05 Setembro 2014
“Imagina-se que através de Marina seja possível repudiar a política real (apoios ‘fisiológicos’, amplas maiorias, sistemas de corrupção), os partidos tradicionais, ‘tudo isso que aí está’”, comenta o cientista político.
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O crescimento de Marina Silva nas pesquisas eleitorais é uma consequência e uma “repercussão das manifestações de junho de 2013”, avalia Adriano Codato em entrevista à IHU On-Line. “Uma política de carreira”, menciona, Marina “conseguiu encarnar a figura da política pura em meio aos impuros e apresentar-se como a promessa de redenção dos males nacionais repetindo um chavão sem conteúdo: ‘reforma política’”. Para ele, uma terceira via na política brasileira a partir da eleição de Marina, “que é uma costela do PT, diga-se de passagem, só conseguirá, porém, firmar-se como força política (e não simplesmente eleitoral) se conseguir eleger também uma bancada razoável na Câmara dos Deputados (bem acima dos atuais 5%), governadores nos estados, etc.”. E acrescenta: “Será inevitável aceitar, caso Marina vença, o desembarque maciço da tropa do PMDB, a aproximação e, tão logo seja decente, o casamento com o PSDB e, quem sabe o futuro, até mesmo a ressurreição do DEM”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o cientista político enfatiza que “a despeito das paixões de seus torcedores, Marina Silva não reinventará a política nacional. Pelo contrário, ela reforça os regulamentos e as práticas existentes. Utiliza todos os recursos tradicionais da tradicional política brasileira: migração entre partidos, personalismo, alianças multipartidárias (logo, ‘não ideológicas’), apoios heterodoxos. O interessante é que ela faz tudo isso dizendo que não o faz, e ampla parcela dos eleitores desiludidos com a velha política acredita”.
Codato enfatiza ainda que, após as manifestações de junho do ano passado, é possível observar que 30% do eleitorado segue “fiel ao governo” petista: “os muito pobres, aqueles que ganham menos de dois salários mínimos, mulheres pretas e pardas, com baixa escolaridade, de regiões menos desenvolvidas economicamente — aqueles que, enfim, precisam dos programas sociais”. De outro lado, os que ascenderam socialmente nos últimos dez anos “trombaram contra a exasperante ineficiência dos serviços públicos e privados brasileiros e debitaram na conta do governo federal a miséria da saúde, do transporte, da segurança, etc.”, conclui.
Adriano Codato é graduado em Ciências Sociais, com ênfase em Ciência Política, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de Campinas - Unicamp. Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná - UFPR, é fundador e editor da Revista de Sociologia e Política e um dos coordenadores do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da UFPR. Também atua no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da universidade. Atualmente, dedica-se ao estudo dos processos de recrutamento da classe política brasileira e coordena o Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. É autor de, entre outros, Sistema estatal e política econômica no Brasil pós-64 (São Paulo: Hucitec, 1997), o qual foi premiado na categoria melhor Dissertação de mestrado, conferido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS em 1996, recebendo o Prêmio José Albertino Rodrigues.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line - Como se redesenha o cenário eleitoral e o quadro partidário com a candidatura de Marina e seu crescimento nas pesquisas?
Adriano Codato - Com a confirmação dos resultados das pesquisas de intenção de voto nas eleições de outubro, pode surgir, e talvez se consolidar, uma terceira força efetiva entre PSDB e PT. Esses dois partidos foram os protagonistas da segunda fase do processo de democratização brasileira e desde 1994 polarizaram, em torno de seus governos, a cena política nacional. Essa terceira via, que é uma costela do PT, diga-se de passagem, só conseguirá, porém, se firmar como força política (e não simplesmente eleitoral) se conseguir eleger também uma bancada razoável na Câmara dos Deputados (bem acima dos atuais 5%), governadores nos estados, etc.
IHU On-Line - É possível vislumbrar novas alianças por conta da candidatura de Marina?
Adriano Codato - Com a passagem do candidato do PSDB para o terceiro lugar, a direita política, os setores conservadores das camadas médias tradicionais, os rentistas, os donos das empresas de comunicação, seus jornais e seus portais, terão de cavar seu espaço junto à candidata postiça do PSB. Como por imposição do nosso sistema político não se governa sem uma grande coalizão de apoio no Congresso, será inevitável aceitar, caso Marina vença, o desembarque maciço da tropa do PMDB, a aproximação e, tão logo seja decente, o casamento com o PSDB e, quem sabe o futuro, até mesmo a ressurreição do DEM. Bruno Bolognesi, professor de Ciência Política da UNILA, especulou que sua bancada deve admitir, no início, PSB, PPS, PSD, PROS, mais umas 20 cadeiras dos partidos nanicos de direita. Isso, contudo, não chegaria nem perto dos 50% do Congresso. Daí o apelo às forças políticas “tradicionais” ser não só inevitável, mas esperável.
IHU On-Line – Como avalia a euforia em torno de Marina? Há em sua candidatura mais uma imagem simbólica do que uma proposta política?
“O ‘ambiente virtual’ (redes sociais, blogs, etc.) converteu-se no canal de expressão de todo o autoritarismo, em sentido amplo, da sociedade brasileira”
Adriano Codato - A despeito das paixões de seus torcedores, Marina Silva não reinventará a política nacional. Pelo contrário, ela reforça os regulamentos e as práticas existentes. Utiliza todos os recursos tradicionais da tradicional política brasileira: migração entre partidos, personalismo, alianças multipartidárias (logo, “não ideológicas”), apoios heterodoxos. O interessante é que ela faz tudo isso dizendo que não o faz e ampla parcela dos eleitores desiludidos com a velha política acredita — ou se obriga a acreditar — nela, uma vez que ou não tolera o PT, ou não se reconhece no candidato janota do PSDB. Marina Silva é uma terceira via eleitoral entre esses dois grandes partidos. Se o seu eventual governo será uma coisa diferente dos governos de ambos, isso já é um mistério.
IHU On-Line - As posturas ideológicas dos três candidatos aparecem em seus projetos políticos ou nos partidos políticos correspondentes? O senhor consegue perceber quais são os projetos políticos dos três candidatos e quais são os principais problemas e equívocos em relação à prática política e à proposta política teórica?
Adriano Codato - Sim, as propostas são claras e os respectivos projetos de país também. Isso necessariamente não está nos “programas de governo”, uma vez que esses têm de ser genéricos o suficiente para não comprometer apoios nem se comprometer com metas rígidas. Mas as declarações à imprensa, as posições assumidas nos debates e os programas do HGPE são claros o suficiente para desenhar o perfil das três forças.
IHU On-Line - Em que aspectos é possível perceber diferenças e semelhanças nos projetos políticos dos três candidatos?
Adriano Codato - Em vários temas e principalmente em temas de economia: Marina e Aécio estão alinhados com a radicalização da santíssima trindade do capital financeiro — metas de inflação, câmbio flutuante e o uso ainda mais pronunciado da taxa de juros para o controle da inflação —, e Dilma, com a agenda neodesenvolvimentista do PT. A “independência do Banco Central” em relação ao sistema político e aos seus eleitores também é um divisor nesse campo.
Foto: tvdoservidorpublico.com |
IHU On-Line - Como interpreta o apelo pela “mudança” nas três candidaturas?
“Marina e Aécio estão alinhados com a radicalização da santíssima trindade do capital financeiro — metas de inflação, câmbio flutuante e o uso ainda mais pronunciado da taxa de juros para o controle da inflação —, e Dilma, com a agenda neodesenvolvimentista do PT”
Adriano Codato - Aécio, ao menos no começo de sua campanha, tentou dizer que a mudança simbolizada por ele era uma espécie de volta para trás, para a agenda neoliberal dos anos 1990 do governo Cardoso. Para Dilma, mudança é “fazer ainda mais pelo social”, esses slogans publicitários, e Marina parece encarnar a mudança como a redenção de todos os males políticos nacionais.
IHU On-Line - Nos últimos anos, aponta-se no Brasil uma melhora em relação à renda, por conta do aumento do salário mínimo e de programas como o Bolsa Família, maior facilidade em relação ao acesso a crédito, políticas direcionadas ao ingresso nas universidades, apesar de muitos especialistas em educação questionarem tanto a qualidade do ensino nas universidades quanto o processo que deu origem à abertura de inúmeras universidades particulares no país. Mas, em contrapartida, em junho de 2013 emergiram as manifestações de rua, sinalizando uma insatisfação com o transporte, com a saúde, com os serviços públicos em geral. Considerando essas questões, as políticas sociais do governo petista ainda terão um peso relevante nas eleições e serão suficientes para garantir a reeleição de Dilma? Qual será o impacto dessas políticas sociais neste ano?
Adriano Codato - Análises sobre a demografia social do voto no PT e das intenções de voto em Dilma em 2014 enfatizam que quem segue fiel ao governo são os muito pobres, aqueles que ganham menos de dois salários mínimos, mulheres pretas e pardas, com baixa escolaridade, de regiões menos desenvolvidas economicamente — aqueles que, enfim, precisam dos programas sociais. Esse contingente, em torno de 30% do eleitorado, deverá permanecer fiel ao governismo no primeiro turno. A mudança no apoio ao governo do PT se dá, conforme as sondagens, naquele grupo de pessoas que ganha entre 2 e 5 salários mínimos e que ascendeu socialmente nos últimos 10 anos. Essas pessoas trombaram contra a exasperante ineficiência dos serviços públicos e privados brasileiros e debitaram na conta do governo federal a miséria da saúde, do transporte, da segurança, etc. O PT, por sua vez, ou o governo em geral, perdeu uma excelente oportunidade para propor uma reforma não liberal do Estado brasileiro.
IHU On-Line - Em junho de 2013 e ainda neste ano, foram feitas várias análises em torno das manifestações de rua, especialmente por conta da insatisfação política oriunda dos protestos e por causa da recusa dos manifestantes às bandeiras políticas. Nesse contexto, é possível vislumbrar qual será o impacto tanto da insatisfação quanto da renegação aos partidos nas eleições deste ano? É possível estimar se essas manifestações terão algum impacto na disputa eleitoral? Em que sentido?
Adriano Codato - Penso que a repercussão das manifestações de junho de 2013 já está sendo sentida pelo sistema político e pelos seus protagonistas. Marina Silva, uma política de carreira, conseguiu encarnar a figura da política pura em meio aos impuros e apresentar-se como a promessa de redenção dos males nacionais repetindo um chavão sem conteúdo: “reforma política”. Imagina-se que através dela seja possível repudiar a política real (apoios “fisiológicos”, amplas maiorias, sistemas de corrupção), os partidos tradicionais, “tudo isso que aí está”, enfim. A juventude despolitizada de 2013 parece ter encontrado sua redentora.
IHU On-Line - Como o senhor vê as discussões políticas que parecem dividir os partidos políticos brasileiros entre progressistas e conservadores? No que se refere à proposta política, é possível fazer essas distinções genéricas? Ainda nesse sentido, como enquadra os três partidos que estão disputando as eleições?
“Se ‘a educação’, ‘a sociedade do conhecimento’ são tão centrais, como se gosta de afirmar, esse ponto mereceria um desenvolvimento bem maior por parte dos partidos”
Adriano Codato - Vejo essa divisão como correspondendo à realidade. Quer se tome as propostas dos candidatos, quer se tome os programas dos partidos, quer se tome os comportamentos dos parlamentares nas votações no Congresso, quer se tome, enfim, as políticas dos governos do PSDB e do PT, a diferença de projetos é muito clara. O PSB não pode, evidentemente, mostrar a que veio, mas o apelo conservador da candidatura Marina e sua defesa de valores religiosos torna o jogo muito mais claro nessa altura do campeonato.
IHU On-Line - O que falta no debate político brasileiro?
Adriano Codato - Faltam a meu ver duas coisas fundamentais para uma sociedade e uma política democráticas: tolerância diante das posições adversárias e capacidade de defender a sua própria posição utilizando argumentos no lugar de insultos. O “ambiente virtual” (redes sociais, blogs, etc.) converteu-se no canal de expressão de todo o autoritarismo, em sentido amplo, da sociedade brasileira.
IHU On-Line - Que temas urgentes estão sendo ignorados pelos candidatos à presidência?
Adriano Codato - Um colega, o cientista político Emerson Cervi, da UFPR, leu e analisou os programas de governos dos três candidatos principais registrados no TSE e constatou a ausência quase completa de qualquer discussão ou projeto para a universidade brasileira. Segundo ele, “Dilma Rousseff cita o termo ensino superior duas vezes e universidade sete vezes”, fala muito das suas realizações, mas não diz nada do que será feito num eventual segundo mandato. Aécio Neves “cita o termo ensino superior cinco vezes e universidade dez vezes. Propõe articulação com iniciativa privada para ampliar número de vagas e sugere de maneira muito abstrata sistemas de avaliação e medição de qualidade no sistema”. E Marina Silva “cita o termo três vezes. Propõe ampliação da política de cotas, propõe medidas para permanência na universidade e promete garantir o acesso democrático ao ensino superior”. Tudo isso é muito vago e confirma a perda de protagonismo da Universidade brasileira. Se “a educação”, “a sociedade do conhecimento” são tão centrais, como se gosta de afirmar, esse ponto mereceria um desenvolvimento bem maior por parte dos partidos.
(Por Patricia Fachin)
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“A juventude despolitizada de 2013 parece ter encontrado sua redentora”. Entrevista especial com Adriano Codato - Instituto Humanitas Unisinos - IHU