30 Junho 2014
"Nem toda inovação se resume à tecnologia, e a contemporaneidade exige não apenas estar aberto a novas tecnologias, mas a novas ideias e narrativas", afirma professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Durante as manifestações que tomaram o país em junho passado, foi possível perceber dois importantes movimentos do ponto de vista midiático. As grandes organizações jornalísticas que buscavam cobrir os acontecimentos eram elas próprias alvo não apenas da truculência da polícia, mas também do repúdio dos manifestantes. Questionando a isenção e os interesses da grande mídia, alguns revoltosos quebraram fachadas de empresas jornalísticas, queimaram carros de redação, ofenderam e mesmo agrediram repórteres. Para proteger suas equipes, muitos veículos tradicionais optaram por realizar uma cobertura a distância: com teleobjetivas do alto dos prédios, imagens de helicópteros ou mesmo com o uso de drones.
Enquanto a imprensa foi levada ao distanciamento, os próprios manifestantes e iniciativas independentes de mídia (como a N.I.N.J.A) gravavam, fotografavam e transmitiam do epicentro dos acontecimentos, produzindo, dessa forma, importante material noticioso, ainda que sem os preceitos clássicos da narrativa jornalística. Se é informativo, seria este então, um novo tipo de jornalismo? Ou ainda, seria relevante discutir se estas iniciativas são ou não jornalismo, ou é mais produtivo pensar nas formas como sua existência tensiona os antigos modos produtivos?
“Essas questões de nomenclatura não me interessam. Jornalismo é tudo aquilo que determinada pessoa pensa que é jornalismo”, defende o professor e pesquisador em telejornalismo Antonio Brasil. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele trata das inovações nas práticas jornalísticas, da evolução de modelos e formatos e daquilo que leva à desumanização do jornalismo.
O professor afirma que as novas mídias, a produção independente, a interatividade e as redes sociais “não alteraram o maior e mais fundamental preceito do jornalismo: contar uma boa história baseada em fatos”. A constatação não vem no sentido de propor que nada muda, mas sim que a própria história da imprensa mostra que o jornalismo está sempre em transformação. Para Brasil, o jornalista exagera na autocrítica e no autoflagelamento. “Utilizar drones ou subir no telhado são alternativas para continuar a investigar os fatos e contar boas histórias, as verdadeiras essências do jornalismo.”
Antonio Cláudio Brasil Gonçalves é graduado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio, com mestrado em Antropologia Social pela London School of Economics e doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Atuou como jornalista e correspondente da Rede Globo, tendo participado dos programas-piloto do Fantástico e do Globo Repórter. Trabalhou ainda como produtor de diversas redes de notícias internacionais, como ABC News, CBS, CTV, RAI, entre outras.
Foi professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, onde fundou a primeira TV universitária na Internet do Brasil, e professor visitante da Rutgers, na State University of New Jersey. Atualmente é professor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e faz pesquisa de pós-doutorado na Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3. Desde 2006 é coordenador acadêmico do Instituto de Estudos de Televisão - IETV. Brasil é autor, entre outros livros, de Telejornalismo Imaginário - Memórias, estudos e reflexões sobre o papel da imagem nos noticiários de TV (Florianópolis: Insular, 2012) e de Telejornalismo, Internet e Guerrilha Tecnológica (Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2002).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como você compreende o jornalismo imersivo? Em que ele se distingue do jornalismo tradicional?
Antonio Brasil – Penso o jornalismo imersivo como uma apropriação dos métodos etnográficos utilizados há muitos anos pela Antropologia. Assim como é necessário que o antropólogo “mergulhe” nas culturas que pesquisa, o jornalista também precisa “imergir” nas suas pautas. Sempre acreditei que há grande convergência entre a Antropologia e o Jornalismo e que deveríamos pensar em uma convergência de interesses, ou seja, em um “Antropojornalismo”. A grande diferença atual do “jornalismo imersivo” em relação ao que chamamos de “jornalismo tradicional” é o acesso maior a tecnologias digitais e espaços virtuais que permitem ao profissional praticar esse ideal de “mergulho mais profundo” ou investigação mais intensa de suas histórias. Não devemos cometer o erro de confundir “jornalismo imersivo” simplesmente com a possibilidade de utilização de novas tecnologias para a produção de notícias. A profundidade dessa “imersão” é muito maior e mais complexa.
IHU On-Line - A presença física do repórter de TV sempre foi um determinante para a construção do sentido de imersão e imediatez. No entanto, durante as manifestações, percebemos que boa parte da mídia tradicional recorreu ao uso de imagens de drones, helicópteros ou topos de prédios, enquanto os próprios manifestantes gravavam e transmitiam do epicentro dos acontecimentos. O que representa, para os modos tradicionais, esta opção pelo distanciamento?
Antonio Brasil – Cada vez que ouço ou leio referências ao “sempre” ou ao passado do jornalismo, fico surpreso com o nosso desconhecimento da nossa própria história. Jornalismo, durante muitos anos, em seus primórdios, era simplesmente especulativo, opinativo, ideológico e, principalmente, partidário. Jornalistas escreviam sobre os fatos sem a preocupação de “investigar” ou fazer “reportagem”. Essa é uma técnica relativamente recente do jornalismo moderno com grande influência do modelo norte-americano.
Enviar um repórter para “imergir” nos fatos representa uma evolução das técnicas jornalísticas. Isso não significa que o jornalismo utilizará essa técnica para sempre. O jornalismo, assim como a vida, evolui. Não precisa substituir métodos investigativos do passado para sobreviver no presente e continuar sendo relevante no futuro. As técnicas do jornalismo tradicional coexistem com as novas oportunidades investigativas do jornalismo imersivo. Uma coisa não elimina a outra. Elas se complementam e são ajustadas para as realidades específicas de cada história, de cada época ou de cada veículo de comunicação.
O jornalismo e seus profissionais sempre foram muito criativos e adaptativos para sobreviverem durante tantos anos. Se um profissional não consegue cobrir protestos de rua no Brasil, utilizar “drones” ou “subir no telhado” são alternativas para continuar a investigar os fatos e “contar boas histórias”, as verdadeiras essências do jornalismo.
IHU On-Line - Pensando na cobertura por drones, é possível compreender que esta mediação entre repórter e acontecimento pela tecnologia desumaniza a cobertura jornalística?
Antonio Brasil – Não creio. O que “desumaniza” a cobertura jornalística é a falta de talento, de preparo adequado (educação/treinamento apropriados) e principalmente falta de “humanidade” da parte dos jornalistas. Ou seja, não são as tecnologias que “desumanizam” os jornalistas. Elas são meros instrumentos de acesso aos fatos. O que desumaniza o profissional de jornalismo é o individualismo ou egoísmo exacerbados, a ambição desmedida, a falta de objetivos sociais e principalmente a falta de empatia ou de generosidade em relação aos demais seres humanos. Mas essas são questões pessoais, éticas e filosóficas que demandam uma formação muito acima das possibilidades dos cursos de jornalismo.
IHU On-Line – Faz sentido discutir se iniciativas como a Mídia N.I.N.J.A são ou não são jornalismo? Não seriam estas novas propostas um convite a repensar modelos engessados de grandes organizações?
Antonio Brasil – Essas questões de nomenclatura não me interessam. Jornalismo é tudo aquilo que determinada pessoa pensa que é jornalismo. Qualquer tentativa de aprisionamento ou restrições ao conceito de jornalismo me parece mais “corporativismo”, tentativas de controle ou mesmo “censura”. Grandes organizações não são necessariamente “engessadas”. Talvez esse seja o caso de alguns setores das grandes organizações brasileiras. O Google ou o Facebook ou mesmo a Mídia NINJA são exemplos de grandes organizações que preservam a criatividade e a ousadia. Nem tudo que é grande é necessariamente tradicional, ruim ou engessado.
IHU On-Line – O relatório Jornalismo Pós-Industrial, produzido pelo Tow Center de Columbia, concentra-se na análise do atual momento do jornalismo impresso e online. Pensando no telejornalismo, como você percebe a relação com os novos meios e a sociedade midiatizada, imersa em uma lógica conectiva?
Antonio Brasil – A TV, o Telejornalismo e principalmente os telejornais lutam para sobreviver. Em outros tempos, havia cinejornais, era um espaço importante, relevante e obrigatório em todas as sessões de cinema no mundo. Mas o mundo mudou, os cinejornais deixaram de existir, ninguém sentiu falta e o jornalismo continuou existindo e migrando para novos suportes, como a TV. De impresso para o mundo virtual, o jornalismo continua sendo altamente criativo, adaptativo e relevante. Uma sociedade midiatizada imersa em uma lógica conectiva tem interesse, apoia e patrocina a investigação jornalística “de qualidade”. O problema é identificar o que ainda é considerado “relevante e de qualidade”. O New York Times ou a BBC e tantas outras grandes organizações midiáticas e jornalísticas, apesar das dificuldades e crises recorrentes, vão muito bem, obrigado!
IHU On-Line – Tendo em vista a relação não hierarquizada e não linear das redes, que constrói outra identificação com o público, você percebe uma perda da glamourização do telejornalismo? Ainda se sonha em ser apresentador, correspondente, etc.?
Antonio Brasil – O glamour do jornalismo sobrevive a todas as crises. Ser um apresentador de TV ou de telejornal e principalmente ser um “correspondente internacional” ainda faz parte do imaginário de muitos jovens. Algo parecido com o glamour de ser um grande ator, escritor, celebridade da TV, jogador de futebol ou mesmo super-herói. Jornalismo ainda é uma profissão glamourosa. Segundo certo escritor famoso que teve o privilégio de ganhar um prêmio Nobel e que morreu recentemente, “Jornalismo é a melhor profissão do mundo” . Eu subscrevo.
IHU On-Line – É possível pensar que a emergência de novas tecnologias leva a um processo de desconcentração midiática, que está migrando para uma dispersão mais democrática?
Antonio Brasil – É possível, mas não é compulsório ou obrigatório. Desconcentração midiática não garante dispersão mais ou menos democrática. Acredito muito mais na “educação” como forma de aprimoramento da democracia.
IHU On-Line – Do ponto de vista do storytelling, de que forma as novas mídias, a produção independente, a interatividade e as redes sociais alteraram ou tornam obsoleta a narrativa jornalística audiovisual?
Antonio Brasil – As novas mídias, a produção independente, a interatividade e as redes sociais não alteraram ou tornam obsoleto o maior e mais fundamental preceito do jornalismo: “contar uma boa história baseada em fatos”. Todos os recursos disponíveis para um jornalista “talentoso” e bem preparado contar uma boa história baseada em fatos ainda são e sempre serão úteis e relevantes. A máquina de escrever não acabou com o jornalismo literário, por exemplo. Temos de aprender a conviver com o presente e nos prepararmos para o futuro.
Poucos profissionais do mundo se autocriticam ou se autoflagelam tanto quanto os jornalistas. Nada contra a reflexão e a crítica que pensa e orienta, mas temos de oferecer alternativas, ou seja, precisamos acreditar, investir e prestigiar as “inovações” no jornalismo. Em outros tempos, enviar um repórter para cobrir os fatos, fazer uma entrevista, tirar fotos ou simplesmente investigar a realidade foram “inovações” fundamentais para a consolidação, aprimoramento e prestígio do jornalismo. Nem toda inovação se resume à tecnologia. O que precisamos são de novas tecnologias com novas ideias ou novas narrativas!
IHU On-Line – Por outro lado, de que forma inovações como os hologramas da CNN, a realidade aumentada, entre outros, realmente tensionam os formatos tradicionais?
Antonio Brasil – Creio que essa questão já foi respondida acima. “Formato tradicional” é bom e importante enquanto se mantém relevante e competente. Corremos o risco de confundir “tradicional” com bom formato. Ele pode ser simplesmente tradicional, obsoleto e desnecessário. Mas, igualmente, temos a tendência a acreditar que todas as novas tecnologias são melhores, mais úteis ou ameaçadoras. Precisamos pensar em uma constante reflexão e avaliação sobre a utilização do novo e a preservação do “tradicional”. O mundo já existiu durante muitos anos sem o jornalismo e sem os seres humanos. Precisamos pensar e agir para continuarmos sendo relevantes para o planeta e para a sociedade. Senão, viramos “dinossauros”. Todos se lembram, mas ninguém sente muita falta!
IHU On-Line – Deseja acrescentar mais alguma coisa?
Antonio Brasil – Para compreender melhor as crises do presente e pensar em alternativas para o futuro, o jornalismo precisa conhecer melhor o seu passado, sua história. Se não for por nada, para termos a coragem e ousadia de cometermos erros “novos”!
Andriolli Costa
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Telejornalismo pós-industrial. Drones, ninjas e jornalismo imersivo. Entrevista especial com Antonio Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU