15 Abril 2015
A chegada de um papa latino-americano resolveu aquilo que as astúcias tornavam impraticável: e mostrou que, para beatificar Romero, não era preciso lhe encontrar uma láurea póstuma em teologia conservadora, mas a capacidade de escuta do sensus fidei do povo e da voz clara dos fatos.
A opinião é de Alberto Melloni, historiador da Igreja, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha. O artigo foi publicado no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 12-04-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há um ponto específico na Praça de São Pedro que é impossível de encontrar. É o ponto onde caíram as lágrimas de Óscar Arnulfo Romero, bispo salvadorenho, que saía abalado da audiência do dia 11 de maio de 1979, na qual ele tinha inutilmente tentado explicar a João Paulo II o que estava acontecendo com o seu povo e que tinha acontecido com ele, em um percurso dramático de conversão, selada pelo funeral dos seus pobres e dos seus padres, mortos por cristãos que defendiam uma ideologia de cristandade.
Eram os anos de Puebla e da teologia da libertação, como ela seria chamada, com um perigoso singular. Um singular agradável que caía bem a qualquer um dos seus protagonistas que imaginava que ela devia se tornar uma nova escolástica regional e não uma forma de vida cristã, da qual hoje, na pessoa do Papa Francisco, goza a Igreja inteira.
Mas caía bem para aqueles que, de Roma, não via nada mais do que um espaço aberto para a análise marxista e para a ideologia revolucionária, a ser reprimida impiedosamente. Não houve uma condenação propriamente dita dessa teologia (até o cardeal prefeito Müller reconhece isso, que, em um cômico impulso de paternalismo subversivo que apareceu no jornal La Croix, garante que saberá "estruturar teologicamente" um papa latino-americano...).
Mas houve algo pior. O estendimento de um véu de suspeita e a produção de rótulos detratores – Francisco lembra muitas vezes o de "comunista" pendurado à sua veste – com os quais se isolavam os inimigos e se expunha-os a um fim violento.
Alguns se salvaram, como Gustavo Gutiérrez, que se tornou, quando velho, dominicano da província da França antes de ser liquidada. Alguns foram poupados por acaso, como Jon Sobrino, autor de uma biografia de Romero cheia de pathos teológico, agora nas livrarias pela editora Emi, único sobrevivente dos jesuítas da universidade católica de San Salvador, trucidados em novembro de 1989.
Alguns morreram, como Romero: fuzilado no altar no dia 24 de março de 1980, durante o ofertório, por um pistoleiro armado das grandes famílias proprietárias de terra, que, com o terror, conservavam os próprios privilégios, a tranquilidade do Departamento de Estado de Reagan.
O martírio de Romero foi perpetrado por cristãos a caça de intrusos. Uma execução evidente que não deixava dúvidas e que deixava no chão um mártir preparado para o martírio justamente pela radical incompreensão da Igreja. A mesma que o impediria de reconhecê-lo como mártir.
Além disso, ainda em 1983, em El Salvador, diante do culto do povo, Wojtyla gritou de improviso no microfone um "Romero é nosso": ele reivindicava o direito exclusivo de Roma na interpretação da vida e da morte de Romero.
Assim, no fim dos anos 1990, quando a historiografia entrou na causa romana – com um livro de Roberto Morozzo della Rocca em apoio ao trabalho do postulador Vincenzo Paglia – houve quem tenha se esforçado para "defender" Romero da memória do povo, mostrando-o como um perfeito padre e bispo "romano", irritado com a politização das comunidades de base: quase concedendo aos negadores de um martírio de insólita e vistosa clareza o direito de recriminar. Direitos que eles usaram várias vezes: para repreender quem ousasse chamar Romero de "testemunha" nos exercícios espirituais pregados ao papa; para retirar o nome de Romero da lista dos mártires lida no Coliseu no ano do Jubileu (nome reinserido em uma oração do papa por Andrea Riccardi); para frear uma causa que não avançou nem mesmo depois que, em 2002, um João Paulo II já idoso reconheceu perante o sucessor de Romero, Dom Fernando Sáenz Lacalle, que "Romero era um mártir".
A chegada de um papa latino-americano resolveu aquilo que as astúcias tornavam impraticável: e mostrou que, para beatificar Romero, não era preciso lhe encontrar uma láurea póstuma em teologia conservadora, mas a capacidade de escuta do sensus fidei do povo e da voz clara dos fatos.
Assim, a beatificação irá ocorrer no dia 23 de maio em San Salvador: o que permite, ou talvez impõe, que se releia Romero. A partir das cartas escritas entre 1977 e 1980, prefaciadas por Vincenzo Paglia, que Jesús Delgado publicou com o título La Chiesa non può stare zitta [A Igreja não pode ficar calada] (Ed. Emi): uma fórmula que lembra os dilemas do papado em idade fascista, mas que, para Romero, tem um significado bem diferente; de fato, é um falar não na linguagem da política – aquilo que Wojtyla aconselhava em 1979 –, mas falar a linguagem do Evangelho dos pobres, recolhida como um poder obediente da vida dos mortos e da dor dos sobreviventes.
O tempo da pacificação do continente e o fim das ditaduras tornam hoje menos evidentes as referências histórico-factuais da pregação de um bispo que, para ser catequista de um povo martirizado, foi ao encontro do martírio. Mas essa lição sobre o martírio como "caso sério" da vida cristã ainda fala na e para a communio sanctorum.
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Os gritos, a fé e as lágrimas do mártir Romero. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU