17 Novembro 2015
“O bom para a maioria dos cidadãos ditos ‘de bem’ é ter patrão, polícia e condutores moralizantes. Essa é a urgência e a necessidade de Estado sob quaisquer circunstâncias”, constata o cientista social.
Foto: Mídia Ninja |
“A nova lei antiterrorismo no Brasil pretende responder a essas novidades sintonizadas como a comunicação informacional. Repare que essas inovações legais já foram realizadas em outros países sempre em direção a dois pontos: o terrorismo transterritorial identificado com o fundamentalismo islâmico e as ações de rua relacionadas aos anarquistas”, explica. A redação desta lei, porém, não é uma espécie de ponto fora da curva, senão o resultado de nossa cultura. “Quem define as necessidades são as forças políticas no ambiente político”, destaca.
“Não é incomum lermos, vermos ou ouvirmos que é necessário dar um basta à baderna. A essa baderna claramente definida, inclusive nas mídias, que não tratam mais o black bloc a não ser como vândalos, agregando essa qualificação a qualquer conduta diferencial à ordem”, provoca. “Assim, as surpreendentes agitações no decorrer de uma mobilização podem vir a caracterizar um movimento intencionalmente ajustado à ordem e portador de uma estratificação a ser investigada para se identificar supostos terroristas. E, seguramente, por tal procedimento, não serão abocanhados os fascistas, os reacionários violentos, os conservadores desvairados”, complementa.
Edson Passetti é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, onde também realizou os cursos de mestrado e doutorado e apresentou tese de Livre Docência, todos na área das Ciências Sociais.
Atualmente é professor no departamento de Política e no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da mesma universidade, onde ainda integra a equipe editorial da Revista Verve e, desde 1997, coordena o Núcleo de Sociabilidade Libertária - Nu-Sol.
O grupo se autodefine como uma associação de pesquisadores libertários voltados para problematizar relações de poder e inventar liberdades. Entre as publicações mais recentes do pesquisador estão Anarquismos & educação (Belo Horizonte: Autêntica, 2008), Anarquismo urgente (Rio de Janeiro: Achiamé, 2007) e Terrorismos (São Paulo: EDUC, 2006).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como se deu o processo de formação e aprovação do PL 101/15?
Foto: youtube.com
Edson Passetti - A aprovação pelo Senado do PL 101/15 segue a Constituição Federal quanto à regulamentação do terrorismo. De acordo com o “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. O PL 101/15 disciplina o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais, reformula o conceito de organização terrorista e altera as Leis nºs 7.960, de 21 de dezembro de 1989, e 12.850, de 2 de agosto de 2013. Na EMI nº 00125/2015 MJ MF, de 06/06/2015, os ministros José Eduardo Martins Cardozo e Joaquim Vieira Ferreira Levy expõem à presidenta do país o detalhamento sobre a nova compreensão de terrorismo, acompanhado das referidas leis a serem alteradas. A votação resultou em 34 votos pelo sim, 18 pelo não, com zero abstenção, e o voto favorável do presidente do senado. Os partidos que recomendaram o não foram: PSB, PT, PSB, PCdoB, REDE. Os senadores que votaram não ao PL 101/15 foram dos seguintes partidos: PSB, PDT (2 de 4), PT (nem todos), PR (1 de 3) REDE e PCdoB.
IHU On-Line - Que avaliação faz da aprovação do PL 101/15, conhecido como Lei antiterrorismo no Senado? Que fatores e motivações contribuíram para a aprovação da lei até o momento?
Edson Passetti - É preciso deixar claro que ao se falar de liberdade no capitalismo se está dizendo, antes de tudo, segurança para essa liberdade. Portanto, a democracia no capitalismo não é determinante, mas uma variável no governo do Estado. Do mesmo modo, a democracia representativa e pluralista jamais estará isenta de dispositivos de exceção. Dito isso, o terrorismo sempre é definido pelo Estado como uma prática que lhe é exterior e contra seu governo; que visa alterá-lo e, no limite, abolir o Estado. Dessa maneira, tudo o que não for reconhecido pelo Estado e pelas forças que o sustentam como legal, normal ou legítimo fica passível de ser compreendido como prática terrorista. Reconhece-se, porém, como um levante legítimo aquele que visa alterar o exercício do soberano pelo fato de ele exorbitar em suas prerrogativas. É o jogo político das forças envolvidas e reconhecidas no âmbito parlamentar que autoriza qualificar uma contestação como terrorista e outra como levante legítimo.
Os levantes do século XXI
O chamado terrorismo em solo nacional se esgotou no século XX. Um novo terrorismo transterritorial, inaugurado pelo Al Qaeda e dimensionado hoje em dia pelo Estado Islâmico, acionou novas relações internacionais relativas ao chamado combate ao terrorismo. Entretanto, o chamado perigo interno está cada vez mais presente a partir do momento em que diversos agrupamentos voluntários que emergiram no interior dos movimentos de protestos planetários se comunicam intensamente por meio de redes eletrônicas apresentando condutas políticas e atitudes antipolíticas transterritoriais. Os Estados-nação, por meio de capturas e revisões nas formas de participação, procuram incorporar as recentes contestações, mas são incapazes de tragar todas elas.
Assim, de um lado, investem no controle monitorado do terrorismo transterritorial que visa ocupar ou criar um novo Estado, agregando territórios em novas fronteiras (EI), e, de outro lado, precisam demarcar, imediatamente, um ponto de contenção jurídico-político para protestos e levantes de teor antipolítico, cujo alvo imediato chama-se black bloc. A nova lei antiterrorismo no Brasil pretende responder a essas novidades sintonizadas como a comunicação informacional.
Repare que essas inovações legais já foram realizadas em outros países sempre em direção a dois pontos: o terrorismo transterritorial identificado com o fundamentalismo islâmico e as ações de rua relacionadas aos anarquistas. Foi assim no Reino Unido em 2000, com “Terrorism Act 2000”, que visava o movimento antiglobalização; nos EUA em 2001, com “Patriot Act”; na Grécia em 2008, visando os koukoloforos; mais recentemente na Espanha, com a Lei Mordaça, uma nova lei antiterrorismo e a Operação Piñata, que mantém mais de 60 anarquistas presos e/ou processados.
“A democracia no capitalismo não é determinante, mas uma variável no governo do Estado” |
IHU On-Line - Quais são os pontos mais polêmicos do texto aprovado no Senado? O que o PL entende por "atos de terrorismo"?
Edson Passetti - Não se trata de isentar um ou outro ponto ou de justificar alguns deles. A aplicação da lei é de direito do soberano, da mesma forma que ela encontra na normatividade das relações sociais seu ponto justo de aplicação. Há uma sociedade que deseja cada vez mais seguranças, punições, monitoramentos, penalizações e que crê ser assim, porque sempre foi e será a vida normal. O cidadão, majoritariamente, crê tanto no Estado como no pastor, em seus condutores civis, militares, comunitários e religiosos. Por isso, mesmo o art. 2º desta lei situa claramente seus alvos:
1. os/as que podem pôr em perigo parte da humanidade com uso de gases, venenos e conteúdos biológicos, químicos e nucleares (e não esqueçamos que o monopólio de manejo desses produtos é legal e legítimo pelo Estado, e por empresas por ele autorizadas, sob circunstâncias determinadas);
2. as/os manifestantes que atentam contra o patrimônio capitalista travestido de público ou escancaradamente privado (bancos, transportes etc.), ou seja, a segurança da propriedade privada e de seu mercado;
3. os/as que invadirem bancos de dados;
4. as/os que interferirem nas garantias de propriedade por meio de sabotagem ou ocupação temporária, interceptando a circulação de mercadorias ou de pessoas (portanto, interferirem na segurança dos fluxos de circulação capitalista);
5. os/as que atentarem contra a integridade física de pessoas (logo, a violência policial nada mais é do que legítima conduta naturalizada; e qualquer um(a) pode ser guindado(a) à categoria de terrorista em uma manifestação).
Enfim, estão isentos todos os indivíduos e movimentos que agirem em manifestações de forma ordeira no intuito de colaborar para o equacionamento de reivindicações (assim sendo, a lei não atinge os movimentos sociais até que o jogo político assim o desejar). O restante da lei contém a mesma obviedade das leis de segurança em qualquer regime político, além da inclusão de complementos à penalidade quando se provocarem danos ambientais (e aqui estão excluídos todos os efeitos positivados para o desenvolvimento sustentável e as tragédias que levam vidas decorrentes destes benefícios). As penas, como sempre, serão cumpridas em presídios de segurança máxima (mais um ponto para a indústria do controle do crime).
IHU On-Line - Quais são os interesses em aprovar o PL e por que ele é votado em caráter de urgência? Há tal necessidade?
Edson Passetti - Quem define as necessidades são as forças políticas no ambiente político. Portanto, é a sociedade que o deseja não só por meio de seus representantes. Não é incomum lermos, vermos ou ouvirmos que é necessário dar um basta à baderna. A essa baderna claramente definida, inclusive nas mídias, que não tratam mais o black bloc a não ser como vândalos, agregando essa qualificação a qualquer conduta diferencial à ordem. Assim, as surpreendentes agitações no decorrer de uma mobilização podem vir a caracterizar um movimento intencionalmente ajustado à ordem e portador de uma estratificação a ser investigada para se identificar supostos terroristas. E, seguramente, por tal procedimento, não serão abocanhados os fascistas, os reacionários violentos, os conservadores desvairados.
Para estes sempre haverá uma justificativa fundamentada na reação inesperada de vítima. O que é necessário para o Estado não necessariamente o é para cada cidadão, mas, quando homogeneizados, os cidadãos se sentem seguros, ainda que seja para marchar como trabalhadores pelo regime liberalizante de seu patrão. O bom para a maioria dos cidadãos ditos “de bem” é ter patrão, polícia e condutores moralizantes. Essa é a urgência e a necessidade de Estado sob quaisquer circunstâncias. E na atual, sob a justificativa do momento, a urgência da legislação brasileira sobre terrorismo está vinculada aos argumentos condicionantes dos organismos internacionais devido à realização das Olimpíadas no Rio de Janeiro, em 2016.
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“Quem define as necessidades são as forças políticas no ambiente político” |
IHU On-Line - Caso o PL seja aprovado, há riscos de criminalização dos movimentos sociais? Quais são as brechas da lei que possibilitariam esse tipo de criminalização?
Edson Passetti - Note o argumento dos dois ministros no encaminhamento à presidenta: “7. Com isso, a organização terrorista será caracterizada por três elementos: o fundamento da ação, a forma praticada e o fim desejado pelo agente.
Dessa forma, conseguimos afastar qualquer interpretação extensiva que possa enquadrar como ação terrorista condutas que não tenham esse perfil. 8. Uma importante inclusão é a existência de uma causa excludente para as manifestações políticas, sociais ou sindicais, movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender ou buscar direitos, garantias e liberdades individuais”.
Qualquer movimento colaboracionista com o Estado e os patrões não correrá perigo. Porém, nem sempre o que se prevê acontece no calor da mobilização. Eis o risco para o confortável cidadão, o militante profissional ou o emergente da hora. Com ou sem direitos humanos.
IHU On-Line - Que implicações o PL pode gerar para a democracia e para as liberdades, caso seja sancionado? Que consequências sociais vislumbra caso o PL seja aprovado?
Edson Passetti - A democracia sob a qual vivemos precisa de leis como essa. Mas pode delas prescindir, claro. Trata-se de saber como o jogo de forças será conduzido. Entretanto, lanço mão novamente do informe dos dois ministros: “5. As alterações foram feitas, em regra, na Lei nº 12.850, de 2013, conhecida como Lei das Organizações Criminosas. Isto porque permitirá uma aplicação imediata de instrumentos de investigações previstas ali, como a colaboração premiada, agente infiltrado, ação controlada e acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações”.
Enfim, note bem, trata-se de controle monitorado sobre cada potencial suspeito, delação premiada (tão em uso atualmente para os gestores do capital) sempre estendida em seu próprio benefício, pretendendo com isso arruinar com as chamadas convicções políticas, mas que podem se deparar com o inevitável boicote, mesmo sob violências (ilegais ou ilegítimas), daqueles(as) que realizam sua atitude antipolítica, ou mesmo dos(as) que não se deixam convencer por prêmios aos alcaguetes.
A delação premiada funciona muito bem entre os gestores do capital: é para eles; não antevejo resultados semelhantes de quem nela não crê (algo similar ao que se passou com presos políticos no regime ditatorial civil-militar que honrosamente se negaram a “abrir o bico” e que ocorre, também, todo dia em delegacias). Minha preocupação é saber se o militante profissional dos movimentos saberá lidar de modo pluralista com os que dele se diferenciam de modo tonitruante; se será audaz em se desvencilhar dos fascistas, reacionários e infiltrados, essa parcela do exército de reserva de poder do Estado; e se recusará a delação premiada. Tudo poderá ser alterado se o PL 101/15 desaparecer das intenções da presidenta. Ela sabe, tão bem quanto muitos de nós, que a liberdade depende mais de democracia do que de segurança; que, muitas vezes, a decisão majoritária está equivocada; que não se deve negligenciar minorias (majoritárias ou potentes). E que nada é fixo, constante e imutável.
Por Patricia Fachin e Ricardo Machado
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O sacrifício da democracia no altar do Capital. Entrevista especial com Edson Passetti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU