Por: André | 20 Abril 2015
Não são bons tempos para o McDonald’s, a companhia de comida rápida com maiores lucros do mundo graças aos seus 69 milhões de clientes. A multinacional possui quase 17% da indústria de restaurantes de serviço limitado nos Estados Unidos, quase tanto quanto as quatro cadeias de restaurantes seguintes nessa categoria (Subway, Starbucks, Burger King e Wendy), e seus lucros líquidos em 2015 foram de quatro bilhões e 758 milhões de dólares, quase 20% a menos que em 2013. Os últimos meses foram fatídicos para a companhia que, segundo estimam diversos relatórios, abre estabelecimentos a um ritmo três vezes menor que há uma década.
A reportagem é de Ekaitz Cancela e publicada por La Marea, 15-04-2015. A tradução é de André Langer.
A empresa que converteu os hambúrgueres de um euro em uma referência mundial começou o ano com uma queda de 15% em seus lucros e com o anúncio de que seu conselheiro delegado, Don Thompson, estava se retirando após três anos em que a cadeia andou sem rumo. Em 01 de março, foi substituído por Steve Easterbrook, ex-chefe de marca, e pouco depois a Direção da Competência da União Europeia iniciou uma investigação preliminar sobre as práticas fiscais do McDonald’s que, segundo denunciaram diversos sindicatos, evadiu mais de um bilhão de euros em ingressos fiscais durante cinco anos. As dúvidas sobre a qualidade de seus alimentos e as mobilizações mundiais por um salário digno anunciadas para o dia 15 de abril colocam a renda na reputação da companhia que converteu o Big Mac em um ícone da cultura americana.
Contratos a preço de Happy Meal
Para trabalhar em um dos restaurantes da companhia de comida rápida não é necessário ter uma titulação nem experiência, apenas mostrar o “espírito McDonald’s”, assinala na internet da companhia Aberto Unzurrunzaga, diretor de Recursos Humanos, que se negou a responder a este jornal. “Os nossos empregados são o nosso principal valor”, afirma.
O outro lado da moeda é oferecido pela Federação Europeia de Sindicatos do Serviço Público. “Trabalhos precários, com salários baixos e poucas perspectivas de emprego estável ou promoção são as características do McDonald’s”, assinala Pablo Sánchez, representante do sindicato europeu que reúne mais de oito milhões de trabalhadores. Boa parte dos empregados da companhia, afirma, depende dos “contratos de 0 hora”, de acordo com os quais a empresa pode avisá-lo meia hora antes para ir ao trabalho. “Às vezes chamam mais gente do que o necessário e os que chegam primeiro ao local de trabalho ficam”, sustenta em base a várias denúncias recebidas. “É um sistema criado há vários anos que implica a precariedade total”.
Na Espanha, as condições dos trabalhadores costumam variar amplamente entre os estabelecimentos da própria companhia, 90, e suas franqueadas, 334, onde as condições de trabalho costumam ser mais precárias. “Não querem fixar as pessoas”, explica um jovem de Bilbao sobre as maracutaias que seu empregador lhe propunha para continuar com um posto de trabalho. “Eu trabalhei como trabalhador eventual durante seis meses, e me renovaram por mais meio ano. Como não queriam me tornar indefinido, mudaram-me de estabelecimento para fazer-me um novo eventual. Caso não aceitar, te dizem para voltar quando tiver passado o tempo necessário para poder fazer outro contrato temporário”.
Mesmo com a significativa receita que seu estabelecimento fazia diariamente, explica que não compensa os empregados. “Você fazia o esforço de ficar toda a noite, mas não lhe pagavam mais por hora. Não olhavam por você”, relata. Um exemplo? “Quando fazia horas extras e depois não lhe davam os dias livres, por mais que os pedisse com antecedência”. A situação não é extrapolável para o resto dos estabelecimentos na Espanha, já que falamos de um sistema de franquias, mas coincide com as críticas que os trabalhadores da Comunidade de Madri fizeram, no ano passado, na Puerta del Sol. Na ocasião, denunciaram condições de trabalho de “semi-escravidão”.
Em 2013, o McDonald’s, em colaboração com o VISA, publicou um sítio para ajudar os seus trabalhadores a organizarem suas finanças pessoais. Um dos documentos, que Alberto Sicilia publicou no seu blog, propunha jornadas de 74 horas semanais para ganhar 2.060 dólares ao mês (o aluguel médio nos Estados Unidos custa 1.048 dólares, ou 3.000 dólares em Nova York). O artigo evidencia que um trabalhador norte-americano levaria 480 anos para ganhar o mesmo que seu diretor-executivo em um ano.
A estratégia da marca popular de comida rápida passa por apresentar-se como um importante gerador de empregos, em particular para os jovens e outros setores mais afetados pelo desemprego. No entanto, “enquanto recebe massivas subvenções dos governos para financiar sua força de trabalho, priva-os depois de uma boa quantidade de ingressos derivados dos impostos que deixa de pagar”, afirma Pablo Sánchez. De acordo com uma investigação publicada recentemente, as estratagemas fiscais do McDonald’s custaram aos governos da União Europeia em torno de um bilhão de euros em ingressos fiscais entre 2009 e 2013.
De acordo com o relatório Unhappy Meal, elaborado por organizações sindicais europeias e americanas, a cadeia realizou diversas manobras desde o final de 2008 para tributar menos. Naquele ano, reestruturou seu negócio ao transferir seus direitos europeus de propriedade intelectual e seus direitos de franquia ao McD Europe Franschizing Sàrl, uma sociedade luxemburguesa criada em 1985 com ramificações na Suíça. Um movimento que, segundo acusa o documento, teve lugar imediatamente depois de uma mudança de política fiscal em Luxemburgo que permitia às companhias beneficiar-se de significativas reduções de sua taxa de impostos pelos lucros ligados à propriedade intelectual.
Um ano mais tarde, a companhia transferiu sua sede central de Londres para Genebra, o que converteu a filial luxemburguesa em uma das maiores subsidiárias europeias da multinacional. Outro aspecto contido no documento é que, durante o período 2009-2013, esta filial recebeu mais de 3,7 bilhões de euros em royalties, e denuncia que pagou apenas 16 milhões em impostos.
“Por um lado, o McDonald’s paga o mínimo possível, e por outro, beneficia-se das isenções fiscais”, assinala novamente o representante sindical em relação à multimilionária economia fiscal de um bilhão de euros. O relatório anteriormente citado calcula que na Europa, 73% dos restaurantes operam através de franquias que desconta um tributo de aproximadamente 5% de suas vendas, mas este royalty, “provavelmente não tributa no país em que é gerado”, menciona o representante da Federação Europeia de Sindicatos do Serviço Público em conversa com La Marea. Além disso, segundo o artigo, os royalties da filial luxemburguesa do McDonald’s subiram em 2013 para 833,8 milhões, mas a fatura fiscal da filial por esta figura foi de 3,3 milhões de euros, apenas 0,4%.
Em fevereiro, os sindicatos instaram a Comissão Europeia e os Estados membros para investigar a possível ilegalidade do esquema fiscal do McDonald’s na Europa, a incentivar a transparência e garantir o cumprimento das obrigações fiscais de todas as multinacionais. O pedido, ao qual também se somou a Transparência Internacional, conseguiu que em 02 de abril passado, a União Europeia iniciasse uma investigação preliminar sobre as práticas fiscais da companhia. “Em um momento de austeridade contínua, os governos, os parlamentos e a comissão devem ter a vontade política para obrigar os ricos e as multinacionais a pagar sua parte justa de impostos”, disse a este respeito a associação transatlântica de sindicatos.
O eco mundial dos trabalhadores
Calcula-se que dois terços das pessoas que recebem salários mínimos no McDonald’s são mulheres, muitas delas mães solteiras. “Estamos lutando por 15 dólares a hora. E não vamos parar até que o consigamos”, aponta uma delas em um correio eletrônico enviado ao La Marea no mesmo dia em que a companhia anunciava o aumento dos salários para 10 dólares. Mas há uma armadilha, assinala o movimento pelo aumento do salário mínimo do McDonald’s: o aumento proposto afeta menos de 10% dos trabalhadores. “E o que é pior: aproximadamente 1,6 milhão de empregados não terão nenhum benefício deste truque de lavagem de imagem da empresa que obtém lucros anuais de milhares de milhões de dólares”.
O McDonald’s lançou seu comunicado justamente um dia depois que este movimento divulgou seus planos para a maior greve de comida rápida da história dos Estados Unidos, o “15/4”. Embora se preveja a adesão de mais de 60.000 pessoas em 200 cidades dos Estados Unidos e as ações de apoio em outros 35 países, a organização de trabalhadores confessa que espera “um amplo movimento nacional de todos os trabalhadores de baixa renda que fomente o espírito de trabalho”. “Quer sejam trabalhadores do Burger King ou do Walmart, a questão de fundo dos protestos é que mesmo trabalhando para uma empresa com grandes lucros, o salário não dá para chegar ao final do mês”, acrescentam.
Críticas aos alimentos, marketing de bandeira
O renomado novo CEO do McDonald’s incluiu entre os planos para uma mudança de rumo da marca a melhoria dos programas de alimentação e de marketing. A companhia procura fazer frente a algumas das críticas derivadas do fechamento, na Rússia, de nove restaurantes “por medida de saúde”, ou às queixas das organizações de consumidores, porque sua última medida, deixar de comprar frangos tratados com antibióticos, só se aplicará aos 14.000 restaurantes que operam nos Estados Unidos. A cadeia dos arcos amarelos tem 36.000 estabelecimentos em todo o mundo.
“O problema do McDonald’s não é apenas a transparência de seus alimentos, mas os salários pagos que não dão para chegar ao final do mês”, assinala o movimento que nesta quarta-feira, 15 de abril, foi às ruas em todo o mundo para reivindicar um salário mínimo “justo”.
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Precariedade do trabalho, evasão fiscal e comida lixo: o cardápio do McDonald’s - Instituto Humanitas Unisinos - IHU