14 Julho 2011
Na próxima segunda-feira, dia 9, se ainda fosse vivo, Ignacio Ellacuría completaria 79 anos, no entanto, há 20 anos, ele, junto com seus companheiros, foi assassinado em El Salvador por lutar por justiça, igualdade e liberdade para o povo daquele país. A IHU On-Line retorna à história de Ellacuría através da entrevista com o Pe. Francisco das Chagas, realizada por telefone. Francisco apresentou, neste ano, sua tese sobre a teologia de Ellacuría e, atualmente, leciona, na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (FAJE), a disciplina A teologia de Ignacio Ellacuría: relevância cristológica e eclesiológica. Nesta entrevista, ele nos conta em que circunstância a morte de Ellacuría se deu e fala também sobre seu legado, a formação do seu pensamento e a importância do jesuíta hoje na América Latina. "Naquele tempo, de fato, o problema era essencialmente a oligarquia dominante que excluía a grande parte da população – portanto, a questão socioeconômica era fundamental. Hoje, o povo é crucificado, como Ellacuría dizia, pela exclusão, sem direitos humanos, sem acesso à educação e à saúde", disse Francisco.
Ignacio Ellacuria, nasceu na Espanha, no dia 09-11-1930. Quando foi assassinado, no dia 16-11-1989, ele era o reitor da Universidade Centro Americana de San Salvador - UCA, confiada à Companhia de Jesus.
Com Ellacuría foram assassinados mais cinco jesuítas. Entre os quais Ignacio Martin Baró, fundador da Psicologia da Libertação. Com os seis jesuítas também foram assassinadas duas mulheres: Julia Elba e sua filha Celina.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por que mataram Ellacuría e seus companheiros?
Francisco das Chagas – É uma história que envolve uma série de questões. Quando os jesuítas vieram Ignacio Ellacuría e seu companheiro de missão Juan Ramón Pardo para a América Central, especificamente para El Salvador, eles tinham um projeto de se inserir na sociedade de modo comprometido na missão da Igreja naquele contexto, que era de muita desigualdade, injustiça e opressão. Diante dessa situação, eles se comprometeram em fazer um trabalho com a sociedade em geral, a partir de diversos setores, como, por exemplo, a universidade, evidentemente motivados pela fé, pela disposição de evangelizar, concretizar a mensagem do Evangelho. Diante disso, eles foram, de um lado, motivando e mobilizando as comunidades e o pessoal que lutava contra tudo o que oprimia a vida. E, por outro lado, sofreram uma forte oposição que se configurou numa situação de perseguição. Então, Ellacuría, por diversas vezes, teve que sair de El Salvador, às vezes por compromissos e outras por ameaças que sofria. Numa dessas voltas dele para El Salvador, aconteceu seu assassinato, na noite do dia 16 de novembro de 1979. Ele e seus companheiros foram assassinados por se colocarem à disposição dos pobres, daqueles que lutam por justiça na sociedade.
IHU On-Line – Qual é o legado de Ignacio Ellacuría para a América Latina?
Francisco das Chagas – Ellacuría, como os outros que foram assassinados, deixa para a América Latina um exemplo e um testemunho de vida eclesial e de luta pela justiça. Porque, de fato, foram vidas comprometidas com Jesus Cristo através do serviço aos irmãos, aos mais sofridos, aos mais pobres. Dizemos que a situação deles não foi um martírio, foram martirizados. Além disso, Ellacuría deixou vários escritos sobre filosofia, teologia e sociologia.
IHU On-Line – Quais são as cruzes que carregam hoje os "povos crucificados" da América Latina?
Francisco das Chagas – As cruzes continuam sendo praticamente as mesmas, revestidas com outros
Joaquin López y López e Ignácio Martín Baró foram assassinados junto com Ellacuría
elementos. Naquele tempo, de fato, o problema era essencialmente a oligarquia dominante que excluía a grande parte da população – portanto, a questão socioeconômica era fundamental. Hoje, o povo é crucificado, como Ellacuría dizia, pela exclusão, sem direitos humanos, sem acesso à educação e à saúde. Essas situações de privação dos direitos fundamentais são cruzes que oprimem a vida. Ainda assim, diante de um povo que tem fé, que vive essa situação sem se distanciar de Jesus cristo, encontra forças Nele, e seu sofrimento não se torna uma coisa apenas negativa, pois, na relação com Jesus, essas pessoas se tornam um povo profético.
IHU On-Line – A partir do legado de Ellacuría, quais categorias filosóficas ou teológicas podem nos ajudar a pensar com honestidade a realidade?
Francisco das Chagas – Do ponto de vista filosófico, Ellacuría trabalhou bem a questão da filosofia da realidade. Ele considera que, de fato, a realidade é que deve constituir o objeto fundamental da reflexão filosófica. E, do ponto de vista teológico, a teologia foi entendida como algo que se faz na relação com a palavra de Deus e a realidade da sociedade. Então, a categoria de libertação é central para a articulação da teologia. Agora, é fundamental, no pensamento de Ellacuría, no sentido da revelação e da realidade, a salvação como realidade histórica. Ao mesmo tempo em que ela é uma realidade escatológica, ela tem também essa dimensão histórica que implica a realidade humana concreta nos diversos contextos ao longo do tempo. Assim, para Ellacuría, a salvação é libertação e a libertação é salvação. Outra categoria fundamental é o Reino de Deus, em que a realidade é a instância fundamental com a qual a Igreja se confronta para uma autocrítica e uma tomada de posição em relação à própria atuação eclesial e em relação ao mundo. Por exemplo, para Ellacuría, a Igreja, então, diante de uma situação anti-humana ela deve converter-se ao Reino de Deus, que é uma plataforma para a salvação.
IHU On-Line – Quais foram os autores que mais influenciaram o pensamento de Ellacuría?
Francisco das Chagas – Fundamentalmente, na filosofia é o Xavier Zubiri. Na teologia, ele foi aluno de Karl Rahner, 1962 a 1965, quando se desenvolveu o concílio. Esses e outros autores foram importantes na formação do pensamento de Ignacio Ellacuría.
IHU On-Line – Como a história de Ellacuría pode ser retomada hoje?
Francisco das Chagas – Neste ano, estamos celebrando os 20 anos do martírio de Ellacuría e de todos os homens e mulheres que na América Latina viveram e seguiram Jesus Cristo de forma tão consequente. Hoje, temos um novo paradigma, e a história de Ellacuría, assim como seu testemunho, sua reflexão que liga a teologia à realidade, é algo muito atual que deve ser continuada porque o cristianismo precisa ser um estilo de vida no qual o testemunho de Cristo se dá através da prática do amor nessa realidade concreta em que se vive. Esses temas são fundamentais que hoje devem ser retomados para a humanidade. São temas universais, seja do ponto de vista antropológico, seja do ponto de vista da fé.
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Ignacio Ellacuría, um reitor assassinado. Vinte anos. depois. Entrevista especial com Francisco das Chagas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU