03 Dezembro 2009
Começa, no próximo dia 14, a Conferência Nacional de Comunicação, fruto de uma luta dos movimentos que defendem a democratização da comunicação que já dura muitos anos. A IHU On-Line conversou, por telefone, com Jonas Valente, do Intervozes, sobre as propostas que o governo pretende discutir, assim como os eixos centrais que devem fazer parte das discussões que serão realizadas neste evento. “A constatação clara, que existe por parte de todos os segmentos, é a necessidade de ter um novo marco regulatório, ou seja, precisamos modernizar a nossa legislação”, opinou.
Jonas Valente é jornalista, mestrando em Políticas de Comunicação na Universidade de Brasília. Já trabalhou no Movimento Nacional de Direitos Humanos, na Agência de Notícias Carta Maior e, atualmente, é integrante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, entidade que luta pela comunicação como direito humano.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como você avalia os principais pontos das propostas do governo federal para discussão durante a Confecom?
Jonas Valente – Em primeiro lugar, eu avalio que o conjunto de propostas do governo é bastante interessante. Havia uma expectativa sobre o que o governo apresentaria e até calcado num histórico de posições um pouco mais recuadas, e o que a gente viu foi um conjunto de proposições que se aproximam de uma agenda histórica pela democratização da comunicação. Vou dar um exemplo concreto: tem uma demanda histórica pela regulamentação da complementalidade entre os sistemas público, privado e estatal. O governo está propondo garantir a distribuição dos canais de rádio e televisão da seguinte forma: um terço para o sistema estatal, um terço para o sistema público e um terço para o sistema privado. Acho que essa é uma proposta bastante ousada e importante. No ponto sobre a produção de conteúdo, há um conjunto de mecanismos de fomento para produção alternativa, para estimular programas alternativos para jovens que abordem o direito das mulheres. Há bastante atenção nas propostas do governo na questão de gênero na mídia, seja a exploração da imagem da mulher na mídia, seja a garantia de que as próprias mulheres, organizadas ou não, tenham condições de produzir o seu próprio conteúdo.
Também a constatação clara, que existe por parte de todos os segmentos, é a necessidade de ter um novo marco regulatório, ou seja, precisamos modernizar a nossa legislação. Em segundo lugar, regulamentar as emissoras públicas estaduais, isso é uma demanda do Fórum de TVs públicas que o governo abraça aqui. Outra coisa importante das propostas do governo é o debate sobre a Internet, afastando-se um pouco da linha policialesca que é proposta principalmente no projeto do senador Azeredo, que vem a ser conhecido como AI-5 digital e propondo, muito em consonância com o ministério da Justiça, criar um marco civil para a Internet. Há uma pressão de vários países do mundo para que você trate e criminalize o livre compartilhamento de dados e arquivos. No que tange às concessões, por exemplo, há aí uma proposta interessante que avança em relação ao que o Ministério das Comunicações vinha defendendo, que é fazer cumprir o artigo 54 da Constituição, proibindo que políticos eleitos possam constar entre os detentores e acionistas de veículos de comunicação. Isso é bastante importante.
Outro ponto relevante é coibir a prática de aluguel de espaço na programação. Um desvio muito sério que pega um bem público, que é o espectro eletromagnético, e o utiliza de maneira abusiva. Outro ponto importante nas propostas do governo é a descriminalização das rádios comunitárias que hoje estão tentando se regularizar, mas não conseguem por causa da burocracia do Ministério das Comunicações. A regulamentação mais fina da publicidade de bebidas alcoólicas é um debate bem polêmico que está se dando no Congresso Nacional, e é uma questão a ser discutida. O tema das verbas de publicidade oficial fará parte da programação da conferência. Esta é uma política que a secretaria de comunicação do governo já vem promovendo, ou seja, de desconcentrar a aplicação dessas verbas que, em todos os governos, sempre ficou muito centrada no meio televisivo e, nesse espaço, ou seja a Globo e grandes redes dos principais jornais. Aqui vemos um desejo do governo de avançar ao encontro dos esforços da secretaria para uma política mais democrática.
Outro ponto: a manutenção de equipamentos públicos que sejam tanto de produção quanto de difusão, formação, capacitação, interligados em rede, além da utilização de telecentros. Em resumo, é um conjunto de propostas muito interessantes. Agora, temos que saber se essas propostas estão bem amarradas internamente no governo. Além disso, há um outro conjunto de pontos que o governo não apresenta e precisam ser dialogadas, como, por exemplo: há uma demanda na sociedade civil para ampliação da participação no sistema, tanto federal quanto estadual. Precisamos saber se o governo vai aceitar e corroborar com esse tipo de solicitação. Outra demanda que vem muito forte é a criação de órgãos reguladores participativos como um conselho de comunicação social. E não o que hoje existe e que está parado, pois é um órgão auxiliar do Congresso Nacional. Em relação às concessões de rádio e TV, por mais que haja uma posição do governo sobre o aluguel do espaço e as outorgas para as políticas, há uma demanda que é muito presente para que se tornem obrigatórias as audiências públicas nos momentos de renovação para que os critérios que avaliam ou destinam a renovação dessa outorga não sejam mais critérios econômicos, mas sim critérios que, em primeiro lugar, levem em consideração o que a nossa legislação já presume, especialmente os dispositivos constitucionais que falam em estímulo à produção regional independente.
Outro ponto importante: no caso das rádios comunitárias, não basta apenas a descriminalização, o movimento pede também anistia de todas as pessoas que estão sofrendo processo hoje, pede ampliação dos canais disponíveis, pede ampliação da potência e dos mecanismos de financiamento. Sobre isso, não há proposta do governo muito clara. Outra questão: a criação de mecanismos de controle social das políticas de comunicação e dos exploradores do serviço. Vamos ter que dialogar com o governo para tentar sair da conferência com uma proposta forte.
IHU On-Line – Hoje, é possível expandir a banda larga para todos? É esse tipo de projeto que vai massificar a inclusão digital no Brasil?
Jonas Valente – Sim. Quando se debate banda larga você está falando tanto de acessos coletivos, no caso dos telecentros, como de acessos individuais, ou seja, garantir que a banda larga chegue na casa do cidadão. Então, penso que quando se fala em inclusão digital, óbvio que ela não pode ser resumida ao acesso, pois há o processo de formação e o de instrumentalização para que o cidadão possa manejar essas ferramentas, não apenas assistir, mas também produzir conteúdos. O vetor central da inclusão digital no Brasil passa pelo Plano Nacional da Banda Larga. Esse é um debate central nessa conferência.
IHU On-Line – Quais os principais dilemas da comunicação no Brasil que devem fazer parte dos debates durante a conferência?
Jonas Valente – Em primeiro lugar, a hegemonia absoluta da mídia comercial. Ou seja, é preciso ampliar massiçamente o espaço da mídia comunitária privada e sem fins lucrativos. E aí é preciso ampliar o número de emissoras, fortalecer as empresas estatais, ou seja, é preciso ter fundo nacional e estadual robustos para a comunicação. Segundo problema: a concentração de propriedades que existe no nosso país, nos meios de comunicação, é tanto horizontal – quando um sujeito tem várias televisões – quanto vertical – quando o sujeito domina várias etapas da cadeia de produção, programação e distribuição dos meios de comunicação. Além disso, ela é cruzada, ou seja, um sujeito tem um jornal, uma rádio e uma TV. Esse é um tema central, porque quanto mais concentrada for a propriedade, menos plural e diverso é o sistema de comunicação, o que impacta diretamente na nossa democracia.
Outra questão muito importante é a verticalização da produção em comunicação. Hoje nós temos um conteúdo concentrado no eixo Rio-São Paulo. Nós fizemos um estudo no Observatório do Direito à Comunicação, que é um site que o Intervozes mantém, que verificou que há 60 emissoras em 11 cidades. Verificamos que apenas 10,83% da produção é de conteúdo produzido regionalmente. Portanto, é necessário estabelecer cotas para produção regional, para a independente, o estímulo para produção por segmentos que hoje são invizibilizados pelos meios de comunicação.
O quarto problema central é o caráter excludente dos serviços de comunicação que temos hoje que se reflete não apenas na Internet, mas também na telefonia celular. Apesar de ter 170 milhões de aparelhos no Brasil, a grande maioria deles são pré-pagos, ou seja, há um baixo consumo mensal porque o serviço é caro se comparado a outros países. Isso acontece também na telefonia fixa onde há uma barreira clara na assinatura básica. Esses são os problemas centrais que precisamos atacar.
IHU On-Line – Quais os últimos preparativos para a realização da Confecom?
Jonas Valente – Neste momento, estamos construindo a metodologia da etapa nacional para tentar garantir que determinadas decisões, que foram complicadas no passado, que gerou num conjunto de mais de seis mil propostas para serem apressadas na etapa nacional. Estamos tentando construir uma metodologia que permita que haja um debate de qualidade. Além disso, concretamente, agora é o momento em que os segmentos das forças políticas estão conversando para avaliar a construção de mediações. Vamos ver como isso vai se consolidar.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Confecom. As propostas do governo e a democratização da comunicação. Entrevista especial com Jonas Valente. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU