12 Mai 2009
O impacto que os programas de transferência de renda está tendo no Brasil faz com que situações como concentração de produção e desigualdades sociais sejam minoradas. Um novo cenário social se apresenta a partir dessa lógica de obtenção de renda. O Nordeste é prova disso. Lá, segundo Isabel Ruckert, “aumentou o mercado interno com incremento das economias locais”. Isabel analisa, nesta entrevista que concedeu à IHU On-Line, por e-mail, os programas de transferência de renda e as mudanças possibilitadas por eles. “O país tem registrado nos últimos anos redução na desigualdade e para isso têm contribuído os programas como o Bolsa Família e a política de aumento real do salário mínimo”, disse ela.
Isabel Noemia Junges Ruckert é economista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também obteve o título de mestre em Economia. Na PUC-RS, onde atualmente é professora, realizou o doutorado em Serviço Social. Atua, também, como técnica da Fundação de Economia e Estatística (FEE). É uma das autoras de As finanças municipais e os gastos sociais no Rio Grande do Sul - 1995-1999 (Porto Alegre: Fundação de economia e estatística, 2002).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as mudanças mais significativas nas realidades das famílias brasileiras em função da questão de transferência de renda?
Isabel Ruckert – A renda recebida pelos beneficiários melhorou o consumo das famílias, elevando a demanda agregada, e, consequentemente, a situação econômica daqueles municípios mais pobres do país. Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), em junho do ano passado, mostrou que os beneficiários do Bolsa Família utilizaram os recursos da transferência, sobretudo para comprar alimentos, material escolar, vestuário e remédios.
IHU On-Line – Essas políticas de transferência de renda também promoveram mudanças nas regiões? Que mudanças aparecem como estruturais?
Isabel Ruckert – Certamente dada a abrangência, sobretudo do Programa Bolsa Família, ocorreram mudanças nas regiões, principalmente no Nordeste, onde aumentou o mercado interno com incremento das economias locais.
IHU On-Line – Quando analisamos os programas de transferência de renda é preciso atentar para quais pontos ao observamos o caso brasileiro?
Isabel Ruckert – O contexto socioeconômico no país apresenta grandes desigualdades regionais, tais como a concentração da produção e desigualdades sociais com elevados níveis de pobreza. Os programas de transferência de renda representam um importante recurso para minorar esta situação. O impacto que políticas públicas de transferência de renda tem nas condições de vida das populações mais pobres pode ser verificado pela melhora na distribuição de renda medido pelo índice de Gini [1].
IHU On-Line – Com funcionam os processos de formação das pessoas que recebem essas rendas transferidas pela União, pelo estado ou município?
Isabel Ruckert – As famílias que recebem o Bolsa Família são muito pobres, tendo pouca qualificação para concorrer a um emprego, por isso é fundamental que também ocorram ações e programas de geração de trabalho e renda que se constituam numa “porta de saída” para essas famílias. O governo vem apresentando algumas medidas nesse sentido, tais como o Plano Setorial de Qualificação (Planseq), que se constitui num plano de capacitação dos beneficiários do programa para trabalhar nas obras (em ocupações como mestre de obras, eletricista) feitas através dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Estas iniciativas de qualificação profissional poderão fazer com que os beneficiários dispensem os recursos do governo.
IHU On-Line – Para a senhora, o Bolsa Família está funcionando? Como a senhora analisa especificamente esse programa?
Isabel Ruckert – Sim. O Programa Bolsa Família constitui-se no maior programa de transferência de renda para famílias com renda muito baixa ou inexistente. E cumpre este objetivo, estando bem focalizado. O Programa Bolsa Família no país expandiu-se expressivamente passando de 3,5 milhões de famílias atendidas em 2003, para cerca de 11 milhões de famílias em 2008. Considerando uma média de quatro pessoas por família, teríamos cerca de 24% da população do país. Todavia, o programa não tem como resolver todas as questões relacionadas com a pobreza. São necessárias políticas públicas interligadas e mais efetivas que melhorem as condições de vida destas famílias (educação, saúde, saneamento, qualificação ao trabalho).
Além disso, o Ministério do Desenvolvimento Social, a Controladoria Geral da União e o Tribunal de Contas da União, juntos, vêm monitorando e aperfeiçoando os seus controles, cancelando os benefícios pelos mais diversos motivos. Dentre eles, o fato de a família melhorar a sua renda e ultrapassar o critério do programa (renda superior a estipulada pelo programa).
IHU On-Line – O Nordeste é a região que mais recebe benefícios do Bolsa Família e o sul do país é a segunda região menos beneficiada. Como a senhora vê essa questão do ponto de vista estratégico e político?
Isabel Ruckert – Como o benefício é para aquelas famílias pobres com renda per capita de até R$137,00 mensais (atualizados em abril de 2009), é no Nordeste que se encontra o maior número destas famílias. Por exemplo, o Estado da Bahia mais de 1,4 milhão de famílias beneficiadas, o que representa 40% da população baiana e no Estado de Pernambuco, 43% da população é beneficiária do programa.
Somando os estados do Nordeste, são cerca de sete milhões de famílias beneficiadas. Estes números expressam a necessidade de auxílio por parte do governo para combater, em parte, a pobreza destes estados. Enquanto no RS as beneficiadas em 2008, foram 360 mil famílias, o que representou 3,5% do total.
IHU On-Line – As contrapartidas e condicionalidades exigidas por quem transfere renda (seja município, estado ou União) são mesmo necessárias? Como a senhora vê isso?
Isabel Ruckert – Acredito que as condicionalidades são importantes, pois pretendem garantir as condições necessárias para romper com o ciclo intergeracional de pobreza, e, de certa forma, induzir as famílias a buscar melhores condições de saúde da família e educação para as crianças e jovens até 17 anos, reforçando os seus direitos como cidadãos. O objetivo das condicionalidades não é punir as famílias que não as cumprem, mas buscar os motivos de tal fato e implementar políticas públicas para acompanhar estas famílias.
IHU On-Line – Para combater a desigualdade como deveria se constituir um projeto de transferência de renda? Como o salário mínimo poderia ser discutido dentro dessa mesma problemática?
Isabel Ruckert – O país tem registrado nos últimos anos redução na desigualdade e para isso têm contribuído os programas como o Bolsa Família e a política de aumento real do salário mínimo (com reajustes acima da inflação do período), o que também impacta na transferência do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Este benefício é garantido pela Constituição e expresso na transferência de um salário mínimo para os idosos (com mais de 65 anos) e para as pessoas portadoras de deficiência que registram renda per capita mensal inferior a 1/4 do salário mínimo.
Nota:
[1] O Coeficiente de Gini é comumente utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de renda, mas pode ser usada para qualquer distribuição.
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Transferência de renda: mudanças e impactos na sociedade brasileira. Entrevista especial com Isabel Ruckert - Instituto Humanitas Unisinos - IHU