12 Junho 2015
O xerife das finanças vaticanas tem um problema na Austrália. O cardeal George Pell, prefeito da Secretaria para a Economia – o novo superministério vaticano criado recentemente no âmbito da reforma financeira da Santa Sé – foi chamado em causa nos inquéritos governamentais que estão há muito tempo descobrindo a chaga nunca cicatrizada dos abusos sexuais cometidos por expoentes do clero.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada no sítio Linkiesta, 10-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Pell esteve à frente das dioceses de Melbourne e Sydney, na Austrália. As acusações são mais ou menos as mesmas já feitas contra muitos bispos e arcebispos no passado: ou seja, de terem encoberto e ocultado casos específicos, isto é, de terem protegido os culpados, de não terem facilitado o ressarcimento às vítimas, em suma, de terem feito de tudo para esconder os casos.
Trata-se de episódios e histórias dolorosos que remontam há anos, mas que deixaram feridas profundas sobre as vítimas, algumas das quais – olhando o dossiê australiano de modo geral – tiveram problemas de caráter psicológico até mesmo graves: houve inúmeros suicídios, vicissitudes pessoais complicadas e assim por diante.
"É um encobridor, um cínico, um sociopata"
De fato, no entanto, o cardeal já tinha testemunhado perante a comissão do Estado de Victoria, em maio de 2013, dando respostas amplas sobre diversas acusações; na ocasião, ele tinha se exposto em público, não tinha satisfeito todas as demandas dos grupos de vítimas (também sobre a questão dos ressarcimentos financeiros), mas havia assumido as responsabilidades gerais da Igreja.
Logo depois, ele começou a fazer parte do C9, o restrito grupo de cardeais que auxilia o papa no governo da Igreja. Enquanto isso, depois, assumiu um cargo decisivo no Vaticano: o de prefeito da Secretaria para a Economia, o superdicastério que controla orçamentos, pessoal e gestão financeira de todos os outros dicastérios. Uma coisa que, no Vaticano, nunca tinha sido vista, com a qual muitos ainda não se acostumaram e que assusta aqueles que confiavam na manutenção do status quo.
No entanto, nas últimas semanas, da Austrália, chegaram péssimas notícias para Pell. Peter Saunders, que, além de ter sido uma vítima de abusos sexuais, faz parte da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, instituída pelo Papa Francisco – essencialmente, o dicastério que deverá pôr a mão no escândalo de pedofilia devastador para a Igreja em tantos países do mundo – acusou-o pesadamente.
Chamou-lhe de cínico, de encobridor e pediu o seu afastamento a Bergoglio ("É crucial que ele seja posto de lado e enviado de volta para a Austrália, e que o papa tome uma ação mais forte contra ele", definido o purpurado de "um sociopata").
No centro do caso, há um caso específico, o de Gerald Ridsdale, sacerdote, abusador perigoso, que teria sido protegido por Pell no passado. Esse caso, dentre outros, está sendo investigando pela Royal Commission into Institutional Responses to Child Sexual Abuse [Comissão real sobre as respostas institucionais ao abuso sexual infantil].
A partir desse caso, nasceu uma polêmica a várias vozes. O próprio cardeal Pell respondeu através de uma série de comunicados que estava fortemente comprometido contra os abusos. Depois, um segundo round foi aberto contra o "60 Minutes", o programa de televisão que tinha transmitido as afirmações de Saunders. "Acusações falsas" as do programa, disse o porta-voz do cardeal. O "60 Minutes" respondeu, por sua vez, com detalhes, confirmando o fundamento das informações transmitidas.
Enquanto isso, o padre Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, também interveio, afirmando: "O cardeal Pell sempre respondeu atentamente e de modo argumentado as acusações e às demandas formuladas pelas autoridades australianas competentes, e a sua posição foi divulgada ainda nos últimos dias por uma declaração pública dele, que deve ser considerada confiável e digna de respeito e de atenção".
Não só: Lombardi especificou que a comissão vaticana sobre os menores não pode formular acusações sobre casos específicos, mas sim indicar critérios gerais de conduta e de resposta à crise dos abusos por parte das Conferências Episcopais.
E, nesse ponto, chamada em causa, também tomou a palavra a comissão chefiada pelo cardeal estadunidense Sean O 'Malley, arcebispo de Boston (também ele membro do C9).
Com um comunicado, o órgão vaticano esclareceu que, de fato, o seu papel institucional certamente não é o de fazer considerações sobre episódios individuais de abusos (a referência era às palavras de Saunders contra Pell), mas era tocado um ponto-chave: "A Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores – afirmava-se – permanece comprometida com a sua missão, que, como ressaltado nos estatutos provisórios recentemente aprovados, é a de ajudar a Igreja em todo o mundo a proteger os menores e a assegurar que os interesses dos sobreviventes e das vítimas dos abusos sejam primários. Para esse fim, a comissão considera essencial que aqueles que estão em posições de autoridade na Igreja respondam prontamente, de forma transparente e com a clara intenção de permitir a consecução da justiça".
Em suma, até mesmo os cardeais devem responder a respeito das acusações para esclarecer todos os aspectos.
Pell, além disso, é uma peça-chave das novas configurações bergoglianas, mas o caso que diz respeito a ele, sem dúvida, é delicado. Além disso, toca um nervo aberto da Igreja. O purpurado já testemunhou perante uma comissão governamental; talvez, porém, esse passo hoje já não seja suficiente, e é provável que o cardeal deverá dar mais respostas (ele mesmo, nos vários comunicados, comprometeu-se a fazer isso e pediu para ser convocado).
De fato, ele ainda é um dos poucos cardeais que enfrentou uma investigação governamental de alto nível sobre um assunto difícil e cheio de incógnitas.
"Ele nunca foi um homem popular na Austrália"
Se fosse preciso traçar um perfil dele, do ponto de vista da doutrina, Pell é um conservador próximo da Opus Dei, não compartilha as aberturas do papa sobre temas como os casais não casados, a comunhão aos divorciados em segunda união e assim por diante.
E mais: é um defensor convicto daquele capitalismo global sobre cujas virtudes salvíficas o papa mostrou ter muito pouca confiança. Na própria questão ambiental, Pell é decisivamente menos sensível do que o Papa Francisco.
No entanto, ele é o homem escolhido por Francisco para impôr uma virada na gestão financeira da Cúria vaticana. Pell é, sob o perfil financeiro, o novo curso marcado – ao menos em perspectiva – por uma gestão correta dos orçamentos e do pessoal, por itens de despesa verificáveis, pela superação das ineficiências, dos desperdícios, das práticas clientelistas.
A Secretaria para a Economia foi dotada, nesse sentido, de amplos poderes. Foi o cardeal australiano, dentre outras coisas, que revelou que, nos vários dicastérios vaticanos, depois de uma primeira verificação (fevereiro de 2015), tinha sido "encontrado" mais de um bilhão e 400 milhões nunca registrado em nenhum orçamento e guardado à parte para eventuais emergências.
Portanto, há expectativa pela publicação dos próximos orçamentos da Santa Sé, que deveriam trazer finalmente à tona um quadro muito mais detalhado e completo do que no passado.
Certamente, no entanto, as acusações provenientes da Austrália constituem um problema nada pequeno; ao mesmo tempo, deve-se ressaltar que, para resgatar Pell, inesperadamente, entrou em campo uma publicação tradicionalmente liberal e progressista do catolicismo inglês como a revista The Tablet.
"O cardeal George Pell – escrevia a revista em março passado – nunca foi o homem mais popular da Austrália, nem mesmo entre os seus coirmãos bispos – o que significa que o Papa Francisco foi extraordinariamente perspicaz ao lhe confiar a responsabilidade das finanças vaticanas. Estas estavam em tal estado e precisavam tanto ser reordenadas que somente alguém disposto a pisar nos pés de outros e não muito preocupado com a própria popularidade podia estar à altura da tarefa."
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Os problemas do cardeal Pell, superministro das finanças vaticanas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU