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04 Março 2015

"Streeck deixa no ar a mesma e melancólica conclusão de todos os que preveem (ou desejam?) o "fim do capitalismo". O "caos" será superado por um misterioso caminho "não político": um ente metafísico estabelecerá a "ordem", que proporcionará a todos a "liberdade", a "igualdade" e a "eficiência" produtiva...", comenta Antonio Delfim Netto, professor emérito da FEA-USP e ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento, em artigo publicado pelo jornal Valor, 03-03-2015.

Eis o artigo.

O ilustre professor Wolfgang Streeck, atualmente no Instituto Max Plank, foi entrevistado (por e-mail) pela competente jornalista Vanessa Jurgenfeld, do Valor. O resultado foi publicado numa brilhante página deste jornal no dia 26 de dezembro.

Streeck é um sociólogo, historiador e economista (melhor apetrechado, na mesma ordem, nas três disciplinas) que sofreu grande influência do pensamento de Karl Polanyi. Trata-se do gigante historiador-economista húngaro, que publicou, em 1944, o hoje clássico "A Grande Transformação" - ele e Simmel - "A Filosofia da Moeda" - foram a sensação dos seminários do professor Heraldo Barbuy na FEA-USP, em 1949).

Nele se descreve a expansão da economia de livre mercado (no período 1830-1930), que ao mesmo tempo em que tornava a produção mais eficiente, gestava a "mercadização" da terra, do trabalho e da moeda, criando tensões sociais que acabaram impondo a volta do Estado, em 1930, para resolver a crise produzida pelo "laissez-faire".

Fundamental é sua correta insistência "que toda economia é embebida nas relações sociais". "A Grande Transformação" é obra datada, mas sua articulação sobre as consequências da irrestrita mercadização da "terra, do trabalho e da moeda" mostra os inconvenientes desse processo, os limites dos mercados completamente desregulados e explica por que eles são momentos de exceção na história do homem.

Para o professor Streeck, "o capitalismo democrático do pós-guerra está claramente desaparecendo desde o fim dos anos 70" e "há a questão da sua futura viabilidade enquanto modo de produção e enquanto sociedade. Se por uma sociedade capitalista queremos dizer a capacidade de extrair bens e benefícios coletivos 'da ordem do egoísmo' - o mercado -, podemos já estar vendo o seu falecimento".

Na entrevista, ele afirma:

1) "o capitalismo como tal sempre foi uma ordem social fundamentalmente instável. E, também, sempre foi contestado" (o que é verdade);

2) "Extrair bens coletivos da busca privada por interesses materiais particularistas exigia instituições políticas complexas que o capitalismo foi e é incapaz de criar" (a história mostra que é meia verdade, veja o item 4 abaixo);

3) "O capitalismo precisa de adversários fortes o suficiente para civilizá-lo" (o que é verdade. O grande adversário foi criado pela organização política do "trabalho" que recusou sua completa "mercadização" e inventou o sufrágio universal, o mais poderoso instrumento civilizador dos mercados);

4) "Hoje em dia, nossas sociedades podem ter perdido a capacidade de conter e controlar os mercados e, assim, tornar o capitalismo socialmente aceitável" (há uma contradição, pois no item 2 se afirma que elas nunca tiveram); e, finalmente, 5) "Parece que os agentes políticos atualmente estão ficando sem solução em vários fronts" (mas, se não for a política, quem nos salvará?).

Mais desconcertantes são as conclusões finais do professor Streeck, que aumentam a probabilidade de não existir qualquer solução. Já que o capitalismo sobreviveu até aqui, diante de todas as suas "contradições", a arguta e provocadora entrevistadora lhe perguntou: "Nem mesmo há movimentos revolucionários capazes de fazer frente ao capitalismo"?

Ao que ele respondeu: "No que se refere às revoluções, elas são difíceis de serem organizadas mundialmente. Vejo muito descontentamento social que, entretanto é improvável que seja capaz de consertar (sic) ou derrubar (sic) o capitalismo. E não se esqueça de que consertos pró-capitalistas nem sempre são agradáveis. Tivemos uma série deles na primeira metade do século XX e, como no Chile, na segunda metade". "Eles incluíram guerras, regimes ditatoriais e muita destruição e devastação (e os do pró-socialismo o que produziram, pergunto eu?)."

Termina enigmático: "Vamos ver que medidas virão a seguir, quando o dinheiro dos bancos centrais enfim tiver se tornado demasiado tóxico"...

Streeck deixa no ar (ainda que rejeite explicitamente) a mesma e melancólica conclusão de todos os que preveem (ou desejam?) o "fim do capitalismo". O "caos" será superado por um misterioso caminho "não político": um ente metafísico estabelecerá a "ordem", que proporcionará a todos a "liberdade", a "igualdade" e a "eficiência" produtiva...

O problema é que a evidência histórica mostra que esses três objetivos não são inteiramente conciliáveis e que só podem ser perseguidos por movimentos políticos de "catraca": a melhora de um (liberdade, igualdade, eficiência) não pode ser feita à custa da piora dos outros, mas pelo aperfeiçoamento institucional que os combine num nível superior.

Esse é o papel do jogo entre a urna (cujo funcionamento depende das instituições que regulam o voto, do nível da educação da sociedade e do reconhecimento dos limites dos recursos físicos) e o mercado (cujo bom funcionamento exige um Estado regulador constitucionalmente limitado).

É assim que nos aproximaremos da sociedade civilizada, sem "curto-circuitos" que sempre a atrasaram e terminaram mal, porque têm o endereço errado: exterminar esse camaleão adaptativo cheio de problemas, que chamamos de "capitalismo"...