13 Março 2016
“É preciso demonstrar as conexões entre o nosso comportamento diário e a dimensão do desafio das mudanças climáticas”, afirma o biólogo.
Imagem: dedetizacaoinsetan.com.br |
Rittl afirma que o “sucesso do Acordo de Paris” vai depender das ações a serem implementadas por todos os países que darão início ao processo de ratificação do acordo em abril deste ano. Apesar de as decisões da COP-21 ainda serem tema de discussão, Rittl frisa que “o debate ainda não se reflete em grandes mudanças de rumos”.
Na avaliação dele, tem havido, no Brasil, alguns “retrocessos importantes” no Congresso Nacional, “como o Projeto de Lei do Senado 654/2015, que propõe um rito sumário para o licenciamento ambiental de grandes obras, a dispensa de realização de audiências públicas e define prazos curtíssimos para a manifestação de órgãos ambientais”. Trata-se, pontua, de um “exemplo de proposta que não está alinhado com o compromisso assumido pelo governo brasileiro em Paris nem com a emergência ambiental por que passamos”.
Carlos Rittl é mestre e doutor em Biologia Tropical e Recursos Naturais. Foi coordenador do Greenpeace Brasil, como coordenador da Campanha de Clima, e do WWF-Brasil, como coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia. Atualmente é Secretário Executivo do Observatório do Clima, rede brasileira formada por ONGs e movimentos sociais.
Carlos Rittl estará no IHU na próxima quinta-feira, 17-03-2015, onde ministrará a palestra “Mudanças climáticas no Brasil e seus impactos sociais e econômicos”, das 17h30 às 19h, e, posteriormente, a conferência “A 21ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – COP 21. Avaliação e prospectivas”. As atividades integram o evento Ciclo de atividades. O cuidado de nossa Casa Comum.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - A partir do atual cenário do Brasil e do mundo, qual a emergência de se discutir e refletir acerca dos “cuidados da casa comum”? Quais as questões de fundo que precisam ser alcançadas nesse debate?
Foto: Arquivo Pessoal / Linkedim
Carlos Rittl - Estamos passando por uma gravíssima crise planetária, que afeta cada um de nós. O uso irracional de recursos naturais, o uso intensivo de combustíveis fósseis, a destruição desenfreada dos ecossistemas naturais, modos de produção e consumo ineficientes, com excesso de desperdício e excesso de geração de resíduos, estes sem devido tratamento, ameaçam a cada dia o nosso bem-estar e nossa casa comum. E ameaça diretamente a própria sobrevivência de populações pobres, vulneráveis e que têm responsabilidade mínima sobre a dimensão do problema. Superar esta crise ambiental, climática, de proporções planetárias depende de cada um de nós. Depende de um novo olhar sobre esta “casa comum”, nossa única casa, o planeta Terra, depende de uma nova ética. Esta é a principal questão de fundo. A solução depende de mudanças de comportamentos. Política, economia, ética, ciência e educação, juntas, interligadas.
Precisamos da compreensão de que o único caminho possível para evitar problemas ainda mais graves é o desenvolvimento sustentável, com mudança em políticas públicas e estratégias das corporações, redirecionamento de investimentos e a compreensão de que o social e o ambiental são pilares que devem ser tratados com a mesma relevância que o econômico. Mudanças nos padrões de produção e consumo para serem mais eficientes e sustentáveis são urgentes. Abandonar progressivamente o uso dos combustíveis fósseis e parar a destruição da natureza, dos ambientes naturais são absolutamente críticos para mudarmos nossa história neste planeta.
“A temperatura em países do Oriente Médio, como Irã e Iraque, ultrapassou 50 graus Celsius, com sensação térmica chegando a 73 graus Celsius no Irã em alguns dias” |
IHU On-Line - Quais os impactos sociais e econômicos das mudanças climáticas no Brasil e no mundo?
Carlos Rittl - As mudanças climáticas afetam cada um de nós diretamente por impactos em nossa qualidade de vida e na economia. Mas os países mais pobres e as populações mais pobres em qualquer país, em especial nos países em desenvolvimento, serão sempre aqueles que sofrem mais. Muitas vezes perdem o pouco que possuem, ou mesmo suas vidas, diante dos desastres naturais. Os impactos mais evidentes são os eventos climáticos extremos, como secas e estiagens, enchentes e inundações, tempestades, movimentos de massa (como deslizamento de terra), que se multiplicam e se tornam mais intensos. No ano passado, o ciclone Pam devastou áreas de pequenas ilhas do pacífico, como Vanuatu, Ilhas Salomão, Kiribati e Tuvalu. A Índia sofreu a segunda pior onda de calor de sua história, com mais 2500 mortes. A temperatura em países do Oriente Médio, como Irã e Iraque, ultrapassou 50 graus Celsius, com sensação térmica chegando a 73 graus Celsius no Irã em alguns dias. Enchentes em Mianmar, Gana, em regiões dos Estados Unidos provocaram muitas mortes e prejuízos. No Brasil, passamos por uma das piores estiagens no sudeste do país, enquanto o Nordeste continuou a ser afetado por uma das piores secas que se estende por anos. No país, mais de 28% dos municípios decretaram situação de emergência ou calamidade pública em função de desastres naturais vinculados a extremos climáticos.
IHU On-Line - Passados cerca de três meses do encerramento da COP-21, como as temáticas do Acordo de Paris vêm sendo tratadas? Em que medida as discussões da COP-21 ainda continuam na pauta dos países que participaram do encontro?
Carlos Rittl - O sucesso do Acordo de Paris e das decisões da COP-21 depende da sua implementação em casa, por cada um dos países e seus governos. Teremos uma medida clara se este nível de engajamento continuar alto em abril, quando o Secretário Geral das Nações Unidas receberá líderes mundiais na cerimônia de assinatura do Acordo de Paris. Abre-se o período de ratificação do Acordo, que se estenderá até abril do próximo ano. Por ora, vemos que o tema continua na pauta, muitas discussões e análises que se iniciaram logo após a COP continuam a fomentar debates, discussões, com envolvimento de diferentes públicos, o que tem acontecido com frequência no Brasil, também. Mas o debate ainda não se reflete em grandes mudanças de rumos. A emergência climática demanda ação imediata. O mundo já está um grau mais quente do que em período pré-industrial. E o objetivo do Acordo de Paris inclui a busca para limitar este aquecimento a 1,5 grau Celsius. Estamos a meio grau deste limite e caminhando, hoje, para um mundo com 3 a 4 graus de aquecimento médio global ao longo deste século.
Preocupa muito, por exemplo, vermos no Brasil alguns potenciais retrocessos importantes em discussão no Congresso Nacional, como o Projeto de Lei do Senado 654/2015, que propõe um rito sumário para o licenciamento ambiental de grandes obras, a dispensa de realização de audiências públicas e define prazos curtíssimos para a manifestação de órgãos ambientais. É um exemplo de proposta que não está alinhado com o compromisso assumido pelo governo brasileiro em Paris, nem com a emergência ambiental por que passamos. Os resultados podem ser de muito mais impactos sociais e ambientais, maior destruição de florestas, impactos nos recursos hídricos, em comunidades e aumento de emissões associadas às grandes obras. Pode ser uma medida de grande impacto na completa contramão da história.
IHU On-Line - Como pensar em ações que mobilizem as pessoas para que, no seu cotidiano, adotem posturas políticas de forma ativa para o cuidado da casa comum? Qual o papel de agentes governamentais e não governamentais nesse desafio?
CCST desenvolveu dois cenários futuros para o Brasil projetando o que poderá ocorrer
até 2100 devido às mudanças climáticas. Fonte: EcoDebate
Carlos Rittl - É preciso demonstrar as conexões entre o nosso comportamento diário e a dimensão do desafio das mudanças climáticas. É preciso compreender que mudanças climáticas afetam nossa saúde, seja pelos desastres que se multiplicam ou pela disseminação de doenças e seus vetores (vide a disseminação do Aedes aegypti e a epidemia de dengue, zika vírus, dentre outras endemias). Afetam nossa segurança alimentar - uma seca, chuvas torrenciais, enchentes impactam a agricultura e o preço dos alimentos na feira fica mais caro. É preciso demonstrar que nosso comportamento enquanto consumidores pode ajudar a reduzir os impactos ou a piorar o problema. Um comportamento mais consciente e eficiente demanda menos água, energia e produtos que causam impactos no meio ambiente ou aumentam as emissões de gases.
Governos têm um papel fundamental, pois ditam os caminhos do desenvolvimento de países, regiões, cidades. E devem passar a tratar as mudanças climáticas como tema estratégico para este desenvolvimento, tanto do ponto de vista da redução de emissões como da adaptação às mudanças climáticas. Mas a sociedade precisa estar cada vez mais engajada. Cientistas produzindo conhecimento sobre o problema, suas causas e soluções. Jornalistas gerando matérias sobre o desafio e como enfrentá-lo. Setor privado assumindo compromissos para reduzir seus impactos. As organizações da sociedade civil produzindo informação, análise e propondo soluções. E o cidadão mais consciente, engajado, cobrando de todos e assumindo também a sua responsabilidade.
“Nosso comportamento enquanto consumidores pode ajudar a reduzir os impactos ou a piorar o problema” |
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IHU On-Line - Em que medida o atual modelo econômico se mostra esgotado e quais os efeitos de sua lógica na “casa comum”? Como conceber modelos econômicos capazes de preservarem a “casa comum”?
Carlos Rittl - O modelo econômico atual está em xeque e precisa mudar. Está baseado no lucro a partir do consumo desenfreado de produtos produzidos de forma em geral insustentável, que consomem muitos recursos, degradam a natureza e provocam mudanças climáticas. A nova economia tem que estar casada com a ecologia. Estas duas palavras têm a mesma raiz, a palavra grega “oitos”, que significa casa. O conhecimento e o gerenciamento adequado da nossa casa comum, a ecologia e a economia, precisam estar harmonizados. É o caminho da Ecologia Integral, de que trata o Papa Francisco em sua Encíclica, "Laudato Si”.
A ciência e o conhecimento devem ser a base das diretrizes do desenvolvimento socioeconômico, devem orientar a definição de limites planetários, do consumo de recursos naturais renováveis e não renováveis, da exploração de combustíveis fósseis, por exemplo. Os cientistas têm feito sua parte, cada vez conhecemos melhor nossa casa, os seus problemas, seus desafios e as soluções. Ainda falta aos políticos e economistas fazerem sua parte. E precisam fazer rápido, pois o nível de mudanças de que dependemos para assegurar um planeta mais saudável para todos e sem risco de provocarmos mudanças climáticas com impactos incalculáveis é profundo. Por exemplo, temos que eliminar muito rapidamente o consumo de combustíveis fósseis no planeta, deixando a imensa maioria das suas reservas inexploradas.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Carlos Rittl - Como afirmou o Papa Francisco em sua Encíclica “Laudato Si”, precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental que vivemos, e as suas raízes humanas, dizem respeito e têm impacto sobre todos nós.
Por João Vitor Santos
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“A nova economia tem que estar casada com a ecologia”. Entrevista especial com Carlos Rittl - Instituto Humanitas Unisinos - IHU