19 Dezembro 2016
Mesmo que Boston, Chicago e Washington D.C. sempre tenham sido forças importantes na vida Católica norte-americana, elas não estiveram sempre alinhadas. No entanto, certamente este não é o caso em 2016, quando se poderia dizer que estas três cidades formam agora um "eixo-chave" para o Papa Francisco na Igreja dos EUA.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 15-12-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Ao longo da história católica norte-americana, as arquidioceses de Boston, Washington e Chicago sempre foram importantes centros de influência, geralmente liderados por párocos fortes, com perfis nacionais e internacionais.
Na década de 80, no Vaticano de João Paulo II, talvez nenhum estadunidense tenha sido mais influente de que o cardeal Bernard Law, de Boston, até a explosão dos escândalos de abuso sexual que acabaram custando seu trabalho em 2003.
Na maior parte do tempo, o Cardeal James Hickey, de Washington, permaneceu lado a lado com Law, como mediador do poder e aliado do Papa.
Igualmente, nenhum religioso estadunidense teve mais influência durante este período do que o cardeal Joseph Bernardin de Chicago, em sua ética da "túnica inconsútil", propiciando uma visão um tanto diferente da Igreja e de seu papel na cultura, muito mais direcionada à justiça social.
Vinte anos mais tarde, os papéis geográficos estavam um pouco invertidos. O Cardeal Francis George, de Chicago, era considerado o principal intérprete intelectual de João Paulo II e Bento XVI nos Estados Unidos, enquanto o cardeal Theodore McCarrick, de Washington, durante o trabalho e depois de sua suposta aposentadoria ("suposta", porque ele fez mais coisas após deixar o cargo do que a maioria faz enquanto está trabalhando), era visto como um ponto de referência reformista de centro-esquerda.
Após o ano de 2003 e a partida de Law, o novo cardeal Sean O'Malley, de Boston, estava tão focado em administrar crises internas que não emergiu como líder nacional e internacional até muito depois.
Como ilustram esses exemplos, mesmo que Boston, Chicago e Washington sempre tenham sido forças importantes, elas nem sempre estiveram alinhadas. Às vezes, até mesmo representaram perspectivas eclesiológicas, teológicas e políticas opostas.
No entanto, certamente este não é o caso em 2016, quando se poderia dizer que estas três cidades formam agora um "eixo-chave" para o Papa Francisco na Igreja dos EUA.
A Igreja de Chicago é liderada pelo Cardeal Blase Cupich, principal escolha episcopal de Francisco nos Estados Unidos, em clara sintonia com as pautas do Papa.
Ele estendeu a mão para gays e lésbicas, apoiou os pedidos em prol da Comunhão a católicos divorciados e recasados civilmente feitos nos dois Sínodos dos Bispos sobre a família e se constituiu amplamente como líder do eleitorado mais progressista dentre os bispos.
Boston, é claro, é liderada por O'Malley, que, de certa forma, era Francisco antes de Francisco ser quem é hoje. Ele manifesta a mesma simplicidade e humildade pessoal, o mesmo amor às pessoas comuns e o mesmo contato pastoral direto, e também a preferência instintiva pela experiência humana concreta ao invés da ideologia.
O'Malley também é fluente em espanhol, é o único estadunidense do C9, o Conselho mundial dos Cardeais de Francisco, e também foi designado pelo Papa para liderar a nova Comissão Pontifícia para a Tutela de Menores, uma tentativa do pontífice de reforma a partir dos escândalos de abuso sexual clerical.
Finalmente, há Wuerl em Washington, que pode ser o mais importante "braço direito de Francisco" nos Estados Unidos.
Arcebispo de Washington desde 2006 e cardeal desde 2010, Wuerl tem sido considerado um das figuras de bastidores mais eficazes entre os bispos dos EUA, gerando grande respeito por sua inteligência, habilidade de liderança e calma quase sobrenatural.
Nos dois Sínodos dos Bispos sobre a família em 2014 e 2015, Wuerl foi o único estadunidense chamado pelo Papa Francisco para compor as comissões de elaboração dos documentos finais da cúpula.
Em partes, isso provavelmente aconteceu porque Wuerl indicou que estava aberto a uma solução "pastoral" para o debate sobre a comunhão dos católicos divorciados e civilmente recasados e, desde então, surgiu como um dos defensores mais vigorosos da exortação apostólica do pontífice, Amoris Laetitia, nos Estados Unidos.
Fomos mais uma vez relembrados da importância de Wuerl esta semana, quando o Bispo Edward Burns, seu ex-secretário em Pittsburgh, foi nomeado pastor de Dallas. É mais um homem ligado a Wuerl em um posto-chave, que tem sido considerado um índice crucial de poder eclesiástico.
É importante notar, a propósito, que o cardeal Kevin Farrell, que vai ser substituído por Burns em Dallas, também é amigo do Wuerl e foi bispo auxiliar em Washington, trabalhando enquanto ele era vigário-geral da arquidiocese.
Atualmente, Farrell dirige o novo Dicastério do Papa para Leigos, a Família e a Vida, tornando-se o clérigo estadunidense mais importante de Roma.
Ambos Wuerl e Cupich agora estão na ultrapoderosa Congregação para os Bispos do Vaticano, responsável por indicar ao Papa quem deve ser nomeado bispo. Com efeito, isso significa que eles têm o poder de "tornar alguém rei" nos Estados Unidos e sua influência na formação da próxima geração do episcopado do país é clara.
(Newark, do cardeal Joseph Tobin, também poderia constar nessa lista, mas ela não tem exatamente a mesma história quanto a ser uma potência católica.)
Será que este eixo Chicago-Boston-Washington representa a maioria dos bispos estadunidenses? Talvez não, e um indicativo é que na eleição recente para a liderança da Conferência dos Bispos dos EUA, Cupich, O'Malley e Wuerl nem sequer foram nomeados, muito menos eleitos.
Curiosamente, enquanto Wuerl, Cupich e O'Malley podem ser aliados-chave de Francisco, de diferentes maneiras, eles também são muito diferentes entre si: Cupich é um operador político experiente, Wuerl é um competente diplomata e pensador e O'Malley, um capuchinho notoriamente pastoral.
Nesse sentido, a história de contrastes entre essas três dioceses cruciais pode ter diminuído em alguns aspectos, mas jamais de maneira definitiva.
No entanto, para ser honesto, Law, Hickey e o cardeal John O'Connor, de Nova York, não representavam a maioria dos bispos estadunidenses durante grande parte dos anos do papado de João Paulo II, quando o tom era mais genericamente definido por Bernardin e seus aliados.
Demorou para que um novo grupo de bispos intimamente ligados às perspectivas evangelizadoras mais fortes do Papa polonês se estruturasse, assim como também pode levar um tempo agora para que o mesmo aconteça com clérigos que se aproximam mais da visão e das pautas de Francisco.
Isso não quer dizer, é claro, que prelados com dúvidas ou preocupações sobre alguns aspectos sobre o que estão vendo hoje estão desafiando o Papa.
Pelo contrário, às vezes os bispos são mais úteis ao Papa não somente seguindo suas pautas, mas levando-o a repensar elementos que, segundo os bispos, podem ser desaconselháveis, doutrinariamente suspeitos ou pastoralmente improdutivos.
Dito isto, Cupich, O'Malley e Wuerl, de maneiras diferentes, exemplificam o tipo de clérigo bem posicionado aos olhos do Papa.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Eixo Chicago-Boston-Washington é crucial para a agenda de Francisco na América - Instituto Humanitas Unisinos - IHU