18 Março 2015
No mundo muçulmano há aqueles que matam por um par de desenhos caricaturais e não se dão conta que são eles mesmos que fazem a caricatura do islã. Os muçulmanos são as primeiras vítimas do fundamentalismo islâmico, sustenta Jelloun.
A reportagem é de Vanna Vannucini, publicada pelo jornal Repubblica, 14-03-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
“Aqueles que sustentam que terror e islã são a mesma coisa traem tudo aquilo que de bom o Ocidente conquistou”. Consideram-se defensores dos valores ocidentais, mas na realidade os negam, escreve Tahar Ben Jelloun no seu novo livro É isto o islã que dá medo (Bompiani, tradução de Anna Maria Lorusso, 218 pp. 12 euros).
Na França iniciou uma caça ao islã, afirma o escritor marroquino: “Se estigmatizam continuamente os muçulmanos, em busca de um bode expiatório para explicar a crise moral, afastar o medo do amanhã, ou simplesmente para ganhar eleitores”. E, todavia, reconhece o escritor, tornou-se muito difícil para um muçulmano repetir hoje a frase tantas vezes pronunciada: “A religião muçulmana não é esta”. Sobretudo para um intelectual laico como ele, transplantado à França para não precisar defender-se no seu país das acusações de laicismo ou até mesmo de ateísmo. “Não é possível contentar-se em dizer: não é isto o islã. Perguntamo-nos de onde vem o islã que dá medo, que mata, que semeia terror. Como tem sido possível derramar tanto ódio e tanta bestialidade na cabeça de pessoas que degolam, cortam cabeças e conseguem acreditar que isto seja o islã”. Quando em nome da religião os jihadistas matam cristãos, massacram civis, matam pessoas inermes da Nigéria à Síria, da França à Dinamarca, dizer que a violência não tem nada a ver com o islã não basta.
“Não se pode considerar inocente a religião de Maomé enquanto a décadas está em curso um álacre trabalho de preparação da parte dos islamitas: nas periferias, nas mesquitas, nos cárceres. Um trabalho eficaz que consistiu em propor aos jovens uma identidade forte, uma moral e uma cultura”. O que a França não conseguiu dar a milhares de filhos de imigrantes.
O novo livro de Ben Jelloun gira em torno da solidão do intelectual muçulmano obrigado a escolher entre liberdade de consciência e pertencimento à Umma (“se nasce muçulmano, se morre muçulmano, deixar o islã é uma ruptura que custa caro”), entre os rigores proclamados de uma sharia anacrônica e as hipocrisias do Ocidente. Quantos minutos de silêncio têm sido feitos para os dois mil mortos (entre os quais algumas centenas de crianças) destroçados pelas bombas em Gaza há poucos meses? Dois pesos, duas medidas: “Os jovens muçulmanos sentem a injustiça de ver que as vítimas palestinas não são tratadas com a mesma compaixão que se reserva aos soldados israelenses”.
No mundo muçulmano há aqueles que matam por um par de desenhos caricaturais e não se dão conta que são eles mesmos que fazem a caricatura do islã. Os muçulmanos são as primeiras vítimas do fundamentalismo islâmico, sustenta Jelloun. “Também se os assassinos gritam Allah u akbar, agem contra os muçulmanos. Sua guerra é uma guerra à democracia. Querem impedir aos muçulmanos viverem a própria religião em terra laica”.
Os muçulmanos franceses o entenderam, mas não se movimentam o suficiente para denunciar com firmeza estes assassinos. Olham do outro lado quando os filhos voltam para casa içando o Corão e pretendendo que só seja preciso segui-lo à letra para terem razão, não os freiam quando agridem os não muçulmanos e os hebreus, não lhes dizem que jihad é uma luta interior, a luta do crente consigo mesmo, e não contra os não crentes. O Corão contém incitamentos à violência, é verdade, não seriam calados e sim relacionados ao seu contexto histórico. Mas, em geral prega uma conduta moral não diversa daquela das outras religiões: não matar, não roubar, não mentir, não praticar o mal.
“Se alçarem a mão contra mim para matar-me, eu não a alçarei contra ti”. Não é o Sermão da Montanha, é a Sura V, versículo 28. É o momento de requerer reformas no mundo muçulmano, escreve Bem Jelloun, como o fizeram 67 intelectuais muçulmanos num apelo de 11 de janeiro: reformas que permitam a exegese dos textos e assegurem liberdade de consciência. Mas, também o Ocidente precisa mudar.
Temos sustentado ditaduras brutais, olhado sem pestanejar como aos palestinos de assentamento em assentamento tenham sido retirados a terra e o futuro, levado violência e caos ao Iraque em nome dos valores ocidentais, tenhamos falhado miseramente na Síria, onde deixamos que os nossos aliados por pérfidos cálculos financiassem os jihadistas que hoje tememos. Do 11 de setembro a resposta ao terror sempre tem sido a guerra, a tortura, mais ódio e mais violência. Talvez devêssemos ter aprendido que a resposta deveria ser diversa e que estas diferenças, estes conflitos, estas contradições não se podem mais resolver com a força.
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O duplo desafio do intelectual muçulmano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU