17 Junho 2015
Tem-se uma sensação de autêntica novidade ao ler a nova encíclica ao menos por três motivos: 1) pelo estilo simples e imediato; 2) pela atenção prestada a contribuições de outros líderes religiosos e às análises de cientistas, de sociólogos, de economistas; 3) pela força surpreendentemente "laica" dos argumentos e da argumentação.
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 16-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A combinação de título e subtítulo da nova encíclica de Bergoglio já é muito significativa: "Laudato si'. Sobre o cuidado da casa comum". Aí aparecem três conceitos decisivos da interpretação bergogliana global do cristianismo como serviço e defesa do homem:
1) o louvor, ou seja, a dimensão contemplativa, absolutamente essencial para a espiritualidade jesuíta;
2) o cuidado, a práxis voltada ao bem e à justiça, traço peculiar da teologia da libertação sul-americana;
3) a casa comum, ou seja, o bem comum e a dimensão comunitária da vida humana, que é sempre vida de um indivíduo dentro de um povo.
Precisamente por causa dessa terceira dimensão, o papa escreve que, com o seu texto, ele não se dirige apenas aos homens da Igreja e aos católicos, como é tradição para o gênero literário da encíclica, mas a todos os seres humanos: "Proponho-me especialmente a entrar em diálogo com todos a respeito da nossa casa comum".
Francisco recorda que a sua atenção particular à ecologia não é uma novidade para o papado, já que todos os seus antecessores imediatos a haviam cultivado antes dele. E, com efeito, lendo o seu texto, é impossível não encontrar fortes dívidas intelectuais em relação a João Paulo II e, sobretudo, Bento XVI, ambos muito citados (23 vezes o primeiro, 21 o segundo).
Porém, tem-se também uma sensação de autêntica novidade, ao menos, por três motivos:
1) pelo estilo simples e imediato que lembra de perto aquela água sobre a qual o papa escreve que "nos vivifica e nos restaura";
2) pela atenção prestada a contribuições que normalmente não são as fontes do magistério papal, como, por exemplo, as obras de outros líderes religiosos, incluindo o patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, e às análises de cientistas, de sociólogos, de economistas;
3) pela força surpreendentemente "laica" dos argumentos e da argumentação.
De fato, na encíclica, repetem-se termos como poluição, mudanças climáticas, resíduos, cultura do descarte, questão da água (aqui o papa gasta palavras muito fortes contra todo projeto de privatização dos recursos hídricos), perda de biodiversidade, deterioração da qualidade de vida, degradação social, desigualdade planetária, transgênicos, em um ditado global que, especialmente na primeira parte, não tem justamente nada daquilo que tradicionalmente se entende como religioso.
A encíclica é muito longa, quase 200 páginas para 246 parágrafos, e uma análise adequada dela requer tempo e reflexão. Mas daquilo que surge de uma primeira leitura veloz, eu acredito que o conceito decisivo é o de "ecologia integral", expressão que se repete oito vezes no documento e é o título do quarto capítulo. Integral significa capaz de abraçar todos os componentes da vida humana, que deve ser resgatada da progressiva submissão à tecnologia que, no seu vínculo com as finanças, "pretende ser a única solução dos problemas", mas, escreve o papa, "de fato, não é capaz de ver o mistério das múltiplas relações que existem entre as coisas e, por isso, às vezes, resolve um problema criando outros".
Um grande ensinamento a esse respeito é a interconexão de todas as coisas, sobre a qual o papa retorna várias vezes ("tudo está intimamente relacionado"), a fim de compreender, para dar apenas um exemplo, que o aquecimento do planeta provoca a migração de animais e de vegetais e, portanto, o empobrecimento de determinados territórios e daqueles que os habitam, que, por sua vez, são forçados a emigrar.
Assim, a ecologia, de mera preocupação com o ambiente natural, mostra-se, ao mesmo tempo, como cuidado da humanidade no sinal, mais uma vez, da ecologia integral.
Permanecem, porém, três perguntas.
1) É sustentável afirmar que "o crescimento populacional é verdadeiramente compatível com um desenvolvimento integral e social", escreve o papa, citando um documento eclesiástico anterior? Hoje, somos mais de sete bilhões e já agora os nossos resíduos são superiores à possibilidade de putrefação, sem contar que a putrefação torna-se, por sua vez, causa de poluição. O que vai acontecer em 2050, quando a população será de 9,6 bilhões?
2) No capítulo bíblico-teológico, o papa escreve que "o pensamento judaico-cristão desmitificou a natureza (...) não lhe atribuiu mais um caráter divino". Não seria oportuno se perguntar se esse processo de desmistificação e dessacralização está na origem daquela exploração progressiva do planeta denunciado pelo papa?
3) Chama a atenção a total ausência de qualquer referência às grandes religiões orientais (hinduísmo, budismo, jainismo, taoísmo, xintoísmo), desde sempre muito atentas à questão da ecologia e à espiritualidade da natureza, muito antes do redespertar do cristianismo a esse respeito. Francisco escreve várias vezes que "tudo no mundo está intimamente conectado" e, seguramente, sabe que se trata de um ensinamento original da sabedoria oriental, particularmente do budismo e do taoísmo: por que não dizer isso e convocá-los? Não estaria em conformidade com o desejo de "unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral", como ele escreve?
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De São Francisco a Francisco. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU