17 Julho 2013
No discurso à ONU da jovem paquistanesa Malala e no Datagate, nas palavras do Papa Francisco em Lampedusa e nas decisões em matéria econômica de tribunais constitucionais em diversos países, há um visível conflito entre direitos e poderes globais.
A análise é de Stefano Rodotà, professor emérito de direito civil da Universidade La Sapienza, de Roma, e ex-deputado do Parlamento italiano. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 15-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há uma linha forte que une alguns acontecimentos destes dias – o discurso à ONU da jovem paquistanesa Malala e o Datagate, as palavras do Papa Francisco em Lampedusa e as decisões em matéria econômica de tribunais constitucionais em diversos países. Em todos esses casos, há um visível conflito entre direitos e poderes globais: o direito à educação contraposto ao poder do terror; o direito à privacidade diante do poder de quem quer exercer um controle planetário sobre as pessoas sem limites e sem fronteiras; o direito dos migrantes contra o poder excludente dos Estados; o direito de cada um a não ser reduzido a objeto contra o poder do mercado.
Veio se credenciando, nesses anos, uma leitura do mundo que o vê cada vez mais dominado por poderes incontroláveis, porque a dimensão global foge da possibilidade de regulação dos Estados e porque a única lei seria agora só a do mercado, lei "natural" diante da qual qualquer outra regra se torna desprovida de força e de sentido. Verdadeiramente, um mundo de uma só dimensão, unificado pelas pretensões de uma superpotência ou confiado a sujeitos novos, como o Facebook, já a terceira "nação" do planeta, com o seu um bilhão de "habitantes".
Mas os eventos lembrados antes nos dizem que não é assim, que, diante dos novos donos do mundo, dos novos soberanos globais, manifesta-se com intensidade crescente a força reguladora dos direitos, que pode restituir à política o papel que lhe foi apreendido pelo reducionismo econômico.
O pano de fundo, além disso, é o das muitas e difíceis "primaveras", dos protestos generalizados que induzem mais de uma pessoa a falar do início de uma "revolução global" justamente em torno das reivindicações de direitos.
Nas palavras firmes e eloquentes de Malala, deve-se captar justamente esse espírito. Não há apenas a rejeição do terrorismo, a orgulhosa reivindicação do "não vão me curvar". Há uma indicação política clara: o direito à educação é a arma mais poderosa e, por isso, mais temida na luta contra o terrorismo. Sim, a estratégia militar, a única efetivamente praticada com enorme dispêndio de recursos econômicos, nunca pode ser suficiente. Há um dever dos Estados de intervir para que o direito à educação seja efetivo e garantido a todos: aqueles que insistem na necessidade de acompanhar o discurso dos direitos com o dos deveres deveriam se fundamentar com temas como esse, e não usar a insistência sobre os deveres como instrumento para esvaziar de significado principalmente os direitos sociais.
A reflexão sobre a luta contra o terrorismo, além da pura lógica militar ou policialesca, encontra a questão do Datagate. A reação a um fichamento planetário por obra dos Estados Unidos honrou novamente um direito, o direito à privacidade, à proteção dos dados pessoais, do qual se havia certificado a morte justamente para legitimar qualquer coleta de informações pessoais, reduzindo as pessoas ao papel de fornecedores obrigados de dados considerados necessários para o funcionamento do mercado e de mecanismos totalizantes de controle. Novamente, a reivindicação planetária de um direito, do qual voltamos a descobrir a função de proteção das liberdades fundamentais.
No fundo desses dois eventos, descobre-se a absoluta falta de respeito pelos direitos de todos e de cada um, sempre sacrificáveis por uma razão de estado ou de mercado. Enraizou-se aquela indiferença, por outro lado, denunciada em Lampedusa pelo pontífice, com referências que tocam em primeiro lugar e com justiça os migrantes, mas que realmente dizem respeito a todos. A construção em torno dos imigrantes de um novo modo de entender os direitos é realmente uma questão inevitável, pela qualidade e pela quantidade do fenômeno, global por definição e do qual depende a futura sistematização do mundo. É uma "política da humanidade" que deve ser iniciada, indispensável para que cada um de nós possa sair de uma condição que nos tornou prisioneiros do egoísmo, que interrompeu os laços sociais, que nos dá uma sociedade fragmentada em que, como escreveu Luigi Zoja, fazemos as contas com "a morte do próximo".
No seu último romance, Aldo Busi descreveu com palavras diretas essa condição: "Eram uma vez os outros e de repente desapareceram da face da terra, e eu não fui mais, portanto, um outro para ninguém". Ao desaparecimento das pessoas, substituídas por abstratos simulacros modelados sobre as exigências do consumo ou do controle, reage-se justamente reivindicando a materialidade do ser e das necessidades, e medindo sobre estes os direitos de cada um. Retorna imperiosa a necessidade de pronunciar a palavra mais negligenciada da tríade revolucionária, "fraternidade", lembrando que o artigo 2º da Constituição italiana fala de "deveres inderrogáveis de solidariedade política, econômica e social". Não por acaso invoca-se hoje uma "solidariedade global" como horizonte da política. Assim, a reivindicação dos direitos, que alguns querem ler como extrema fronteira da individualização, imerge, ao invés, no contexto social, encontra as suas raízes em uma "revolução da dignidade" que não é apenas a do indivíduo, mas sim a "dignidade social", à qual se refere ao artigo 3º da Constituição italiana.
Talvez possam voltar tempos propícios para aquele que Eligio Resta chamou de um "direito fraterno". Essas não são declarações de bons propósitos ou sentimentos, mas sim diretrizes ao longo das quais se movem intervenções muito concretas de tutela da pessoa e dos seus direitos. Se, para dar apenas um exemplo, consideram-se as muitas sentenças com as quais diversos tribunais abordaram o conflito entre o direito fundamental à saúde e o poder da Big Pharma, das grandes multinacionais farmacêuticas, capta-se uma tendência de fazer prevalecer as razões da saúde sobre a do lucro com características realmente globais, visto que se vai dos tribunais constitucionais da África do Sul e da Índia ao Tribunal de Justiça da União Europeia, à Suprema Corte dos Estados Unidos.
Esta última, no dia 13 de junho, pronunciou uma sentença que coloca limites à patenteabilidade do genoma, com diversas especificações, mas substancialmente acolhendo as solicitações de quem queria infringir o monopólio de uma empresa, a Myriad Genetics, no que se referia a testes de câncer de mama. E, em mais de uma decisão, a prevalência conferida aos direitos fundamentais está estreitamente conectada à consideração como bens comuns dos meios diretamente necessários para a sua implementação.
No mundo global, portanto, libera-se hoje uma força dos direitos que se manifesta nos lugares mais variados e por obra de um multiplicidade de sujeitos. Colocam-se lado a lado, e às vezes se sustentam reciprocamente, movimentos populares e intervenções dos tribunais, iniciativas legislativas e ações de grupos sociais organizados. Aqui, a política deve apresentar as suas provas, sob a pena da sua crescente marginalização.
Devemos lembrar isso hoje, porque se aproximam as eleições europeias, e a deslegitimação da União Europeia, devido à sua total identificação com a lógica dos "sacrifícios", só pode ser freada se lembrarmos que existe uma ordem europeia na qual, com o mesmo valor jurídico dos tratados, existe uma Carta dos Direitos Fundamentais.
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A revolução dos direitos, de Malala ao Datagate. Artigo de Stefano Rodotà - Instituto Humanitas Unisinos - IHU