Por: Cesar Sanson | 19 Mai 2015
Uma comissão especial da Câmara dos Deputados deve votar, nesta terça-feira, o relatório da reforma política, que tem entre seus temas principais a mudança na forma como elegemos deputados federais e estaduais. O relatório final propõe o sistema majoritário, em vez do atual sistema proporcional. Se aprovado pela comissão, o relatório irá a votação em plenário.
Hoje, para serem eleitos, os candidatos dependem não apenas dos votos que recebem, mas também dos votos recebidos pelo partido ou coligação. No sistema proposto pela reforma, entrariam os deputados que recebessem o maior número de votos em determinado Estado - é o chamado "distritão".
A mudança, defendida pelo PMDB, tem sido criticada por muitos cientistas políticos, que afirmam que a proposta pode fragilizar ainda mais os partidos, aumentar a personalização das campanhas e provocar o desperdício de votos (só seriam "úteis" os votos nos candidatos eleitos. Atualmente, como os votos são dados aos partidos e aos candidatos, só se 'perdem' os votos em candidatos cujos partidos não elegeram ninguém).
A polêmica é tanta que até mesmo o relator da comissão especial da reforma política, deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), tornou-se crítico ao próprio relatório.
Ele diz que a maioria dos especialistas ouvidos pela comissão advertiu contra a adoção do "distritão" e foi mais favorável ao modelo distrital misto. Neste, metade da Casa é eleita pelo voto distrital - em que vence o candidato mais votado em cada região - e a outra metade é escolhida proporcionalmente pelo voto no partido.
Mas Castro afirma que os deputados acabaram simpatizando com o "distritão" por instinto de sobrevivência: tentar assegurar sua reeleição.
Eis a entrevista que o deputado concedeu à BBC Brasil. 18-05-2015, por telefone, na última sexta-feira:
O senhor pretende votar contra seu próprio relatório?
Veja, passamos praticamente três meses debatendo a reforma política, recebemos presidentes dos partidos, e praticamente todos os cientistas políticos mais renomados estiveram na nossa comissão. Minha ideia era formar uma massa crítica para que decidíssemos com segurança. Sempre fui partidário do sistema distrital misto de inspiração alemã. (...) A ONU recentemente fez uma pesquisa com cientistas políticos, perguntando qual o melhor sistema, e a ampla maioria respondeu que era o misto.
Na comissão, todos os cientistas ouvidos defenderam o distrital misto, menos um, que achou mais prudente manter o atual sistema proporcional mas com modificações. O único (defensor) do "distritão" foi (o vice-presidente) Michel Temer. Os demais disseram que ele vai piorar nossos defeitos, encarecer nossas campanhas.
Mas eu fiz um compromisso com a comissão (especial da reforma) de não ser relator de mim próprio – o que tiver apoio da maioria vai ao meu relatório. E (a maioria dos integrantes da comissão) preferiu o "distritão". Fui obrigado a relatar. Vou votar a favor porque tem inúmeros temas (abordados no relatório além do sistema de voto), mas no plenário vou votar contra o "distritão", e nos destaques também. Prefiro que fique como está, apesar de termos talvez o pior sistema de voto do mundo.
Hoje, um eleitor de São Paulo tem de escolher entre 3 mil candidatos (a deputado). É irracional. Não tem como fazer uma opção segura. Tem que acabar com isso. E a fragmentação partidária é muito grave. Precisamos de uma reforma que fortaleça os partidos, tornando-os mais fortes, coesos, com disciplina interna e conteúdo ideológico e programático, para o eleitor ter clareza pelo que é a favor e contra o que está votando. O "distritão" vai enfraquecer isso mais ainda.
Mas por que o restante da comissão não foi convencido pelos argumentos pelo distrital misto?
A lógica é: quem vai votar para mudar (o modelo político) é o parlamentar que foi eleito nesse sistema. A primeira pergunta que ele fará é: vou ser eleito? Se ele tiver dúvida que vai ser eleito (num sistema misto), ele não vai querer. A maior lei que regula os seres vivos na Terra é a lei da sobrevivência.
Mas então eles votarão em benefício próprio?
Não diria isso. Mas é o maior inibidor da reforma. Um deputado amigo me disse, "por mais que eu seja simpático ao distrital misto, não vou votar nele porque significaria o fim da minha carreira política. Não conseguiria ser candidato (no distrito) onde seria forte e não estaria no topo da lista do meu partido". Por isso, defendo que nós (Câmara) façamos esta última tentativa de reforma política. Se não conseguirmos, é porque ela não chegará nunca. Daí, melhor termos uma Constituinte exclusiva só para a reforma política, (composta por) pessoas que não sejam candidatas.
O senhor está sob pressão do seu partido (por adotar posição contrária)?
Sou "inimpressionável" (imune à pressão). Debato ideias, sou convencido e convenço. O presidente do meu partido, Michel Temer, tem a convicção de que o "distritão" é o melhor para o país. Eu tenho a convicção de que é pior do que o que temos hoje. É uma matéria de convicção.
Uma mudança para o "distritão" vai aprofundar nossos problemas?
Não tenho dúvidas. É o sistema mais simples que existe. Mas se ele é tão fácil, por que não é usado em quase lugar nenhum do mundo? Desconfio que é porque a maioria acha que ele não é bom. O custo das campanhas vai aumentar. Cada candidato vai lançar o menor número possível de candidatos, para não diluir sua força, (mas) será um "todos contra todos". Você vai precisar de 200 mil votos em São Paulo para se eleger (por se tratar de um sistema em que quem tem mais votos é eleito) – se aumenta o número de votos para se eleger, aumenta o custo de campanha; são mais cabos eleitorais, mais carros de som.
Aumentando a influência do poder econômico, aumentam também a promiscuidade e os escândalos de corrupção. E se hoje os partidos não valem quase nada, isso vai se acentuar. Vamos ter 50 partidos no futuro (pelo fato de o modelo favorecer a personalização em torno do candidato, em vez do partido), criando uma ingovernabilidade no país.
Estamos perdendo a chance de fazer uma reforma política benéfica?
Cometemos um erro histórico em 1945 ao adotar um sistema de voto proporcional em que as pessoas votam nos candidatos, em vez de nos partidos e em sua ideologia. Daí toda a bagunça que temos hoje. Agora temo que cometamos um segundo erro histórico. Em vez de dividir o país em distritos (para adotar um modelo distrital), estamos de novo fazendo uma cópia errada. Onde o distrital existe, os Estados são divididos. Mas (no "distritão") vamos votar em candidatos pelos Estados (e não por distritos), como se fosse voto proporcional.
O senhor soa pessimista.
E não é para estar? Se a comissão que estudou e ouviu especialistas votou a favor do distritão, imagina quem não estudou (o tema).
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Preferência de deputados pelo ‘distritão’ é 'lei da sobrevivência’, diz relator - Instituto Humanitas Unisinos - IHU