15 Setembro 2012
“O tabaco é responsável por aproximadamente seis milhões de mortes evitáveis em todo o mundo”, informa a socióloga.
Confira a entrevista.
“Existe todo um sistema instalado que vende a ideia de que a única cultura que gera renda no campo é a cultura do fumo. Esse debate é complexo e passa pela discussão sobre diversificação e autonomia de pequenas propriedades rurais”. É assim que Paula Johns (foto), socióloga da Aliança de Controle do Tabagismo – ACT, resume a “dependência” dos agricultores brasileiros pela cultura de fumo.
Nos últimos cinco anos o BNDES emprestou 336 milhões de reais para a agroindústria do fumo, e cerca de 22,4 milhões para os fumicultores diversificarem as culturas agrícolas. Esses dados demonstram, segundo Paula, uma situação complexa, onde há, de um lado, “uma indústria extremamente rica que controla toda uma cadeia produtiva e não quer interferência que possa vir a afetar o seu negócio e, de outro, milhares de agricultores familiares que gostariam de produzir alimentos em vez de fumo, mas que estão inseridos num contexto social dominado por essa indústria”. E dispara: “Hoje no campo, o agricultor tem muito pouca autonomia, não tem poder de barganha na negociação de preço e está dependente dessa cadeia produtiva”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Paula Johns comenta a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco – CQCT, acordo do qual o Brasil é signatário desde 2005, e assegura que “ao longo do processo de negociação da CQCT, o Brasil exerceu um papel de liderança internacional (...) e tem avançado em relação às políticas de proteção a saúde de não fumantes, como no caso das leis antifumo que vem sendo extremamente bem sucedidas e já trazem ganhos significativos para saúde de milhões de trabalhadores brasileiros”. Apesar dos esforços de combater o tabagismo, menciona, “muitas coisas ainda podem e devem melhorar, como a coerência interna do governo brasileiro em relação ao tema, principalmente no que diz respeito à interferência indevida dos interesses da indústria do tabaco nas políticas de controle do tabagismo”.
Paula Johns é socióloga e mestre em Estudos do Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Roskilde, Dinamarca. Em 2006, criou a Aliança de Controle do Tabagismo – ACT em prol da promoção e implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco no Brasil – CQCT.
A ACT é uma rede formada por diversas organizações, monitora o desenvolvimento do CQCT e seus protocolos no país, compara as análises anuais de identificação das principais medidas antitabaco que estão sendo implantadas e visualiza o grau de comprometimento do governo em relação a elas, acompanhando os diversos ministérios envolvidos na Comissão Interministerial para sua implantação. Também realiza audiências públicas, atividades de mobilização local em datas pontuais, envio de cartas aos legisladores e outras ações que objetivam proteger as gerações presentes e futuras das devastadoras consequências do consumo de cigarros, referente a fumantes tanto ativos como passivos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco – CQCT surgiu para reduzir e prevenir o uso de tabagismo no mundo. Desde que ela foi assinada, é possível perceber algum avanço nesse sentido?
Paula Johns (foto) – Certamente. A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco – CQCT está alavancando a adoção de medidas de controle do tabagismo em todo o mundo. Vários países vêm adotando medidas de ambientes 100% livres de fumo, imagens de advertências nos maços, aumentando preços e impostos, restringindo ou proibindo completamente a publicidade, promoção e patrocínio de produtos do tabaco, entre outras. A medida mais avançada em termos de restrição da publicidade é a de embalagens genéricas para os cigarros adotada na Austrália e que entra em vigor em dezembro de 2012. A embalagem de cigarro é também uma forma de propaganda. Outros países como Noruega, Tailândia e várias províncias canadenses já adotaram a proibição da exposição das embalagens nos pontos de venda, os cigarros são colocados em gavetas ou armários fechados longe da vista de crianças e adolescentes.
O conjunto de medidas previstas na Convenção-Quadro vem contribuindo muito para a conscientização em relação aos impactos negativos do consumo de produtos derivados do tabaco e a consequente queda na prevalência de consumo entre os países que já implementaram essas políticas públicas de saúde. O tabagismo é o principal fator de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, que são as doenças que mais matam no mundo hoje. Só o tabaco é responsável por aproximadamente seis milhões de mortes evitáveis em todo o mundo.
IHU On-Line – Como o Brasil tem se portado diante da Convenção-Quadro do Tabaco? O país considera as recomendações do acordo internacional assinado em 2005?
Paula Johns – Ao longo do processo de negociação da CQCT, o Brasil exerceu um papel de liderança internacional e começou a adotar algumas das medidas em negociação, como a adoção de imagens de advertência. Nos últimos anos também tem avançado em relação às políticas de proteção a saúde de não fumantes, como no caso das leis antifumo, que vêm sendo extremamente bem sucedidas e já trazem ganhos significativos para saúde de milhões de trabalhadores brasileiros.
O Brasil é pioneiro em relação à proibição de sabores e aromas nos cigarros, elementos que facilitam a iniciação no tabagismo entre os jovens. A Anvisa aprovou resolução em março de 2012. Ela entra em vigor em 2013. Esse é o exemplo de uma política de prevenção extremamente importante, uma vez que 60% dos adolescentes se iniciam no tabagismo através de cigarros com sabores, em especial os mentolados. O Brasil também conta com a criação da Comissão Interministerial para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco – CONICQ, que é um órgão composto por mais de uma dezena de ministérios e que tem como missão a boa implementação do tratado no país. Muitas coisas ainda podem e devem melhorar, como a coerência interna do governo brasileiro em relação ao tema, principalmente no que diz respeito à interferência indevida dos interesses da indústria do tabaco nas políticas de controle do tabagismo.
IHU On-Line – Em que países a fumicultura é mais rentável? No caso específico do Brasil, quais são os estados que mais plantam fumo?
Paula Johns – Essa questão da renda da fumicultura é um tema bastante complexo, pois não se pode descolar a questão da renda da qualidade de vida e da autonomia dos agricultores. Existem várias externalidades ambientais e muitas consequências à saúde de quem produz, fatores que não podem ser ignorados. No Brasil os estados que mais plantam fumo são os três estados da região sul.
IHU On-Line – Qual é a maior implicação da indústria do tabaco?
Paula Johns – A indústria do tabaco está fazendo o que pode para manter seu negócio o mais lucrativo possível, o que implica criar obstáculos em relação às medidas que possam vir a reduzir o consumo de seus produtos. O que é lucrativo para a indústria não é necessariamente lucrativo para os agricultores familiares que dependem do cultivo do tabaco para subsistência. A cadeia produtiva do fumo causa dependência de quem o cultiva, assim como a nicotina causa dependência em seus usuários. Isso é um bom negócio para a indústria.
IHU On-Line – Segundo notícias da imprensa, o BNDES emprestou 336 milhões de reais à agroindústria do fumo nos últimos cinco anos, e somente 22,4 milhões de reais para ajudar pequenos fumicultores a diversificar as culturas agrícolas. Como compreender esses dados e o incentivo público em empresas que produzem produtos que geram diversos problemas de saúde?
Paula Johns – Esse tema é complexo. De um lado, você tem uma indústria extremamente rica que controla toda uma cadeia produtiva e não quer interferência que possa vir a afetar o seu negócio e, de outro, você tem milhares de agricultores familiares que gostariam de produzir alimentos em vez de fumo, mas que estão inseridos num contexto social dominado por essa indústria. De certa forma, o governo se acomoda nesse cenário ao não adotar políticas públicas mais eficazes para atender à demanda desses agricultores.
IHU On-Line – Pode-se dizer que o Brasil tem uma política de incentivo à plantação de fumo? Quais são as medida que evidenciam esse incentivo ao setor?
Paula Johns – A resposta é sim. Os mecanismos de crédito existentes beneficiam a agroindústria do fumo. Há uma Câmara Setorial do Tabaco dentro do Ministério da Agricultura cujo objetivo é fomentar sua produção. O Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior é outro ministério que costuma se posicionar a favor da exportação de fumo. Existe uma série de incentivos fiscais para a indústria do fumo. Entre outros.
IHU On-Line – Apesar de reconhecerem os riscos e as implicações do fumo para a saúde, diversos agricultores alegam não ser possível abondar a produção agrícola de fumo. Por quais razões eles persistem nessa cultura? Ela é mais rentável?
Paula Johns – Existe todo um sistema instalado que vende a ideia de que a única cultura que gera renda no campo é a do fumo. Esse debate é complexo e passa pela discussão sobre diversificação e autonomia de pequenas propriedades rurais. No campo o agricultor tem muito pouca autonomia, não tem poder de barganha na negociação de preço e está dependente dessa cadeia produtiva. Pode ser fazer uma analogia com o fumante que deseja parar de fumar e não consegue; ele precisa de ajuda, o agricultor precisa de políticas públicas para o campo que viabilizem uma agricultura familiar que seja boa para as famílias produtoras. Isso vale também para a produção de alimentos. O agricultor é o elo mais fraco da cadeia produtiva.
IHU On-Line – Quais são as alternativas agrícolas para os agricultores que hoje se dedicam à plantação de fumo?
Paula Johns – Existem várias iniciativas isoladas que vêm trazendo resultados muito positivos para os agricultores. Você tem agricultores que se dedicam à produção de alimentos diversificada de base agroecológica com canais diretos de comercialização que rendem muito mais do que o fumo, além de representar uma maior qualidade de vida.
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Indústria do tabaco: ''O agricultor é o elo mais fraco da cadeia produtiva''. Entrevista especial com Paula Johns - Instituto Humanitas Unisinos - IHU