21 Janeiro 2015
Estamos todos prontos para sair às ruas para defender a tolerância, mas como reagimos, depois, quando alguém nos ofende de verdade? A tolerância que se invoca, infelizmente, é quase sempre a tolerância alheia, aquela que os outros deveriam ter em relação a nós, mais do que aquela que deveríamos ter em relação a eles.
A opinião é da filósofa italiana Michela Marzano, professora da Universidade de Paris V – René Descartes. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 19-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"A tolerância é uma consequência necessária da nossa condição humana. Somos todos filhos da fragilidade: falíveis e propensos ao erro. Só resta, portanto, perdoar-nos mutuamente as nossas loucuras."
Era 1763 quando Voltaire, no Tratado sobre a tolerância, não só condenava toda forma de fanatismo, mas também convidava a refletir sobre a inadequação da própria língua, sobre a insensatez das próprias opiniões, sobre a imperfeição das próprias leis. Não só explicava que a intolerância é mãe de toda hipocrisia e de toda rebelião, mas também exortava os franceses a considerarem todos os homens como irmãos.
"Como? Meus irmãos, o turco? Meu irmão, o chinês? O judeu? O siamês? Sim, sem dúvida. Não somos todos filhos do mesmo pai e criaturas do mesmo Deus?"
Um elogio da tolerância, portanto. Sem reserva alguma. O que talvez explique por que, depois dos trágicos fatos que dilaceraram a França, esse Tratado se encontre hoje, novamente, no topo das listas dos livros mais vendidos. É como se parecesse inevitável partir novamente dali para se interrogar sobre os pilares da democracia e da liberdade.
Além disso, não foi em nome da tolerância que, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, pela primeira vez, foi proclamado o direito de todo ser humano à liberdade de opinião e de expressão? Não é a tolerância que torna possível o diálogo e o debate? Não é ela, e só ela, que permite que aqueles que não pensam da mesma forma, que têm hábitos diferentes, que acredita em Deus ou é ateu vivam juntos, se aceitem, se respeitem, se reconheçam?
Ler ou reler o Tratado sobre a tolerância, afinal, é um modo para se apropriar das próprias raízes. Escrito por Voltaire na época do affaire Calas – quando um protestante tinha sido condenado à morte depois de ter sido falsamente acusado de matar o filho que se converteu ao catolicismo, quando, de fato, o rapaz havia se suicidado –, o Tratado aborda o tema do fanatismo através do prisma da caridade e da indulgência.
Ao contrário de Locke, que, na sua Carta sobre a tolerância (1689), concentra-se principalmente na questão política da relação entre Estado e Igreja, Voltaire faz não só o elogio da razão, mas também da doçura: a tolerância é uma virtude que leva a respeitar o outro e as suas diferenças; é aquele valor que deve levar aqueles que "acendem uma vela em pleno dia para celebrar Deus" a suportar "aqueles que se contentam com a luz do sol". Mas o que significa, hoje, tolerar? Pode-se realmente tolerar tudo, até mesmo a intolerância, em nome da tolerância?
Para o filósofo anglo-saxão Bernard Williams, a tolerância é, ao mesmo tempo, "necessária" e "impossível". É necessário se tolerar mutuamente, se quisermos organizar o viver juntos quando temos opiniões morais, políticas e religiosas diferentes. Mas também é impossível ser profundamente tolerantes com os outros – como admite qualquer um que seja totalmente sincero consigo mesmo – quando os outros proclamam ideias e valores que nos são intoleráveis, quando defendem ideias que consideramos erradas, quando expressam opiniões que consideramos infundadas.
Estamos todos prontos para sair às ruas para defender a tolerância, mas como reagimos, depois, quando alguém nos ofende de verdade? A tolerância que se invoca, infelizmente, é quase sempre a tolerância alheia, aquela que os outros deveriam ter em relação a nós, mais do que aquela que deveríamos ter em relação a eles.
Por outro lado, não foi o próprio Voltaire que, depois de ter se mobilizado para defender Jean Calas e ter inundado a Europa com cartas para sensibilizar os poderosos em relação a essa família protestante que, privadamente, definia como "imbecil", instigou as autoridades contra Jean-Jacques Rousseau, considerando-o um inimigo público, porque havia publicado o Contrato social, em que celebrava a superioridade do estado de natureza?
Não foi justamente na França, onde se pode rir de tudo, que se decidiu não rir da piada de Dieudonné, quando ele escreveu: Je suis Charlie Coulibaly (um dos terroristas de Paris) – piada certamente sem sentido, estúpida e vulgar, mas que, mesmo assim, continua sendo uma piada, como ele mesmo reivindica, exatamente como as publicadas pelo Charlie Hebdo?
A tolerância, dizia Voltaire, é a capacidade de suportar também aquilo que se desaprova. É a vontade de imaginar, como escreve Hannah Arendt, que outra pessoa pode ter razão. É a possibilidade de se colocar novamente em discussão, mesmo quando alguém zomba daquilo em que acreditamos, quer se trate da caricatura de Maomé, ou das do papa, de uma piada sobre a nossa mãe ou sobre a mãe de um amigo. Por trás da tolerância, em outras palavras, sempre há a aceitação da alteridade. Mesmo quando essa alteridade nos perturba, nos provoca, nos desestabiliza.
Não há nenhum limite, então? Talvez só a intolerância. Visto que tolerar a intolerância em nome da tolerância equivaleria a destruí-la. Tolerância e intolerância se anulam reciprocamente. A tolerância, de fato, permite que todos afirmem ou neguem qualquer coisa, sem se constranger diante das contradições.
Pode haver quem diga que "A existe", e quem, ao contrário, negue a existência de "A", afirmando que "A não existe". A intolerância, ao contrário, não suporta as contradições e tem como único objetivo o de destruir. Não se limita a negar, mas apaga, elimina, faz tábua rasa.
É por isso que, se a tolerância tolerasse a intolerância, acabaria sendo fagocitada por ela. Assim como a liberdade que, como John Stuart Mill explica em On Liberty, um século depois da publicação do Tratado da tolerância, "não é mais liberdade no momento em que nos permite alienar a liberdade".
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