13 Março 2015
Em direção à Expo 2015, em Milão. Intitula-se Comida que nutre. Para uma vida sã e santa a carta que o ministro geral dos Frades Menores Conventuais endereçou a aproximadamente quatro mil franciscanos em vista da agora próxima Expo de Milão, encontro que pretende enfocar a questão referente ao alimento para todos em relação à sensibilidade do planeta. O documento, redigido em quatro idiomas – italiano, inglês, espanhol e polaco – será publicado integralmente na revista “Vita Consacrata”.
O jornal L’ Osservatore Romano, 11-03-2015, publica trechos da carta. A tradução é de Benno Dischinger.
A gente considera os franciscanos como pessoas frugais, também à mesa e, sobretudo irmãos universais atentos às necessidades de todos, em particular dos pobres. Estamos nós na altura desta fama? Podemos, de qualquer forma, repensar de modo criativo os nossos estilos de vida, de alimentação, os critérios com que usamos os bens da terra? A idealidade que nos impele a querer mudar o mundo começa por gestos simples e cotidianos, compartilhados e fraternos, assumidos como sinais da bênção que Deus concede a nós e através de nós ao mundo inteiro.
Esta minha carta quer ser a primeira de uma série dedicada à solidariedade e aos estilos de vida. Não só para testemunhar ao mundo que a seqüela profética transforma a existência abrindo-a ao dom de si, mas também para que entre nós, em todos os níveis – frade, convento, província, circunscrição, ordem – haja a devida atenção às necessidades dos mais “pequenos”, indivíduos e coletividade.
Mas, na história da humanidade, jamais se produziu tanta comida como nos nossos dias e jamais, como hoje, os problemas em relação à comida tem sido tão críticos: enquanto mais de 800 milhões de pessoas ainda padecem de fome, em torno de 1,5 bilhões de pessoas tem sobrepeso e destes mais de 500 milhões sofrem de obesidade. A fome e a obesidade globais – às quais absolutamente não se pretende atribuir iguais dramaticidades – são, no entanto, sintomas de um único problema, de uma relação negada e negativa com o alimento, de privação ou de supervaloração do mesmo. Refletir sobre a complexidade destes entrelaçamentos impede colocar a nós mesmos do lado da solução do problema, que estaria em outro lugar, distante ou limitado a alguns Países ou situações marginais.
A ocasião para uma reflexão deste gênero é oferecida por um evento internacional, qual seja a Expo de Milão 2015, de título sugestivo: Nutrir o Planeta, Energia para a Vida. O evento, que se desenvolverá de 1° de maio a 31 de outubro de 2015, pretende enfocar as importantes questões do alimento e da nutrição para todos, em relação com a sustentabilidade do planeta. Na dupla perspectiva da Food security, vale dizer, do acesso de todos ao alimento e à água necessários para a própria necessidade, de modo a afastar e sanar definitivamente a chaga da fome no mundo.
Nutrir-se e nutrir são dois gestos que realizam a estrutura da vida e em sua repetição garantem a sua subsistência. Embora as estruturas nos tenham subtraído deste sentido profundo, o alimento é o que nos arranca da morte, revelando-nos a limitação da existência humana, o fato de sermos criaturas necessitadas e dependentes.
O alimento, depois, não nutre somente o corpo, mas consolida e custodia as relações, as enriquece e qualifica. Também para isto o pão jamais é apenas pão, mas requer a boa ou enferma relação com nós entretemos com o mundo, as coisas, os outros próximos e distantes, com nosso corpo e do outro.
Nutrir-se e nutrir exprime uma separação das épocas, segundo a densidade do significado e de importância que estas têm em relação à vida pessoal e comunitária. Há as refeições cotidianas, as festivas e as épocas de jejum que consistem numa privação temporária do alimento ou numa diminuição no modo de assumir o mesmo.
Se o alimento é festa, em abundância e quase em excesso, é uma intensificação da oferta de alimentos e de bebidas que tem como objetivo o “fazer festa”, o jejum direciona à verdadeira nutrição, aquela fraterna e espiritual, enquanto normalmente a comida é realidade cotidiana cuja realidade está em percebê-la, - muito ou pouco que seja, - como dom.
Em todas as nossas comunidades, antes de sentar-se à mesa, o guardião entoa uma prece à qual todos se unem. Trata-se, em geral, de uma prece breve, também porque o momento da mesa comum é, em muitos lugares, precedido pela récita do meio-dia ou das vésperas. Não é, todavia, supervalorizada a importância desta oração antes das refeições, que tem a função de por em ato, acima de tudo, um saudar – embora momentâneo – distância do alimento já presente e ainda não compartilhado.
Através do distanciamento da bênção é simbolicamente superada toda atividade, toda gula, toda agressividade: isso, de fato, conecta a Deus e aos irmãos a realidade do alimento, lendo sua proveniência (de Deus, precisamente) e seu destino (para todos os presentes, mas não só) junto à bondade: “De fato, toda criação de Deus é boa é nada é refutado quando é tomado com ânimo grato, já que isso é tornado santo pela palavra de Deus e da prece” (1 Timóteo, 4,4-5). O alimento é assim identificado na sua qualidade profunda de dom totalmente positivo recebido e a re-doar, do qual a gente não pode apropriar-se em detrimento dos outros.
Orientando-nos além da ingratidão, aquela superficialidade que nos faz considerar quanto recebemos como devido; além da auto-suficiência, que nos ilude de nos bastarmos a nós mesmos; mas também além da indiferença que neutraliza o outro já que julga sua presença demasiado pesada e, ao limite, competitiva.
“Ele dá a comida a todo vivente, porque o seu amor é para sempre”. Assim Salmo 136, 25 descreve o cuidado de Deus com toda criatura, não só a humana. Todo vivente tem direito de receber a sua parte de comida, e o próprio Deus está empenhado para que a nenhum falte o necessário. Não por nada o milagre mais contado nos Evangelhos – por bem seis vezes – é aquele da multiplicação dos pães, segundo o qual Jesus oferece comida ao povo faminto. Hoje o pão para todos, a comida necessária ao sustento garantido para cada ser humano, ainda não é realidade.
No nosso mundo a tragédia da fome é infelizmente de casa, para a qual “um dos desafios mais sérios da humanidade é a trágica condição na qual ainda vivem milhões de famintos e mal nutridos” (Papa Francisco, mensagem para a jornada mundial da alimentação, 16 de outubro de 2013). Permanece sendo de atualidade a parábola do rico epulão (cf. Lucas, 16, 19-31) que “vestia roupas de púrpura e de linho finíssimo, e cada dia se entregava a lautos banquetes”.
A inclusão social, a qualidade das relações, o reconhecimento da par dignidade e dos mesmos direitos é o fim último da solidariedade e do compartilhamento dos bens. Se não se resolverem os problemas dos pobres – sustenta o Papa Francisco – não se poderão resolver os problemas do mundo, antes, mais ainda, nenhum problema global poderá ser realmente resolvido (cf. Evangelii gaudium, n. 202). Como? Com uma “Igreja pobre para os pobres”, é a resposta dos cristãos junto com o Papa Francisco: e, se o segundo aspecto – para os pobres – foi sempre praticado com grande generosidade, o primeiro – Igreja pobre – foi até hoje pouco considerado, tanto teologicamente como pastoralmente.
Para os franciscanos vale a mesma perspectiva, no sentido que seja superada a leitura da pobreza entendida somente como virtude pessoal, para recuperar o fundamental gancho cristológico e sua explicitação eclesial (cf. Lumen Gentium, n. 8), assim como a sua carga de humanização pessoal, em vista da solidariedade com cada irmão.
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Comida e espiritualidade franciscana. Na mesa se muda o mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU