20 Fevereiro 2015
O livro “The Vision of Catholic Social Thought: The Virtue of Solidarity and the Praxis of Human Rights” [A visão do pensamento social católico: A virtude da solidariedade e a práxis dos direitos humanos], de Meghan J. Clark, publicado por Fortress Press, foi analisado por Michael Sean Winters, autor de “Left at the Altar: How the Democrats Lost the Catholics and How the Catholics Can Save the Democrats”. [Abandonados no altar: Como os democratas perderam os católicos e como os católicos podem salvar os democratas], em resenha publicada pelo National Catholic Reporter, 18-02-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis a resenha.
O novo livro de Meghan Clark, “The Vision of Catholic Social Thought: The Virtue of Solidarity and the Praxis of Human Rights” [A visão do pensamento social católico: A virtude da solidariedade e a práxis dos direitos humanos], realiza muitas coisas. Clark não só resume alguns dos aspectos e desenvolvimentos mais importantes no ensinamento social da Igreja recente, ela também desbrava um novo território e, o que é mais importante, elucida os seus fundamentos.
O cânone dos direitos humanos, começando com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, entrou no discurso da Igreja Católica com a encíclica “Pacem in Terris” do Papa João XXIII, promulgada em 1963. Mas, dado o quadro intelectual diferente do raciocínio moral tradicional católico a partir da filosofia política liberal dominante da qual o cânone surgiu, a abordagem católica aos direitos continha ênfases alternativas desde o começo. Clark observa: “Como é característico da ética católica, [os direitos enumerados por João XXIII] estão contextualizados dentro da comunidade e ligados a deveres associados”.
Em 1967, o Papa Paulo VI desenvolveu ainda mais o cânone católico dos direitos humanos [na encíclica] “Populorum Progressio”, acrescentando o “direito ao desenvolvimento”. Clark nota, com razão: “A listagem de um direito ao desenvolvimento como um direito humano é um importante acréscimo na tradição católica dos direitos humanos e claramente aponta para a aplicação prática de um foco na comunidade”.
Para os católicos, os direitos humanos continuam sendo abstratos, individualizados e exclusivamente ocidentais. Eles estão contextualizados pelas circunstâncias vividas pelas pessoas, seja no plano individual ou comunitário. Por exemplo, a liberdade de imprensa é uma grande coisa, mas não exatamente uma prioridade em países onde os pais não podem alimentar seus filhos. Passariam 20 anos até que o cânone secular dos direitos humanos incluísse os direitos socioeconômicos como o direito ao desenvolvimento.
Mais adiante no livro, Clark traz a tradição católica dos direitos humanos num diálogo com o economista e filósofo ganhador do Prêmio Nobel Amartya Sen para iluminar as semelhanças e diferenças entre as suas perspectivas. Há um acordo mútuo em grande parte, mas as bases, os fundamentos diferem.
“O pensamento social católico localiza o fundamento para os direitos humanos na visão da pessoa humana e da comunidade”, escreve Clark. “Em contraste, Amartya Sen introduz uma teoria secular dos direitos humanos que lida tanto com as distinções éticas através do uso de uma filosofia kantiana quanto com a economia de Adam Smith”.
Como era de se esperar, no pensamento de Sen, “a comunidade é relegada a um papel instrumental”. Para os católicos, os direitos individuais estão sempre embutidos nas relações societárias e aí elas se encontram com a obrigação moral da solidariedade.
Clark observa que, em comparação com o claro desenvolvimento das ideias católicas sobre os direitos humanos, a solidariedade tem uma história mais imprecisa. A autora escreve que, na [Constituição Pastoral] “Gaudium et Spes” do Concílio Vaticano II, a solidariedade é estabelecida como um conceito muito mais rico do que o Estado, embora este não esteja excluído de sua expressão. Depois do Concílio, Paulo VI tomou para si este tema.
“Ao mostrar a influência profunda de pensadores católicos como Jacques Maritain, Paulo VI é claro ao dizer que o desenvolvimento e a solidariedade são sempre tanto pessoal quanto comunal; um não pode existir sem o outro no bem comum”, escreve Clark.
Com o Papa João Paulo II, o personalismo se torna um construto filosófico central em suas três principais encíclicas sociais. Para ele, a pessoa é sempre um ser social. Por fim, com o Papa Bento XVI, o princípio teológico de “caritas” se torna a chave hermenêutica para se compreender e expressar a solidariedade.
Com o passar do tempo, a solidariedade foi caracterizada diferentemente no ensinamento da Igreja como um “sentimento, uma atitude, um dever e, finalmente, uma virtude”. O foco da autora sobre a solidariedade como uma virtude, especialmente quando apresenta um contraste dela com os vários vícios opostos – como o “excessivo individualismo” –, é de vital importância. Numa época em que o libertarianismo tinha presença tanto na esquerda quanto na direita políticas, a compreensão da Igreja sobre a virtude da solidariedade se faz necessária.
Clark também explica como a visão do ensinamento social católicos requer um compromisso com os direitos humanos que necessita da virtude da solidariedade. Diferentemente da compreensão estreita de Amartya Sen, compreensão individualizada dos direitos humanos, os católicos acreditam que a existência de direitos cria uma obrigação não somente com respeito a estes direitos nos outros, mas também com respeito ao trabalho pelas condições sociais que permitem que tais direitos sejam exercidos significativamente.
A contribuição mais importante deste livro, no entanto, é a análise que a autora faz da antropologia filosófica e teológica que sustenta o ensinamento social católico. Em face aos críticos conservadores, que questionam o valor ou a natureza vinculativa dos ensinamentos da Igreja sobre a justiça social, Clark demonstra que estes ensinamentos se baseiam exatamente nos mesmos princípios que embasam os ensinamentos da Igreja sobre a sexualidade humana e a dignidade da vida humana.
A pessoa humana é criada à imagem de Deus, mas, para o cristão, este Deus é trinitário. Assim, a “imago dei” é uma “imago trinitas”. A excelência moral humana, concebida como privada, como realização individualizada, não é suficiente. A Igreja ensina, e o católico é chamado, a imaginar e trabalhar por uma sociedade em que os laços de solidariedade assumam como padrão o amor infinito, inefável e oblativo, que é a Trindade Santa.
O Credo Niceno que recitamos todos os domingos não menciona nenhuma pretensão ética em particular. Ele não proíbe o aborto nem defende o salário mínimo. Mas, na interpretação de Clark, todos os ensinamentos da Igreja originam-se numa compreensão da pessoa humana que é, por sua vez, originada no Deus trino que confessamos no Credo. Esta relação nunca havia sido tão concisa e habilmente demonstrada como conseguiu fazer Meghan J. Clark.
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Na Trindade, autora encontra as origens da tradição católica dos direitos humanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU