26 Junho 2009
Pessoas saindo às ruas na cidade de São Gabriel, no Rio Grande do Sul, com máscaras para se protegerem no vírus Influenza A H1N1, também chamado, popularmente, de gripe suína, foram capa de jornais. Dos 51 casos registrados no estado, desde que a doença se espalhou pelo mundo, ganhando o status de pandemia, 25 deles ocorreram na cidade do sudoeste gaúcho. “Todos estão relacionados a uma menina que veio de Buenos Aires e contaminou todo seu círculo próximo de relação”, explicou à IHU On-Line o médico e diretor do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, Francisco Paz, durante a entrevista que concedeu por telefone.
Paz conta como podemos prevenir a manifestação e proliferação da doença e explica como ela está sendo tratada pelo campo da saúde. Além disso, o médico também fala dos casos de febre amarela, também considerada um surto no Rio Grande do Sul, e diz que esse problema ainda está sendo investigado, embora o último caso registrado em humanos tenha se dado em abril.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a gripe H1N1 no estado precisa ser encarada pelos gaúchos?
Francisco Paz – É importante que se encare com tranquilidade. É natural que nós tenhamos aqui um aumento do número de casos, pois estamos vivendo uma pandemia, uma situação planetária. Assim, o estado certamente terá ocorrências desse vírus, mais ainda pela proximidade com a Argentina, que já tem um número grande de casos registrados. O Rio Grande do Sul possui, atualmente, 51 casos confirmados, e é possível que esse número aumente nos próximos dias. Entretanto, estamos fazendo uma grande campanha no sentido de manter contida essa transmissão, descobrindo as pessoas suspeitas e mantendo-as em isolamento, tendo seus familiares e contatos diretos monitorados. Esta é a arma que temos para segurar a transmissão da doença.
Pandemia
Chegará o momento em que este recurso também não será totalmente suficiente e teremos de aprender a conviver com mais este vírus, como ocorre com o vírus da gripe todos os anos. É bom lembrar que uma pandemia significa que o vírus está presente em diversos países de vários continentes. O conceito de pandemia vem da extensão geográfica que ela atinge e da capacidade de se propagar do vírus. Podemos ter uma epidemia localizada num país ou em vários países. Neste caso, todos os continentes já estão com o vírus presente.
IHU On-Line – O aumento do frio é favorável para a expansão do vírus?
Francisco Paz – É favorável, porque aumenta a possibilidade de contágio, mas não que ele interfira diretamente na biologia do vírus. Ele aproxima as pessoas em sala com pouca ventilação, por exemplo, e, então, as partículas que respiramos ficam flutuando no ar. Não havendo ventilação, outras pessoas podem respirar aquele ar e se contaminarem. O frio é importante porque aumenta a possibilidade de contágio devido às aglomerações. Por isso, é importante que as casas e outros ambientes sejam bem arejadas.
Este vírus tem uma peculiaridade: ele é transmitido de pessoa a pessoa, mas pode ficar duas horas no ambiente depositado em cima de um móvel numa gotícula de secreção respiratória. Por essa razão, devemos lavar as mãos frequentemente no inverno também e evitar de espirrar e tossir sem cobrir o rosto por um lenço. No tempo da nossa infância, isso era chamado de falta de educação. Agora precisamos retomar esses hábitos de higiene e etiqueta para evitar que as pessoas espirrem, cuspam ou tussam sem ter a proteção do lenço.
IHU On-Line – O senhor falou que são 51 casos aqui no Rio Grande do Sul, certo? Como essas pessoas estão sendo tratadas?
Francisco Paz – Temos o nome e endereço de cada uma delas. Há dois casos de pessoas que estão internadas com alguma gravidade, uma em Santa Maria e outra em Passo Fundo. Existem 25 casos em São Gabriel e todos estão relacionados a uma menina que veio de Buenos Aires e contaminou todo seu círculo próximo de relação. Em Porto Alegre, há 15 casos e depois temos outros casos esparsos pelo estado.
Casos mais graves
A maioria dos casos são leves, com febre, tosse e espirro. Os que estão necessitando de atenção médica são de pessoas que têm disfunção respiratória, dor nas costas, tosse persistente. As pessoas que estão hospitalizadas tiveram uma pneumonia e, portanto, necessitaram de internação.
IHU On-Line – Quais as diferenças entre o vírus da gripe normal e o H1N1?
Francisco Paz – O H1N1 foi identificado no México e, então, chamado de Influenza A México 2009 H1N1. O vírus da Influenza sazonal também é, na maioria das vezes, é do tipo A, mas ano a ano muda sua configuração. Algumas vezes é H1N1, outras é H1N2, ou seja, é variável.
IHU On-Line – E o que significa isto?
Francisco Paz – Significa que a cápsula do vírus é formada por duas proteínas identificáveis: a Hemaglutinina (uma glicoproteína, que tem como principal função ligar o vírus ao receptor da célula hospedeira) e a Nucleotidase (uma enzima hepática). Conforme o tipo dessas proteínas, é que se dá a combinação e o tipo do vírus, mas além desta diferença há outras. Além do vírus H1N1, em circulação no Brasil, já há uma mudança identificada em São Paulo, que se chama Influenza A São Paulo 2009 H1N1, ou seja, ele já é um pouco diferente do que veio do México, embora tenha a mesma origem. A característica do vírus da Influenza é essa mutabilidade. Por essa razão, a vacina da gripe é feita todos os anos, pois temos que acompanhar o vírus que está circulando no país.
IHU On-Line – A gripe suína pode tornar-se tão grave quanto a gripe espanhola?
Francisco Paz – Não acredito. A situação da gripe espanhola se revestia de outras características. O vírus dela foi o H2N2. Era patogênico, mas a Europa e o mundo estavam numa situação diferente, era um pós-guerra. Além da fragilidade nas instituições, as pessoas tinham problemas nutricionais porque não havia alimentos suficientes, muitas casas tinham prejuízos decorrentes da guerra, existia a passagem pelas trincheiras, e também a fome. Não havia a informação que há hoje, fluente, rápida. Naquela época, as pessoas não sabiam o que estava acontecendo e davam margem para que a doença aumentasse. Além disso, a medicina não tinha recursos, e eram usados medicamentos muitas vezes inadequados. Revisando as receitas usadas no tempo da gripe espanhola, verificamos que há certos medicamentos que hoje consideramos veneno. Houve uma série de fatores que levaram ao grande número de mortalidades. Era uma situação completamente diferente. No início dessa pandemia, havia o receio de que o vírus fosse muito patogênico. Felizmente, isso não se comprovou.
IHU On-Line – E qual é o status da febre amarela nesse momento?
Francisco Paz – A evolução parou um pouco, muito embora nós estejamos ainda constatando alguma mortalidade de bugios. No entanto, o último caso que registramos em humanos foi em abril. Não significa que estamos tendo certa tranquilidade quanto a isso, mas as áreas vacinadas estão respondendo bem.
IHU On-Line – Por que a doença se alastrou tão rapidamente aqui no Rio Grande do Sul?
Francisco Paz – Estamos exatamente perguntando isso para quem realmente entende do assunto. Ninguém no Brasil sabe bem os motivos. Podem ter ocorrido alterações ambientais, virais, ou mudanças nos vetores dos hospedeiros. Temos apenas suspeitas. As próprias mudanças climáticas podem ser o motivo, assim como as práticas agrícolas. Uma série de fatores fez com que o vírus migrasse mais rápido do que vinha acontecendo até então. O Ministério da Saúde já fez uma incursão aqui no estado e está organizando um novo estudo para verificar os hábitos dos vetores e as alterações ocorridas neste ano. Depois disso, poderemos ter uma ideia do que efetivamente aconteceu.
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O vírus H1N1 no RS. Entrevista especial com Francisco Paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU