31 Mai 2007
A Agroecologia vem sendo discutida muito no âmbito da agricultura. Ela integra diversos aspectos agronômicos, ecológicos e socioeconômicos e visa à produção de alimentos mais saudáveis e naturais, tendo como princípio o uso racional dos recursos naturais. O Brasil vem investindo firme neste setor. Estima-se que a área cultivada organicamente no país já atinge cerca de 25 mil hectares, perto de 2% da produção total nacional. O mercado interno ainda é pequeno, mas a taxa de crescimento no Brasil já é estimada em 50% anual. Assim, a IHU On-Line conversou, a respeito desse assunto, com o professor Manoel Baltasar Baptista da Costa.
Na entrevista a seguir, Manoel fala de como a agroecologia deve ser discutida no Brasil. Fala também sobre o agronegócio e sobre políticas públicas. Para ele, como o agronegócio passa pelo processo de acumulação capitalista, busca os espaços de mercado mais rentáveis. “Eu acho que isso começa se refletir também na produção de alimentos”, afirma.
Manoel Baltasar Baptista da Costa é graduado em engenharia agrônoma pela Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, da USP. Possui diversos cursos de aperfeiçoamento e especialização na área de agroecologia. Concluiu doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente, é professor da universidade Estadual de São Carlos, em São Paulo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor começou a se interessar pela agroecologia?
Manoel Baltasar Baptista da Costa – Eu me formei em 1968 e minha formação foi bem convencional. No entanto, eu já tinha alguma preocupação social e ecológica. Naquele momento, estávamos passando por um momento interessante, pois eu militava com um pessoal de esquerda. O pessoal discutia muito o avanço da ecologia. Depois, segui trabalhando na área de planejamento. Trabalhei em macro e microplanejamentos, inclusive sendo empregado de empresas que davam consultoria. Muitos empresários falavam assim: “Olha, vocês fazem uns projetos muito bonitos, mas na hora de executar não é aquilo que está no papel”. Isso começou a me preocupar e depois, por uma coincidência, eu fui morar no sítio da minha família e comecei a me interessar pela agroecologia.
Era um momento que a grande figura da agronomia era o José Lutzenberger (1). Ele e seu pessoal introduziram a discussão sobre o meio ambiente. Assim, em 1978, formamos um grupo de agronomia alternativa na Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo. E, nesse grupo, participavam pessoas dos mais variados perfis: militantes ambientalistas, ativistas dos movimentos ambientais, europeus que tinham conhecimento da agricultura biológica. Com isso, começamos a fazer atividades, encontros e eventos. A partir daí, esse grupo começou a trabalhar muito nessa perspectiva da agricultura alternativa, dando, inclusive, cursos sobre o tema. Eu acho que dentro de todo esse movimento uma das pessoas fundamentais foi justamente o Lutzenberger, com o retorno dele ao Brasil no começo da década de 1970 fazendo essa crítica aos agrotóxicos.
IHU On-Line – Sob quais princípios a agroecologia deve ser discutida no Brasil?
Manoel Baltasar Baptista da Costa – Em São Paulo, nós tínhamos a experiência no Instituto Biodinâmico, que começou a fazendinha deles em Botucatu, em 1973. Ela produzia na linha da agricultura natural. Todo esse movimento, de uma certa forma, era proveniente de países de primeiro mundo, pois a preocupação deles era muito mais ecológica do que social. Da década de 1970 até meados da década de 1980, o movimento, aqui do Brasil, andava um pouco sobre esse viés da agricultura alternativa. No Rio Grande do Sul, trabalhava-se mais com o conceito da agricultura biológica, mas de qualquer forma estávamos no mesmo barco.
Todas essas escolas de agricultura alternativa não estavam focando no social, e sim no alimento limpo. Acho que, no fim dos anos 1980, um trabalho muito importante no Brasil, além do que era desenvolvido no Rio Grande do Sul, deu-se com o início da ASPTA, quando o pessoal voltou da França e começou a fazer projetos de tecnologias alternativas, que resultaram num projeto próprio, autônomo. A ASPTA foi importante na articulação de uma rede nacional de uma agricultura alternativa, com tais tecnologias. A discussão sobre ela passou a sair um pouco do campo da agronomia e começou a adentrar nos movimentos sociais. Até então, os movimentos sociais eram resistentes a essa luta. Eles estavam organizando-se em cima da luta pela terra, em cima da representação política, mas, de qualquer forma, eles também estavam lutando para que o modelo da revolução deles atendesse o segmento da agricultura familiar. Assim, a agricultura alternativa começou a entrar, num primeiro momento, e a formar uma rede de tecnologias alternativas no Brasil. Com isso, o conhecimento se funda no Consórcio Latino-Americano de Agroecologia e Desenvolvimento.
IHU On-Line – Como o senhor vê a permacultura, a agricultura orgânica e a agricultura biodinâmica?
Manoel Baltasar Baptista da Costa – Vou te definir de forma mais conceitual, pois eu acho que na biologia há um pouco dessas correntes que chamam de vitalistas (2). Então, além da questão produtiva, propriamente dita, existe uma série de questões filosóficas, as quais, em alguns casos, são colocadas por esses movimentos. No caso da agricultura orgânica, eu acho que o surgimento dela com o Howard (3), na Índia, ganhou expressão nos países de língua inglesa. Assim, hoje eu te diria que a agricultura orgânica, pelo inglês ser hegemônico no front mundial, ficou como sinônimo da produção mais empresarial nessa linha da substituição de insumos.
Eu acho que é um avanço em termos ecológicos, à medida que se tira os agroquímicos do processo produtivo, pois temos grandes ganhos de ordem ambiental e na qualidade do alimento, porque não se comendo mais tanto agrotóxico se reduzem os problemas ambientais. Por outro lado, é uma agricultura que reproduz um pouco esse modelo convencional, seguindo o tipo de dependência da produção. No caso da biodinâmica, eu acho que eles enveredaram também por essa linha empresarial e hoje estão muito preocupados com a questão da certificação, que é uma fonte de recursos capaz de oferecer sustentabilidade a eles, uma certificação mais “cartória”. Eles até têm alguns trabalhos de cunho social, mas estão muito mais envolvidos com sua linha. A biodinâmica tem uma coisa mais filosófica, portanto eu acredito que ela se enquadra nessa linha dos vitalistas.
Eu acho, portanto, que os vitalistas têm esse papel interessante. A agroecologia avança muito mais à medida que começa a entender o homem como centro do processo. Acho que a dimensão da agroecologia é um pouco mais ampla na sua própria origem de estudar os modos de produção das agriculturas, comunidades tradicionais, além da relação dessas com o ambiente. Ela avança bastante nessa perspectiva de ver o homem como centro do processo e pensar nas relações da agricultura de forma mais crítica e ampla.
Agora, a questão da agricultora orgânica, no seu sentido mais amplo, hoje tem um controle mundial de commodities, de grandes mercados, inclusive impondo todas essas normas de produção, de certificação etc. Sob a ótica da agricultura familiar, são processos complicados, primeiro porque estamos adotando normas internacionais e abandonamos um pouco a construção das nossas próprias normas. E o segundo ponto é que se trata de um processo excludente do agricultor familiar, mesmo porque muitas vezes ele nem possui acesso a esses canais, entidades. É um serviço muito caro para o agricultor familiar agroecológico.
IHU On-Line – Até que ponto o agronegócio influencia na agroecologia?
Manoel Baltasar Baptista da Costa – Eu acho que, com o processo de acumulação capitalista, ou seja, o marketing, ele busca os espaços de mercado mais rentáveis. Eu acho que isso começa se refletir também na produção de alimentos. Não podemos dizer que todo empresário é bandido. Alguns segmentos da sociedade estão se dando conta do desastre, da perspectiva de busca de modelos mais sustentáveis, mas isso está bastante vinculado também ao processo do lucro, de novos mercados e muitos agricultores adentrando em cima do preço diferencial, que é praticado nesse mercado de produtos orgânicos.
Uma outra crítica a essa produção orgânica é que está se produzindo um produto para a elite e não um produto de consumo popular. Eu te diria que, em parte, também estamos caminhando para o agronegócio orgânico. O grande commodity da produção orgânica está muito presente já na soja, na laranja, no açúcar, na carne etc. Isso, de certa forma, está se reproduzindo na estrutura geral da produção e comercialização de alimentos desses grandes interesses das corporações.
IHU On-Line – E como o senhor vê as políticas públicas em torno da agroecologia?
Manoel Baltasar Baptista da Costa – São coisas mais recentes. Eu fico animado de ver esse avanço, pois quando começamos nessa luta éramos tidos como malditos, visionários, lunáticos. Além disso, éramos muito pouco respeitados nas nossas posições, inclusive no mundo científico ou acadêmico. Então, eu vejo isso por dois pontos de vista: por um lado, eu acho que no âmbito da construção das ciências e tecnologia é um segmento em que o Brasil é muito reconhecido; por outro, no âmbito das políticas públicas, a gente teve alguns momentos pontuais, algumas políticas muito focadas nisso. Com o governo Lula, foi separada a questão da agricultura familiar e a patronal. Então, eu acho que a partir do trabalho desenvolvido no MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) houve bastante avanço na difusão dessas práticas agricológicas.
Notas:
(1) Ambientalista gaúcho, conhecido e respeitado mundialmente por suas lutas conservacionistas, as quais começou no início da década de 70. Nascido em Porto Alegre, José A. Lutzenberger formou-se engenheiro agrônomo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1950 e fez pós-graduação em ciência do solo na Lousiana State University, 1951/2. Após trabalhar até 1957 em empresas de adubos químicos no Rio Grande do Sul, foi para a Alemanha trabalhar na BASF, empresa multinacional em química agrícola.
(2) Os vitalistas argumentam em defesa da vida.
(3) A obra do pesquisador inglês Albert Howard foi o principal ponto de partida para uma das mais difundidas vertentes alternativas, a agricultura orgânica. Entre os anos de 1925 e 1930, Horward dirigiu, em Indore, Índia, um instituto de pesquisas de plantas, onde realizou vários estudos sobre compostagem e adubação orgânica. Mais tarde, publicou obras relevantes como Manufacture of húmus by Indore process (Manufatura do húmus pelo processo Indore), em 1935, e, em 1940, An agriculture testament (Um testamento agrícola), uma das mais relevantes referências bibliográficas para pesquisadores e praticantes do modelo orgânico.
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Agroecologia. Passado, presente e futuro. Entrevista especial com Manoel Baltasar Baptista da Costa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU