no Paraguai, com o seu pai e a sua mãe, oriunda desse país. Ali, ela estudou até completar a sua carreira universitária e forjou o seu espírito militante, como membro do Partido Revolucionário Febrerista e fundadora do movimento feminino dentro dessa estrutura.
"Ela era um jovem dirigente de vanguarda", disse Ana María. A vida em Assunção ficou complicada e perigosa com a chegada da ditadura de Alfredo Stroessner, por isso ela emigrou para a Argentina durante os primeiros anos da década de 1950. Ali, ela conheceu o seu marido, Jesús Careaga, com quem teve Ana María, Mabel e Esther, e conheceu Bergoglio quando ele tinha 17 anos e não tinha assumido o hábito religioso.
A mais alta autoridade da Igreja Católica voltou àqueles anos com a ajuda de uma fotografia em preto e branco que as filhas da sua ex-chefe lhe presentearam, entre vários outros presentes durante o encontro que compartilhavam em Assunção. "Ele a viu e se emocionou. Ele encontrou a minha mãe primeiro e depois foi nomeando um por um dos colegas de laboratório, até que chegou a ele. 'Este sou eu', rindo", contou Mabel.
Pontos em comum
As irmãs Careaga chegaram ao encontro com Francisco bastante "emocionadas" pelo que o pontífice tinha manifestado nos seus discursos de dias atrás. E lhe confessaram isso no sábado pela manhã, sob a forma de agradecimento. "Nós lhe dissemos como foi importante para nós o seu perdão em nome da Igreja pelas atrocidades cometidas na América Latina durante a colonização, um perdão que cremos que tem os seus efeitos em relação ao papel da hierarquia eclesiástica durante o terrorismo de Estado na Argentina. E ele nos respondeu que era um ato de justiça", resumiu Ana María, que foi sequestrada no começo da última ditadura cívico-militar – seu companheiro e uma de suas irmãs também haviam sido sequestrados –, e por quem a sua mãe começou uma busca que a converteu em uma das fundadoras das Mães da Praça de Maio.
Em 1977, durante os primeiros passos daquela que é a mais importante organização dos direitos humanos da história argentina, Ballestrino foi sequestrada junto com as outras mães fundadoras, Azucena Villaflor e María Ponce, e as freiras francesas Alice Domon e Leónie Duquet.
"Minha mãe deixou marcas no jovem adolescente que Francisco era quando a conheceu, e entendemos que essas marcas estão presentes nas ideias que ele propôs durante a sua visita à América Latina", afirmou Ana María. "Vemos na denúncia que ele fez sobre o esgotamento do sistema capitalista, o perigo da concentração monopólica dos meios de comunicação e a necessidade de uma mudança nas mãos dos despossuídos um fio comum com as ideias da minha mãe e as dos militantes dos anos 1970."
Os anos seguintes
Depois do trabalho em conjunto no laboratório, Esther e Bergoglio seguiram em contato, inclusive durante o terrorismo de Estado: "Minha mãe lhe pedira que escondesse alguns livros 'marxistas'" que os Careaga tinham na sua casa. O desaparecimento das religiosas da Santa Cruz foi a primeira coisa que Bergoglio lhes disse que sabia do episódio em que também sequestraram a sua mãe e as outras duas fundadoras.
"Em poucos dias, viu o nome da minha mãe e tapou o rosto com as mãos", repetiu Mabel. Depois disso, seu pai manteve o contato, que não se repetiu muitas vezes ao longo das décadas.
Já convertido em Francisco, as irmãs Careaga o convidaram para visitar a Igreja da Santa Cruz e o Solar de la Memoria, onde jazem os restos das mães fundadoras e das religiosas. "Queríamos que eles contasse aos nossos filhos e netos, os netos e bisnetos da minha mãe, as histórias que ele compartilhou com ela", disse Mabel. No fim da reunião desse sábado, elas reiteraram o convite.
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Papa Francisco: ''A mãe de vocês me ensinou a pensar'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU