01 Outubro 2011
O Plano Nacional de Banda Larga proposto pelo governo federal brasileiro pretende expandir o acesso à internet banda larga a 40 milhões de pessoas no país. Mas as negociações do Ministério de Comunicações com as operadoras de telecomunicações têm causado mal-estar entre os defensores da neutralidade na internet. Entre eles, Marcelo D’Elia Branco, ativista pela liberdade do conhecimento e ex-diretor da Campus Party Brasil, critica o "acordo" prévio do Plano Nacional de Banda Larga.
"O principal erro desse acordo é a tentativa de fazer com que as teles recebam dinheiro pelo volume de conteúdos acessados pelo usuário. Até hoje, dentro da lógica de funcionamento da internet, quem pode cobrar pelos conteúdos na rede é o gerador de conteúdo e não as operadoras. A partir do acordo firmado com o Ministério das Comunicações, as teles, além de ganharem pela largura da banda que oferecem, pela velocidade de transmissão, passarão a limitar a quantidade de conteúdo que o usuário pode baixar durante o mês", explica ele na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone.
Branco também defende que estados e municípios participem do Plano Nacional de Banda Larga, já que os governos estaduais e municipais são os que mais gastam com serviço de telecomunicações e acesso à internet. "Qual vai ser a participação do estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, no Plano Nacional de Banda Larga, visto que têm estruturas da Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE, da Cia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul – Procergs? O governo do estado tem investido muito dinheiro com serviços de Telecomunicações. (...) Se uma empresa tem uma conta gigantesca com um fornecedor, ela tem o poder de barganhar algumas vantagens em uma negociação. Com certeza o maior cliente de Telecom do Rio Grande do Sul é o governo do estado. Então, qual é o papel do governo Tarso nessa discussão?"
Marcelo D’Elia Branco foi por três anos diretor da Campus Party Brasil. Consultor para sociedade da informação, ele é fundador e membro do projeto Software Livre Brasil e também ocupa o cargo de professor honorário da Cevatec – Peru, além de ser membro do conselho científico do Programa Internacional de Estudos Superiores em Software Livre, na Universidade Aberta de Catalunha. Seu blog pode ser acessado pelo link http://softwarelivre.org/branco.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que consiste o Plano Nacional de Banda Larga – PNBL? Quais as vantagens e desvantagens do Plano, considerando-se a realidade brasileira? Ele apresenta metas e garantia de qualidade?
Marcelo D’Elia Branco – O Plano Nacional de Banda Larga é uma grande expectativa em função da importância que tem a banda larga para o desenvolvimento do país. Não se trata apenas de uma questão de acesso à internet. Da mesma maneira que o Brasil precisa resolver a questão de infraestrutura dos aeroportos, dos estádios de futebol para a Copa, precisa definir por onde vão trafegar as informações e como a estrutura de banda larga irá se expandir pelo país.
A banda larga no Brasil é muito cara, de baixa qualidade e não chega a todos os lugares como deveria chegar. Expandir o acesso à internet é o grande desafio. O Plano Nacional de Banda Larga, anunciado desde o governo do presidente Lula, gerou uma enorme expectativa na sociedade e talvez seja um dos projetos mais esperados do governo da Dilma.
IHU On-Line – Como vê o acordo firmado entre o Ministério das Comunicações com empresas de telecomunicações para que elas toquem o Plano Nacional de Banda Larga, e a notícia de que as teles foram autorizadas a reduzir a velocidade se o usuário ultrapassar 300 megabytes de download por mês? Esse acordo põe em xeque a democratização da internet?
Marcelo D’Elia Branco – Tenho críticas em relação ao acordo, pois ele tem pontos muito ruins. O lado positivo do acordo é ofertar uma banda larga de 1 MB por 35 reais, porque isso força a concorrência a oferecer internet com mais velocidade por um preço menor. Algumas operadores estão oferencendo 1 MB por menos de 35 reais.
Por outro lado, o plano tem aspectos negativos. Um deles diz respeito a quanto de 1 MB é real. A Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel tem que regulamentar essa questão. Parece que a Anatel está trabalhando na perspectiva de garantir que 60% da banda vendida pelas operadoras seja garantida como banda real.
O principal erro desse acordo é a tentativa de fazer com que as teles recebam dinheiro pelo volume de conteúdos acessados pelo usuário. Até hoje, dentro da lógica de funcionamento da internet, quem pode cobrar pelos conteúdos na rede é o gerador de conteúdo e não as operadoras. A partir do acordo firmado com o Ministério das Comunicações, as teles, além de ganharem pela largura da banda que oferecem, pela velocidade de transmissão, passarão a limitar a quantidade de conteúdo que o usuário pode baixar durante o mês.
Essa possibilidade de limitar o acesso ao conteúdo quebra o paradigma da internet. O acordo define que 300 MB é o máximo que um usuário pode baixar no mês. Ao atingir 300 MB no mês, o usuário terá de navegar com uma velocidade muito baixa ou pagará um valor a mais à operadora para aumentar a velocidade de acesso à internet. Então, a operadora, além de cobrar pela velocidade, terá um taxímetro e cobrará pelo volume de conteúdo baixado – o qual não pertence a ela.
Esse acordo é inaceitável e o governo precisa revê-lo urgentemente, pois ele introduz um princípio de quebra da neutralidade na rede. As operadores de telecomunicação podem cobrar por qualidade de serviço, pela velocidade maior, mas não podem cobrar pelo volume de conteúdos que passam pela sua canalização.
1 MB não é compatível com a lógica da internet
O usuário do plano popular do governo (1 MB por 35 reais) terá duas alternativas: terá uma internet superlenta ou terá que pagar mais às operadoras para conseguir uma conexão mais rápida. Comercialmente, para as operadoras essa limitação de 300 megas no plano é um excelente negócio, porque certamente a maioria das pessoas contratará um montante extra. Espero que esse acordo das teles com a Ministério das Comunicações não seja um Plano de Banda Larga, mas sim uma primeira negociação do governo com as operadoras.
Quando falamos em 1 MB, estamos falando em download, ou seja, o quanto a pessoa terá de banda para baixar um arquivo. 1 MB tem apenas 128k de subida de sinal, o que significa isso? 128k é uma velocidade muito baixa dentro da lógica da internet, a qual não serve mais somente para ler e-mail e visitar sites. Hoje em dia, a internet é 2.0, é interativa, e os usuários da rede cada vez mais postam conteúdo. Com 128k é muito difícil postar vídeos no YouTube. O ideal é que a rede seja simétrica, que se tenha a mesma possibilidade e qualidade de baixar e postar conteúdos.
Lobby para acabar com a neutralidade da rede
Na semana passada iniciou-se um lobby muito forte em torno das teles. No Futurecom, em São Paulo, Ethevaldo Siqueira, que sempre defendeu a privatização da Telebras, foi porta voz das teles na seguinte afirmação: "Não é mais possível a internet brasileira crescer sem frear, diminuir velocidade ou sobrepassar conteúdos de vídeo na rede".
O fluxo de informações que trafega dentro da internet não pode ser tratado de forma discriminada. Isto é, os conteúdos de dados que estão trafegando, seja audio, vídeo ou texto em linguagem html, não podem ter um tratamento diferenciado. Essa é a lei da internet. Todo arquivo que entra na rede disputa o tráfego com os demais conteúdos.
Antigamente, as operadoras de telecomunicações cobravam pelos serviços diferenciados: telefonia para São Paulo-SP custava um valor, telefonia para Canoas-RS, outro, vídeo tinha outro preço, etc. A internet não é uma rede de telecomunicações; ela veio para quebrar esse paradigma. A internet é neutra e esse é um princípio defendido por Tim Berners-Lee, o criador da web.
A afirmação de Ethevaldo Siqueira e a gritaria das teles aponta que há um lobby poderoso em cima do Ministério das Comunicações, em cima da Anatel, para que a neutralidade na rede seja abolida, para que não entre no Marco Civil como um direito do cidadão. As teles querem controlar o fluxo de informações dentro das redes. Assim, o vídeo do concorrente vai ser baixado de modo mais lento do que o vídeo do cliente da operadora, por exemplo.
IHU On-Line – Como vê o corte no orçamento da Telebras?
Marcelo D’Elia Branco – O corte do orçamento da Telebras é algo preocupante. Num primeiro momento, o governo da presidenta Dilma anunciou que a Telebras teria 1 bilhão de reais à disposição para investimento. A proposta orçamentária do governo enviada para o parlamento prevê um valor para aproximadamente 350 milhões de reais. Esse orçamento não reflete a prioridade do Plano Nacional de Banda Larga e o papel da Telebras nesse processo de expansão. O orçamento destinado à empresa deveria ser maior.
Quero deixar claro que não acredito e não defendo que todo o Plano de Banda Larga deva ser implementado somente pelo Estado ou pela Telebras. Conduzido pelo governo federal, o Plano Nacional de Banda Larga deve ser um esforço do poder público envolvendo as operadoras privadas com metas e obrigações claras, para que tenhamos uma banda larga mais barata e de qualidade.
Com a redução do orçamento da Telebras, a empresa não consegue estimular, através dos serviços prestados, para que suas concorrentes privadas baixem o preço da tarifa da internet. Quanto mais a Telebras tiver a possibilidade de construir uma infraestrutura que concorra com aquela das teles privadas, o custo de acesso à internet será barateado.
O Plano Nacional de Banda Larga é um plano estratégico para o governo da Dilma e, portanto, deveria constar no PAC. É estranho que um plano anunciado como prioritário no governo federal não conste no orçamento do PAC. Para a aceleração do crescimento do Brasil, a expansão da banda larga é importante. Recursos do PAC deveriam ser destinado para a melhoria da banda larga.
Lei geral das telecomunicações
Algumas pessoas pensam que o governo federal deveria mudar o regime de exploração de banda larga, que hoje é considerado um serviço de valor agregado, um serviço privado. Se fosse um regime público, na visão dos defensores, seria mais fácil para o governo controlar esse serviço e enquadrar as teles. Não concordo com essa ideia de que o regime público seria a melhor saída para enquadrar o serviço de banda larga, pois isso criaria uma burocracia e uma série de regras de como e quais empresas poderiam prestar serviço de banda larga no Brasil. Essa ideia do regime público coloca uma barreira muito grande para pequenos e médios provedores de serviços de banda larga no Brasil.
Conversei com Cezar Alvarez, do Ministério das Comunicações, e ele disse que o acordo com as teles não consiste em um Plano Nacional de Banda Larga. Aconteceu apenas uma primeira negociação, mas o governo terá que pressionar mais as teles porque, nessa primeira rodada de negociação, as teles sairam ganhando.
IHU On-Line – Além da falta de investimento na Telebras, o que tem dificultado a expansão e o barateamento da internet no Brasil?
Marcelo D’Elia Branco – O que tem dificultado o barateamento e a expansão da internet é a falta de interesse comercial das operadoras. Elas não têm interesse em atender regiões onde, comercialmente, não obterão lucros. Não existe nenhum mecanismo que enquadre as teles para que elas cumpram um plano de metas.
Por outro lado, a ação da Anatel em São Paulo-SP, por exemplo, não é boa. E estamos falando da capital mais importante do país. Os usuários dos planos de banda larga reclamam que a conexão da internet cai com frequência. Falta firmeza da Anatel para cobrar qualidade dos serviços oferecidos por operadoras privadas.
Não há como fazer um plano de banda larga, no Brasil, a curto ou a médio prazo sem contar com as operadoras. Mesmo que vários governos começassem a operar no setor de telecomunicações, na oferta de banda larga para os usuários finais, mesmo que tivesse orçamento sobrando para isso – o que não é a realidade –, demoraria muito tempo para que a banda larga chegasse até o usuário final. Não é fácil construir uma rede de banda larga com fibras ópticas e rádios em um país com as dimensões do Brasil.
IHU On-Line – Além da utilização de recursos privados, em que consiste um aperfeiçoamento do Plano Nacional de Banda Larga?
Marcelo D’Elia Branco – Deveria haver mais participação dos estados e municípios, que são os principais interessados no Plano Nacional de Banda Larga. Não vi, no Plano Nacional de Banda
Larga, investimentos e tampouco cobrança e controle em relação à banda larga dos estados e municípios. Participei da construção da primeira rede de banda larga de Porto Alegre em 1998, a qual funciona até hoje com uma conexão de 150 MB.
Qual vai ser a participação do estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, no Plano Nacional de Banda Larga, visto que têm estruturas da Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE, da Cia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul – Procergs? O governo do estado tem investido muito dinheiro com serviços de Telecomunicações. Por isso as contas, por exemplo, do Banrisul, da administração direta, das principais estatais em serviços de telecomunicações contratadas pelas operadoras privadas precisam ser um elemento de pressão em cima das operadoras para que elas prestem um serviço de melhor qualidade e com preços mais baratos. Se uma empresa tem uma conta gigantesca com um fornecedor, ela tem o poder de barganhar algumas vantagens em uma negociação. Com certeza o maior cliente da Telecom do Rio Grande do Sul é o governo do estado. Então, qual é o papel do governo Tarso nessa discussão?
IHU On-Line – A partir do Plano Nacional de Banda Larga, qual a expectativa em relação à inclusão digital?
Marcelo D’Elia Branco – As metas do governo de mais 40 milhões de pessoas terem acesso a banda larga é fantástico. Se o plano atingir as metas previstas, o Brasil será o país do futuro.
IHU On-Line – Quais são as principais reivindicações do Movimento Mega Não?
Marcelo D’Elia Branco – A neutralidade na rede é a nossa principal luta nesse momento. Nos Estados Unidos, o FCC, que é a Anatel deles, sofre também uma forte pressão para quebrar a neutralidade da internet.
Existe um lobby das operadoras de telecomunicações privadas para se quebrar a neutralidade. Há uma preocupação no Brasil de que a Anatel passe a regulamentar a internet. O comitê gestor da internet BRASIL é um exemplo de gestão para outros países e para a governança internacional da rede.
Quem gerencia a internet no Brasil é o Comitê Gestor, um órgão muito mais democrático, que é uma referência para outros países na gestão democrática da internet e modelo para a governança mundial da rede. O
comitê gestor conta com a participação dos empresários privados, da sociedade civil, dos governos e da academia.
Seria inadmissível que um órgão como a Anatel, que representa apenas um dos setores, passasse a regulamentar a internet no Brasil.
IHU On-Line – Qual sua expectativa em relação ao 1º Fórum da Internet no Brasil, que acontecerá nos dias 13 e 14 de outubro, em São Paulo?
Marcelo D’Elia Branco – A expectativa é a melhor possível. Esse é um Fórum importante, organizado pelo Comitê Gestor da Internet. A nossa principal luta é reafirmar a neutralidade na rede e o apoio ao Marco Civil da internet, que foi enviado pelo governo federal ao parlamento brasileiro. Este texto foi construído de forma colaborativa, com a participação da sociedade civil durante todo o ano de 2010.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Plano Nacional de Banda Larga: os limites da negociação. Entrevista especial com Marcelo D’Elia Branco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU