07 Agosto 2009
"Os partidos se transformaram no Brasil, infelizmente, num antro de pequenos interesses subalternos dos seus membros". É o que diz o jornalista Flávio Tavares em entrevista à IHU On-Line, por telefone, ao refletir sobre a ação do MPF de improbidade administrativa para a governadora Yeda Crusius e outros políticos gaúchos. Tavares acredita que não é o impeachment que vai resolver a situação. “Então, porque o povo votou? É o caso sim de se apurar e retirar a máscara que os políticos e os grandes empresários costumam usar. Aí sim, a pessoa não pode mais atuar por razões pessoais, éticas e morais, ou seja, renunciar”, analisa. Ao falar sobre a ação, Flávio Tavares elogia a atuação dos jovens procuradores que, segundo ele, “são capazes de se insurgir contra fraude, contra negociata e contra a roubalheira nesse país. Todo o resto está mudo e silencioso sempre”.
Flávio Tavares é jornalista e advogado. Integrou o grupo fundador da Universidade de Brasília, da qual é professor aposentado. De 1960 a 1968, foi comentarista político da Última Hora do RJ e de SP. Preso e banido do Brasil, foi redator do jornal Excelsior, do México. Também foi correspondente internacional e editorialista político de O Estado de S. Paulo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Diante das inúmeras denúncias que o governo Yeda vem recebendo desde o início do seu mandato, o que significa a ação do MPF?
Flávio Tavares – O Ministério Público me faz pensar numa coisa que é surpreendente neste país, que só os jovens procuradores, principalmente os procuradores federais, que são capazes de se insurgir contra a fraude, contra a negociata e contra a roubalheira nesse país. Todo o resto está mudo e silencioso sempre. Se não fossem esses jovens procuradores, o país estaria pior do que a China nos anos 1940. O problema do governo do RS é que não é só a “dona Yeda” que tem fama de pessoa muito pouco propícia ao diálogo. Ela não faz jus sequer à condição de professora universitária que é, uma vez que a universidade predispõe as pessoas ao dialogo, ao debate, ao conhecimento. Ela é incapaz disso. Não sei se isso se deve a pouca intimidade dela com o RS, ainda que viva aqui há muitíssimos anos, mas talvez seja isso, pois ela vem de outro estilo, que é o paulista. Mas o paulista também dialoga bem, não sei mesmo o que acontece com ela.
O problema em que ela se mete agora é apenas a gota d’água. Esse caso do Detran, que é surpreendemente terrível e massacrante, é ainda pequeno frente as outras fraudes, como aquela em que está envolvido o deputado federal Eliseu Padilha, a prefeitura de Canoas e seu todo poderoso ex-secretário Chico Fraga, e que chega também ao Palácio Piratini. Isso é apenas um primeiro passo. O pior nisso tudo é o conluio, ou seja, todos unidos para a fraude e o roubo. Aí tem deputados do PMDB, do PP e um deputado federal, José Otávio Germano, que também é do PP. Além deles, tem o Presidente do Tribunal de Contas, que é do PDT. Está também o vice-presidente do Banrisul, Rubens Bordini, ou seja, o vice-presidente do banco do estado, um banco que tem que transmitir segurança. Ainda há um ex-secretário da “dona Yeda” e ainda essa assessora, uma maranhense que parece ser quem tem o poder maior no RS. Além do ex-marido da própria governadora.
IHU On-Line – É o caso de impeachment, portanto, em sua opinião?
Flávio Tavares – Não sei se é o caso de impedimento da governadora. Essas coisas de impedir o governador... Então, porque o povo votou? É o caso sim de se apurar e retirar a máscara que os políticos e os grandes empresários costumam usar. Aí sim, a pessoa não pode mais atuar por razões pessoais, éticas e morais, ou seja, renunciar. Acho até atrevida essa coisa que o pessoal do Cepers faz de pedir o impedimento da governadora. Não é assim! Porém, é preciso desmascarar essas situações. Quero fazer um “travessão” aqui, pois tenho o maior respeito pelo pessoal do Cepers, as professores e professoras do RS foram mal compreendidos por todos os governos. Depois do Brizola, não houve governador que entendesse os professores. É o setor mais escravizado e fundamental na vida do estado. É mais importante educar, do que montar uma fábrica. Porque uma fábrica com empresários e empregados deseducados pode nos levar ao absurdo e ao fracasso. Então, não há nada mais importante do que a educação fundamental. A “dona Yeda” não recebeu sequer a presidente do Cepers para dialogar, mandou que a polícia investisse contra ela e quebrou até um dente dela.
IHU On-Line – Como o senhor vê o caráter político da Assembléia do RS?
Flávio Tavares – A Assembléia do RS não é muito melhor do que aquela dos deputados em Brasília. Eu não vejo muita seriedade na Assembléia do RS quando há uma série de deputados implicados em negociatas. Dois agora aparecem claramente aí. Há um ex-presidente da Assembléia envolvido na negociata em que o deputado Eliseu Padilha e o ex-prefeito de Canoas também são citados sobre a merenda escolar. O terrível e brutal problema é que as instituições políticas estão ocupadas pelo pior tipo de gente em termos morais e de capacitação intelectual. Antigamente, por exemplo, só eram candidatos ao Senado as grandes figuras do estado. Depois do Paulo Brossard, que foi o nosso último grande nome ilustre, não tivemos ninguém ilustre. Eles desapareceram da cena política porque hoje os partidos políticos são todos iguais. Talvez o PSOL busque ser diferente, mas os outros são todos iguais. O Partido dos Trabalhadores é igual a esse Partido Progressista. E olha que um é herança da ditadura militar e outro é a rebelião. A Assembléia tem poderes para investigar, mas será que tem condições para isso? Quem é que pode atirar a primeira pedra? Existe muita gente boa na Assembléia, gente decente, mas a instituição como ficou depois do escândalo dos selos? Onde é que ficou isso, alias? Onde está aquele funcionário ou diretor da Assembléia? Parece até que ia voltar a trabalhar e receber pelo tempo que ficou fora...
IHU On-Line – O que essa situação revela sobre a atual política gaúcha, que se declarava como um Estado padrão de moralidade pública?
Flávio Tavares – Nós não somos padrão de moralidade pública há muito tempo. Pode ser até que tenhamos aquele espírito, mas na prática não somos mais isso. O governo do Jair Soares foi até um governo moralista, correto, houve gestos medíocres, que foi dominante, mas foi, pelo menos, um governo honesto. Agora, depois disso não sei. Olívio Dutra, pessoalmente, me parece um homem correto, mas não sei se a totalidade do seu governo foi. Nós perdemos aquela prática da honestidade, que desapareceu em todos os setores, mas principalmente na política. As pessoas vão para a política para enriquecerem, para fazer negociatas. A visão é da licenciosidade do poder para ter expressão financeira na vida
IHU On-Line – Saindo Yeda, em sua opinião, o que viria a ser um governo com Paulo Feijó à frente?
Flávio Tavares – Não sou futurista, é difícil dizer. Mas o importante não é que alguém saia e outra pessoa entre. O importante é desmascarar a situação. O Paulo Feijó e eu temos uma série de divergências de pensamento, mas até agora ele tem me parecido muito correto. Algumas das grandes denúncias, como a do Banrisul, partiram dele. Então, acho que ele deveria ser ouvido nesse momento, ainda que possa vir a ser parte interessada na saída da “dona Yeda”. Ainda assim, o fundamental é desmascarar os ladrões e a fraude. O trabalho que os jovens procuradores fizeram é o trabalho mais importante feito nos últimos anos no RS, pois restabeleceram a velha coragem das epopeias gaúchas. Ou seja, não ter medo da realidade, não ter medo de dizer o que está acontecendo. Presto aqui a minha homenagem a esses jovens procuradores. Só espero que a juíza continue na busca da justiça que os jovens procuradores estão fazendo no RS.
IHU On-Line – Qual é o balanço que o senhor faz da oposição ao governo Yeda?
Flávio Tavares – Acho que toda a oposição que está se fazendo aí é muito interesseira. Não está buscando os interesses do estado, mas sim o poder pessoal. O Tarso Genro está atuando interesseiramente no RS, não está mandando a Polícia Federal mandando investigar, até porque ele nem tem gerencia sobre a ação da Polícia Federal, que tem muita autonomia de procedimento. A visão dele é muito interesseira porque já foi proclamado candidato ao governo do estado mais de um ano antes da eleição. Isso é um absurdo. Os partidos se transformaram no Brasil, infelizmente, num antro de pequenos interesses subalternos dos seus membros.
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Governo Yeda e os jovens procuradores. Entrevista especial com Flávio Tavares. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU