20 Mai 2015
O diálogo possível entre a Igreja e a contemporaneidade conta, há dois anos, com o elemento Francisco. A simples (na verdade nem tão simples assim) escolha do nome Francisco por Bergoglio coloca na pauta uma série de elementos contemporâneos. "Quando Bergoglio escolhe Francisco ele faz isso em nome da simbologia que a nomenclatura suscita em favor da paz, em favor dos pobres e porque ele se importa com a natureza", sublinha John O'Malley, professor doutor na Georgetown University, nos Estados Unidos.
Routhier (à esq.), O'Malley e Theobald |
O diálogo como dupla distância
Ultrapassar o significado retórico do termo "diálogo" obriga enfrentar os verdadeiros desafios entre a Igreja e o século XXI. "Precisamos definir no diálogo da Igreja com o mundo contemporâneo o que entendemos como diálogo: será que o diálogo é uma forma de conseguir uma coisa que não conseguimos mais pela força?Se isto é o diálogo para que ele serve? Será que ele é um meio para converter e persuadir? Ou será que ele é o reconhecimento do outro?", provoca Gilles Routhier, professor na Université Laval, no Canadá.
A experiência de trabalho com geógrafos ensinou a Routhier um exercício de observação, que, segundo ele, o fez compreender melhor a dinâmica do diálogo. "Continuo trabalhando com geógrafos. Cada vez que eles realizam uma operação dizem que o mais importante é escolher a escala certa. Ou seja, é preciso descer para ver a poluição no rio, mas, por outro lado, para ver de onde vem a poluição é preciso emergir para enxergar de onde vem", ensina.
Situação caótica e conflituosa
Por ser uma uma instituição com mais de dois mil anos, a Igreja comporta uma série de grupos variados entre si em sua estrutura interna, por isso se "move" com vagar a partir dos próprios princípios. "Prefiro pensar os desafios e decisões da Igreja como itinerários, no plural, frente as modernidades. Isso porque me dei conta que há vários modelos que coabitam o seio da Igreja Católica e que produzem uma situação caótica e conflituosa", diagnostica Christoph Theobald, professor doutor no Centre Sèvres, Facultés Jésuites de Paris, na França.
"Em todo o século XIX e boa parte do século XX a Igreja percebeu o mundo como uma antítese e jogou com três aspectos centrais: intransigência nos valores humanos, catolicismo integral e catoliciscmo utópico", explica Routhier. Esse momento de transição, da Igreja e da sociedade em sentido mais amplo, na releitura desses três pontos eixos após o Concílio Vaticano II. "É possível ver que a ideia de 'intransigente' vai evoluir para 'busca da verdade'. O catolicismo não está de posse da verdade integralmente, mas em busca dela. Essa é a primeira mutação por meio do diálogo ecumênico. Quanto ao aspecto integral dos valores do catolicismo, ele não é negado, mas parece estar deslocado, reconhecendo que as demais religiões tem o direito de buscar a verdade. Isso concatena com a liberdade religiosa relacionada à dimensão utópica do catolicismo. Em síntese, o que é novo na relação entre o catolicismo e o evangelho é a forma de anunciá-lo", explica o Routhier.
Fio da meada
Apesar de recorrentes, os termos "diálogo" e "contemporaneidade" escondem sobre si um terreno complexo e difícil de ser abordado. A perspectiva teológica de enfrentamento das questões parecem cotidianas de nosso tempo, é uma, entre tantas, chaves de leitura para compreender o século XXI.
Mais do que oferecer respostas, o propósito do II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade pretende recolocar as questões prementes da Igreja e da sociedade. Um amplo debate foi realizado por John O'Malley, Gilles Routhier e Christoph Theobald, na Mesa-redonda – Itinerários do diálogo da Igreja com a contemporaneidade.
Foi neste contexto em que Sérgio Coutinho, professor no Instituto São Boaventura e Centro Universitário IESB, em Brasília, provocou os três conferencistas da tarde da terça-feira, 19-05-2015, no Auditório Central da Unisinos. "Mas afinal, como superar a mentalidade da cristandade, que me parece o problema para o diálogo com a sociedade?", questionou o professor. Por sua vez, Theobald reiterou que "não adianta ter um Papa novo se o povo de Deus não entrar nesta transformação. A escritura vai ser lida de modo doutrinal ou a partir de uma nova ordem litúrgica?", devolveu a provocação.
Caminhos
Routhier (à esquerda), O'Malley e Theobald
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Afinado com a proposta de Francisco de que a Igreja deve sair à rua, Routhier salientou que ela precisa se inserir no cotidiano por meio dos "filhos", no nivel do solo, nas ações mais comuns do dia a dia. "É como o sistema sanguineo, a rede capilar vai distribuir o sangue por todos os órgãos. O evangelho precisa ser difundido no mundo por meio das redes capilares que trabalham com a Igreja, trabalhando com os pobres, com os muçulmanos. É por aí que começa o diálogo inter-religioso não pelas comissões oficiais".
"Há uma nova era que está começando na Igreja com este Papa. Tenho muita clareza das resistências que se impõem. No entanto, o Concílio é um texto de compromisso e comprometimento com muitas questões que não foram resolvidas e que continuamos trazendo no mundo de hoje", destacou Theobald.
O primeiro passo para avançarmos nas questões da contemporaneidade talvez seja menos trazer a solução definitiva, o que estaria em descompasso com o nosso atual momento de transição, e mais ter noção das ecologias que emergem e de suas inúmeras relações que formam o emaranhado do pano de fundo onde o presente se desdobra, o século XXI.
Por Ricardo Machado | Fotos: João Vitor Santos
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As três ecologias: Francisco, a Igreja e a Contemporaneidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU