20 Setembro 2009
“A midiatização está presente na vida política, no âmbito da política presidencialista e, ao mesmo tempo, destaca-se como uma ferramenta ou um saber que estará muito presente nas futuras eleições presidenciais”, descreve o professor Antonio Fausto Neto na entrevista que concedeu à IHU On-Line. Encontramos o professor em sua sala para uma conversa sobre o tema do projeto que ele vem desenvolvendo: o pentálogo Transformações da midiatização presidencial, que ocorre em Alagoas, no próximo dia 28 de setembro. Assim, tratamos da relação das mídias com os governos na América Latina, refletindo, principalmente, sobre nossa experiência no Brasil. Fausto diz que, em comparação aos outros presidentes que tivemos, “Lula dá ênfase ao modelo mais centrado na figura dele de sindicalista, de assembleia, do corpo”.
Antonio Fausto Neto é graduado em jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É especialista em Estudos de Desenvolvimento pelo Institut International de La Recherche Et de Formation En Vue de Développent, na França, e em Comunicação Coletiva pelo Centro Internacional de Estudios Superiores de Periodismo Para America Latina, CIESPAL, e também em Etudes Aproffondies Semiologie Des Arts et de Litt pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França. É mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e doutor em Ciências da Comunicação e da Informação pela École des Hautes Études en Sciences Sociales. Realizou o pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a noção de pentálogo pode ser associada às reflexões sobre a midiatização?
Fausto Neto – A noção de pentálogo é uma espécie de esboço de pensar um formato de trabalho que envolve uma reunião presencial de investigadores internacionais e brasileiros durante cinco dias de estudo em torno de um tema que estaria sendo pesquisado sobre diferentes preferências e angulações no plano internacional. O pentálogo é uma das operações que vem propor a operacionalização do Centro Internacional de Estudos de Semiótica e Comunicação (CISECO). Em torno deste encontro anual ou bianual, nós estaremos discutindo a função presidencial hoje.
Este tipo de reunião vai marcar a instalação no Brasil desse centro de trabalho, que é atento às práticas simbólicas e que envolvem as instituições, a sociedade e os atores sociais. É um centro que estará aberto neste formato de pentálogo de estudos a todos aqueles que se congregarem em torno dos temas que serão eleitos, anual ou bienalmente, para a discussão. Tem a ênfase da comunicação e semiótica, mas é um programa de estudo que visa pensar a diversidade e como podemos oferecer os novos formatos e interpretações a esses fenômenos que atravessam nossa vida pessoal e simbólica. Essa reunião é um encontro presencial de cerca de 100 pessoas, nada mais que isso. Não é um encontro massivo, pois o formato não foi pensado para uma grande assembleia, justamente por se tratar de um encontro de trabalho e estudo. Metade desse grupo é nacional e a outra vem do exterior, e o grupo é composto por professores, pesquisadores, gestores de pesquisa dos mais variados centros internacionais de estudos de comunicação e semiótica.
IHU On-Line – Como podemos pensar no conceito de midiatização presidencial?
Fausto Neto – A midiatização é um conceito em formação e desenvolvimento. Significa a ação das mídias. Nós vivemos crescentemente uma sociedade que está, de maneira complexa, atravessada por mídias, sejam as mídias nas suas características mais convencionais ou as mídias que vão tomando formato, no contexto da convergência digital, por exemplo. A midiatização seria a incidência de técnicas e tecnologias de linguagem sobre a vida social, sobre a organização sócio-afetiva e sócio-política.
Uma vez que a midiatização afeta todas as práticas, da religião à política, da educação à saúde, parece-nos que começar a discutir o pentálogo com esta manifestação da midiatização na política é importante. Isso pelo fato de termos, nos últimos dois, três e quatro anos, transformações intensas no campo da política por conta da presença de mídias. Um exemplo recentíssimo que tem a ver com essa associação da política com o espetáculo é que, na visita do presidente francês, Nicolas Sarkozy, ao Brasil, para assinar o acordo de compras e troca de tecnologias, as grandes redes de televisão não consagraram ao presidente francês um maior número possível de tempo. Eles deram mais registro à figura de sua mulher, uma personagem do entretenimento, do espetáculo midiático e da música, que é a Carla Bruni. Em que medida o fenômeno da política está associado a outros fenômenos que não são políticos, mas que precisam, por exemplo, da ingerência midiática para ser reconhecido?
IHU On-Line – Por que é importante nós pensarmos na midiatização presidencial nesse momento que antecede a próxima eleição presidencial brasileira?
Fausto Neto – Na realidade é uma coincidência, pois estamos pensando a construção desse projeto há dois anos. Se tivesse sido realizado há dois anos, haveria um horizonte desta questão, mas coincidentemente nós conseguimos fazer agora. Neste fazer agora implicam relatos de experiências já feitas. Por exemplo, os colegas colombianos vão trazer o modelo de comunicação colombiano dentro deste contexto de tráfico e etc. Os colegas chilenos vão falar da experiência da mulher na política, que é a experiência da Argentina e do Chile, por exemplo. O Ministro Chefe da Secretaria da Presidência da República, professor Luis Dulci, vem falar sobre a relação do Lula com a sociedade civil através de seus discursos.
A midiatização está presente na vida política, no âmbito da política presidencialista e, ao mesmo tempo, destaca-se como uma ferramenta ou um saber que estará muito presente nas futuras eleições presidenciais. Por exemplo, se você acompanha como a instância simbólica oferece a política, você pode perfeitamente fazer uma relação de como a midiatização está presente na construção da candidatura da ministra Dilma. A midiatização se manifesta na cotidianidade, na vida das instituições, então é preciso pesquisar isso, dizendo que ela não se manifesta de maneira homogênea em todas as instituições, ela se manifesta de modo distinto nas diferentes instituições. E a política tem uma característica que é a que vamos trabalhar. É possível que daqui a um ou dois anos nós possamos trabalhar outro tema. Não quer dizer que o CISECO e o pentálogo venham para trabalhar sempre o mesmo assunto, haverá sempre um tema escolhido que será o carro-chefe do nosso trabalho.
IHU On-Line – Em relação à comunicação, para o senhor, quais são as principais diferenças entre o governo Lula e os outros presidentes pós-ditadura?
Fausto Neto – Isso é uma questão que precisa ser trazida lá de trás. Acho que todos os presidentes lidaram com o fenômeno da midiatização da política em níveis diferentes. Vargas
lidou com o fenômeno da voz, o rádio. Ele foi um grande personagem que soube potencializar a função do rádio, depois retomada pelo Sarney, pelo Lula e pelo presidente Fernando Henrique, que retomou o rádio como um dos grandes instrumentos de vínculo social com a sociedade. O presidente Jânio trabalhou com os bilhetinhos. O presidente Tancredo Neves não teve oportunidade. No ciclo da ditadura, ou pelo menos em parte dos governos ditatoriais, é onde se instaura uma racionalidade de comunicação, fundamentada em certos princípios científicos, com a criação da Assessoria Especial de Relações Públicas, um escritório de comunicação que pensa modelos de política de comunicação no Brasil, cujo grande pró foi o presidente Médici, com a figura do radinho de pilhas no jogo do Flamengo no Maracanã. O Collor investiu no corpo. Vestia camisas diferentes a cada momento que fazia caminhadas, com inscrições típicas que apontavam para um certo momento da conjuntura do seu governo. Lula dá ênfase ao modelo mais centrado na figura dele de sindicalista, de assembleia, do corpo. Todos os Presidentes da República tomaram da comunicação midiática referências muito fortes para construir um projeto de vínculo com a sociedade. Hoje, é impossível a política se fazer sem a mediação dessas estruturas de contato que são as mídias.
IHU On-Line – Podemos dizer que os governos latino-americanos também são midiatizados?
Fausto Neto – Hoje nada escapa a midiatização. Neste encontro, teremos sete colegas argentinos, dois chilenos, mexicanos, venezuelanos, e de outros países latino-americanos que vão expor como se dá esse processo de vínculo, como a política vai se vinculando sobre várias maneiras com as mídias, visando suas novas formas de interação com a sociedade. As experiências e as práticas são diferentes. Sem dúvida, a experiência latino-americana hoje, como de resto à experiência mundial, Obama é um fruto disso, se tece hoje sobre os fundamentos da midiatização.
IHU On-Line – Qual a presença da mídia latino-americana nas políticas sociais construídas pelos governos?
Fausto Neto – Não existe uma política universal. Cada governo em função dos seus fundamentos éticos, políticos e estratégicos, elege uma maneira de fazer com que a comunicação explicite estes objetivos. Se pegarmos a realidade da Venezuela e o modo como o Chávez lida com a comunicação, é totalmente distinto da Cristina Kirchner ou da presidente do Chile, ou do presidente da Bolívia. Com certeza, estas combinações de técnicas de linguagens hoje estão a serviço de modo extenso e crescente nos modos de se fazer a política no mundo e, especialmente, na América Latina. Isto deve ser estudado, não é mais o modelo antigo em que utilizava ocasionalmente o rádio e a televisão. Hoje não. Estando nós na ambiência, temos que levar em consideração a existência de ferramentas midiáticas como parte da nossa vida. E se faz parte de nossas vidas individuais, mais ainda estas tecnologias fazem parte da vida das instituições, entre elas, aquelas que fazem política.
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A midiatização e os governos latino-americanos. Entrevista especial com Antonio Fausto Neto. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU