06 Dezembro 2015
“O quadro como está ainda é inaceitável e é necessário que os países apresentem metas baseadas nas necessidades reais. Não se trata de ousadia, mas do mínimo de bom senso”, alerta o pesquisador.
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Para Costa, o acordo resultante da COP 21 precisa ser baseado na situação climática real do mundo hoje e das consequências que já comprometeram o equilíbrio natural no planeta e dos reflexos que ainda estão por vir. “O resultado que deveria vir da COP 21, se esta se guiasse pela Ciência do Clima e pelos valores de justiça climática, social e geracional, seria um tratado vinculante, com metas obrigatórias que implicassem uma redução acelerada das emissões de gases de efeito estufa”, explica. Segundo o pesquisador, para que o acordo seja efetivamente relevante, deve incluir diretrizes como um amplo fomento para a remodelagem global da matriz energética; uma rigorosa proteção dos estoques de carbono; e o debate das fronteiras e dos direitos de imigrantes, considerando o crescimento em escala dos refugiados climáticos em função dos danos já causados à natureza. Alexandre Costa também ressalta que é necessário discutir até a formulação da dieta alimentar humana, uma vez que parte significativa das emissões de gases de efeito estufa resulta de fermentação entérica, em sua grande maioria produzida pelo gado bovino.
“Sobretudo, cabe destacar que qualquer acordo sério precisa, sim, colocar a maior parte do ônus sobre os grandes emissores históricos, em particular considerando-se a emissão a partir do consumo e não da produção, afinal é muito confortável para a União Europeia, por exemplo, apresentar metas significativas de redução de emissões após ter exportado boa parte de sua indústria suja para a periferia do sistema”, salienta o pesquisador. Na sua avaliação, o maior entrave das negociações é o poderio econômico, tanto das grandes corporações, que buscam o lucro a qualquer custo, quanto das camadas mais ricas da sociedade, que obrigatoriamente precisarão mudar seus padrões de consumo para preservar o planeta.
Alexandre Araújo Costa é professor, pesquisador e um dos autores do primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. É mestre em Física pela Universidade Federal do Ceará - UFC e doutor em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University, com pós-doutorado pela Universidade de Yale. Foi gerente do Departamento de Meteorologia e Oceanografia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos e atualmente é professor titular da Universidade Estadual do Ceará - UECE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como poderíamos caracterizar o contexto de realização da COP 21?
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Alexandre Araújo Costa - A COP 21 ocorre concomitantemente com a confirmação de eventos climáticos extremos associados ao aquecimento global que já se fazem presentes. Este ano de 2015 se encerrará como aquele de maior temperatura média global já registrada, provavelmente em torno do valor simbólico de 1ºC acima das temperaturas pré-industriais. Além disso, tivemos, em 2015, a ocorrência do maior furacão já registrado, o Patrícia, com ventos de 325 km/h e que, felizmente, por ter perdido força antes de atingir áreas populosas no México, produziu estragos menores do que poderia.
O furacão Patrícia é a segunda supertempestade que poderia ser classificada como de categoria 6, depois do Haiyan, que devastou as Filipinas há dois anos, mas a escala usada pelos cientistas só vai até 5. Batemos o recorde de furacões e tufões muito intensos: foram 22 este ano, contra o recorde anterior de 18 em 2009. Tivemos ondas de calor mortíferas na Índia e Paquistão, que ceifaram quase 4 mil vidas, e agravamento das secas em diversas regiões do mundo, da Síria ao Nordeste Brasileiro, da África do Sul à Califórnia.
Também é um contexto em que foram descobertos pesquisas e arquivos secretos da Exxon, hoje Exxon-Mobil, que comprovam que a empresa sabia há 30 anos pelo menos de parte das prováveis consequências da continuidade da queima de combustíveis fósseis, ou seja, antes da criação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Isso apenas atesta a criminosa ação desta e de outras corporações que financiaram o negacionismo climático (hoje totalmente desmoralizado) e contribuíram para o adiamento de medidas absolutamente necessárias e urgentes. A perda de vidas humanas, bem como de espécies e biomas inteiros, vai na conta das corporações dos ramos petroquímico, automobilístico, minerador, do agronegócio e outros grandes emissores de gases que provocam o efeito estufa, além dos governos cúmplices.
IHU On-Line - Qual é o resultado que se espera da COP 21? Que questões centrais não podem ficar de fora do acordo?
Alexandre Araújo Costa - O resultado que deveria vir da COP 21, se esta se guiasse pela Ciência do Clima e pelos valores de justiça climática, social e geracional, seria um tratado vinculante, com metas obrigatórias que implicassem uma redução acelerada das emissões de gases de efeito estufa. Afinal, para mantermos mais de 50% de chances de evitarmos um aquecimento acima de 2ºC, precisamos manter nada menos que 90% das reservas certificadas de carvão, petróleo e gás exatamente onde estão, ou seja, no subsolo. Infelizmente, a construção a partir de intenções ou contribuições voluntárias não está fechando essa conta, e muitos dos países mais ricos e emissores ou apresentaram metas insuficientes, como os EUA, ou agiram de forma irresponsável, propondo cortes muitíssimo abaixo do necessário, como o Japão.
Hoje, a soma das contribuições voluntárias nos tira da catástrofe completa e acelerada do cenário “business-as-usual”, que implicaria num aquecimento de 4 a 6°C ao final do século XXI e certamente conduziria à ruptura total do tecido social de nossa civilização, pois seria incompatível com a manutenção dos próprios sistemas de suporte à vida. Mas ele está longe de ser suficiente, pois ainda nos põe numa rota de aquecimento de 2,5 a 3,5°C, capaz de ter efeitos deletérios enormes e disparar mecanismos de retroalimentação climática que podem manter o aquecimento global avançando mesmo com emissões antrópicas reduzidas. O quadro como está ainda é inaceitável e é necessário que os países apresentem metas baseadas nas necessidades reais. Não se trata de ousadia, mas do mínimo de bom senso.
Não poderia ficar fora de qualquer acordo sério – já que os combustíveis fósseis precisam ser rapidamente abandonados - um amplo financiamento para remodelagem global da matriz energética, incluindo geração de eletricidade e transportes, uma rigorosa proteção dos estoques de carbono não apenas em florestas e outros biomas continentais, mas também manguezais e demais biomas costeiros e marinhos, uma política de proteção dos oceanos e mecanismos de garantia de segurança alimentar e hídrica. O debate das fronteiras e dos direitos de imigrantes também é fundamental, pois se sabe que mesmo limitando-se o aquecimento global a 2°C, a tendência inequívoca é a de crescimento em escala dos refugiados climáticos. Veja o caso dos países-ilha, que na realidade sempre defenderam que o limite seguro seria de no máximo 1,5°C e que consideram 2°C uma sentença de morte, ou de Bangladesh, um país que tem quase 100 milhões de pessoas morando poucos metros acima do nível do mar! Não poderia ficar de fora, a meu ver, o próprio debate sobre a dieta humana, afinal sabe-se que uma parcela muito significativa das emissões de gases de efeito estufa vem de fermentação entérica, em sua grande maioria produzida pelo gado bovino.
Sobretudo, cabe destacar que qualquer acordo sério precisa, sim, colocar a maior parte do ônus sobre os grandes emissores históricos, em particular considerando-se a emissão a partir do consumo e não da produção, afinal, é muito confortável para a União Europeia, por exemplo, apresentar metas significativas de redução de emissões após ter exportado boa parte de sua indústria suja para a periferia do sistema.
Evidentemente que um acordo tão abrangente e que requer mudanças tão profundas viria a contradizer interesses econômicos de grandes corporações capitalistas e a impor mudanças nos padrões de consumo dos ricos mundo afora e de muitos habitantes de países desenvolvidos. E é aí certamente que está o maior travamento às negociações.
“Os interesses capitalistas são incompatíveis com a noção do clima como bem comum” |
IHU On-Line - Já é possível fazer alguma avaliação do início do evento? Quais foram os principais temas discutidos nos primeiros dias do evento?
Alexandre Araújo Costa - Antes do início do evento, mais de 700 mil pessoas foram às ruas no mundo todo, em manifestações em muitas centenas de cidades. Manifestações com milhares de pessoas ocorreram de Camberra a Londres, de Auckland a Manila, de Fortaleza a Madrid, de Berlin à Cidade do México, de Dublin a São Paulo. E mesmo com a absurda proibição às manifestações previstas em Paris, está claro que os líderes mundiais presentes à COP 21 não podiam simplesmente fechar os olhos e tapar os ouvidos. O resultado? As primeiras falas, incluindo as de Hollande e Obama, além das de Ban-Ki-Moon, pela ONU, e de Laurent Fabius, pela própria COP, terminaram refletindo em algum grau a pressão das ruas.
A grande questão aí é se tais discursos serão traduzidos em avanços reais nas negociações e no texto final produzido em Paris. E mais: ainda que se tenha tudo devidamente colocado no papel, que mecanismos teremos de assegurar os cortes nas emissões, garantir a fidelidade dos governos ao acordo, evitar a sabotagem de empresas etc.? Que governança se estabelecerá e quão transparente e aberta à base da sociedade ela será? Tudo isso se conecta à questão bem conhecida de que as mudanças climáticas guardam forte relação com a desigualdade e o poder político e econômico. Os interesses capitalistas são incompatíveis com a noção do clima como bem comum.
Neste início de COP 21, além das falas de diversos chefes de Estado, já houve diversos debates sobre agricultura, acerca da questão geracional, sobre uma política sustentável de eletrificação na África, a partir de fontes renováveis e sobre as florestas, mas foi particularmente tocante a fala de Anote Tong, presidente de Kiribati. Diante da inevitabilidade da elevação do nível do mar, já colocou que qualquer que seja o resultado de Paris, já é tarde demais para seu país e que a reivindicação deles é a de imigrarem com dignidade. Minha pergunta aí é: quantas nações, quantas área do planeta, continuaram sendo consideradas “descartáveis”, ou “zona de sacrifício” para enfim as medidas necessárias serem tomadas? Quantos Kiribatis? É preferível manter o consumismo, o lucro de corporações de setores tão destrutivos quanto a indústria fóssil e a mineração? Nesse sentido, prefiro não fazer ainda uma avaliação do encontro em si, mas externar tais preocupações. Sei que é quase impossível na atual correlação de forças sociais e políticas, se chegar ao necessário para conter a crise climática, mas esperemos para ver até onde se pode avançar. Espero sinceramente que minha avaliação final não seja a de praticamente todas as COPs anteriores, que foram grandes fiascos.
IHU On-Line - Que análise faz do discurso da presidente Dilma na COP 21?
Alexandre Araújo Costa - Eu expressei, assim que elas foram anunciadas, uma posição crítica em relação às metas apresentadas pelo Brasil. Reduzir 43% de emissões em relação aos 2,33 bilhões de toneladas de CO2-equivalente de 2005, próximo do pico de 2004, significa baixarmos as emissões para 1,33 bilhão, o que não é nada espantosamente menor do que o que temos emitido nos últimos anos. Com efeito, já ficamos, em relação a 2005, 35% abaixo em 2009, 2010 e 2011, 38% abaixo em 2012 e 33% em 2013 e 2014! Se tomarmos a média de 1,51 bilhão desses cinco anos que citei, percebemos que a redução é tímida: é um corte de apenas 12% nas emissões, muito aquém dos 43% anunciados com alarde. Portanto, acho contraditório Dilma falar da expectativa em torno de um “acordo ambicioso”, quando as metas brasileiras deixam a desejar.
Sobre o discurso em si, apesar de um posicionamento em relativa sintonia com o sentimento geral das demais falas, isto é, reconhecendo a necessidade de agir, o considerei insuficiente e demasiado genérico em questões sobre as quais não é possível admitir meias-palavras. O maior mérito do discurso, a meu ver, foi o posicionamento por um tratado com obrigações, isto é, por um acordo vinculante, com revisão a cada cinco anos. Mas avalio que o Brasil perdeu a oportunidade de protagonismo no debate climático, até porque não é possível mais usar o trunfo da queda anterior do desmatamento para autoelogio das políticas brasileiras quando se sabe que este voltou a subir (16% em 12 meses, para ser mais exato). Falar também de zerar o desmatamento “ilegal” quando o desmonte do Código Florestal legaliza muito do próprio desmatamento também é insuficiente, e o Brasil precisa ter capacidade de propor – aqui e no mundo todo – não apenas o desmatamento zero, mas um “desmatamento negativo”, isto é, a recomposição de parte da superfície vegetada.
Algo que também não se sustenta mais é caracterizar a matriz energética brasileira como “limpa”, ignorando o crescimento exponencial das termelétricas fósseis na geração elétrica, os impactos de Belo Monte e a ausência de uma política de investimento em energia solar residencial. Aliás, por falar em Belo Monte, onde fica a demarcação de terras indígenas? Afinal, esta seria uma excelente política climática! Por fim, denunciar publicamente a “irresponsabilidade” da Samarco é correto, mas insuficiente, sem que se traga à tona o questionamento ao próprio modelo de desenvolvimento adotado em nosso País e impulsionado pelas próprias políticas do atual governo. O desenvolvimentismo, o produtivismo e a lógica de suposta inclusão social via ampliação do consumo não são compatíveis com as políticas de grande escala necessárias para conter as emissões.
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“O Brasil perdeu a oportunidade de protagonismo no debate climático” |
IHU On-Line - Haverá mobilizações populares em Paris no final de semana? A informação inicial é de que tais manifestações da sociedade civil não poderiam acontecer. Como avalia essa proibição?
Alexandre Araújo Costa - Já houve manifestações, lamentavelmente reprimidas de forma violenta pela polícia. Sob o argumento de “proteger-se do terrorismo”, tirar das pessoas o direito de se manifestarem pacificamente foi muito ruim. Afinal, a pressão popular, a voz das ruas, poderia certamente influenciar de forma positiva o acordo de Paris. Eu não temo as pessoas nas ruas. Eu temo a presença de multimilionários nos bastidores, de lobistas da Shell, da Exxon, da BHP, estes sim, verdadeiros terroristas contra o clima. Mas da mesma maneira como aqui, com manifestantes do MST sendo presos por “crime ambiental” por um pouco de lama derramada no Congresso Nacional versus a demora em se tomar providências minimamente sérias contra a Samarco-Vale-BHP, na França os critérios para se definir “terror” são demasiado direcionados contra os agentes sociais de transformação.
Aliás, seria bom que os chefes de Estado raciocinassem de maneira mais profunda sobre o vínculo entre terrorismo – mesmo restringindo-nos à percepção que eles têm dessa palavra - e clima. Na realidade, a piora das condições de vida de milhões de pessoas, consequência inevitável do agravamento da crise climática, a amplificação das calamidades sociais, com seca, fome, produção em massa de refugiados climáticos, isso sim deveria ser visto como um perigoso combustível para o terror organizado, para a barbárie. Por isso, avalio como incorreta a proibição de manifestações pacíficas em Paris.
Por Leslie Chaves e Patricia Fachin
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Com as catástrofes climáticas batendo à porta, estadistas discutem acordo global na COP-21. Entrevista especial com Alexandre Costa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU