08 Fevereiro 2010
A experiência que vivemos hoje na internet é fruto dos nossos próprios comportamentos na web. Nos anos 1990, segundo o professor Fábio Malini, que concedeu à IHU On-Line a entrevista a seguir por telefone, o comportamento da rede esteve associado ao fato de termos um espaço de expressão efetivo, ainda que formal. Hoje, esse comportamento está muito ligado, como ele afirma, a atuação social, mobilização e engajamento. “Acredito que, no fim das contas, a rede mostra que ela é sempre ação direta, que é um espaço onde não precisa se pedir benção a ninguém. Até o Papa falou sobre isso, pedindo para que os fiéis tenham um blog”, apontou ele que falou também sobre gratuidade dos serviços na web, marco civil da internet e do futuro da cibercultura.
Graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Espírito Santo, Fábio Malini fez o mestrado em Ciência da Informação e o doutorado em Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde foi orientado pelo professor Henrique Antoun. Atualmente, é professor na UFES e vice-diretor do Centro de Artes da mesma instituição. É também pesquisador na UFRJ
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Henrique Antoun afirmou que não é a internet que cria comportamentos, mas sim os
comportamentos que criam a web. Em sua opinião, o que nosso comportamento está revelando nesse sentido?
Fábio Malini – Muitas coisas são reveladas, por exemplo, acho que o próprio desenvolvimento da internet nos últimos quinze anos, e a forma como a internet foi ocupada, revelam algumas experiências importantes. Na década de 1990 o comportamento da rede esteve muito associado à lógica dos sites, ou seja, a lógica de se ter, efetivamente, um espaço de expressão, do ponto de vista ainda muito formal e associado a pequenos grupos que povoavam a internet. A internet de hoje revela outro comportamento, o comportamento dos perfis. A atuação social, a mobilização e o engajamento viram um valor forte na rede. A rede da década de 1990 era mais promocional. A desta década é mais engajada, mas também de altíssima visibilidade.
Acho que há um conflito, uma disputa por comportamentos, entre os comportamentos mais engajados e um ainda muito baseado na lógica da produção de informação, que é muito mais uma repetição daquilo que a TV mostra e as mídias de massa colocam. Acho que existe essa contradição nesta web, que chamamos de participativa. Por um lado grandes novidades do ponto de vista do engajamento, não só político, mas também afetivo, e por outro lado certo delírio do ponto de vista do “self”, do “eu”. Neste sentido esse delírio tem muito a ver com uma certa forma de produzir rede a partir de grandes bordões do que está na TV e na indústria cultural como um todo.
IHU On-Line – A gratuidade tem contribuído para o aumento das produções amadoras. De que forma isso muda a relação da sociedade com a informação?
Fábio Malini – Há uma mudança na lógica de produção da informação e a rede tem se mobilizado pela construção de uma maior visibilidade das informações locais. Isso é muito pouco falado. A ideia de que a dimensão local de informação, ou seja, o espaço territorial pode ser globalizado. Acho que as grandes mudanças e acontecimentos que temos visto na rede, do ponto de vista da informação, é a descoberta de como funcionam determinados territórios, se há algum tipo de bloqueio e etc. Acredito que, no fim das contas, a rede mostra que ela é sempre ação direta, que é um espaço onde não precisa se pedir benção a ninguém. Até o Papa falou sobre isso, pedindo para que os fiéis tenham um blog.
Não é mais necessária uma mediação teológica para se produzir informação teológica. Se você é leigo na Igreja Católica, você pode produzir informação teológica. Isso é o interessante. Por um lado um altíssimo poder dos locais e por outro, a produção de informação direta, sem nenhum tipo de intermediação. Vivemos diretamente, do ponto de vista da informação, seja e qualquer canto dela, desde o jornalismo à música, uma era de desinternalização. Esta é a marca da radicalização da internet. Isto também tem dimensões econômicas, trazendo novos modelos de negócios, oportunidades de trabalho diferenciadas daquelas da web de vinte anos atrás.
IHU On-Line – Qual a sua opinião sobre o marco civil da internet?
Fábio Malini – O marco civil é algo absolutamente importante. Quando não se tem direitos, se é submetido a lei do mais forte. Hoje se colocam vários casos de censura na internet no Brasil, à blogs, por exemplo, que revelam algum tipo de bastidor do poder que não era para ser revelado, ou algum tipo de corrupção de alguma empresa. Muitas vezes esses autores são submetidos às leis atuais que bloqueiam seu trabalho. Acho que quando pensamos a partir do direito, e não a partir da sanção, fazemos avançar muitas coisas. A liberdade de expressão também tem aspectos ligados à questão da responsabilidade. Acho que debater direito é sempre debater um jeito que irá possibilitar um uso mais justo dessas ferramentas e, por lado debater a responsabilidade também. O debate público do marco civil, a priori, é muito importante. Ainda temos um pensamento muito disciplinar. No Brasil temos muito pouco tempo de democracia, desde 1988 somente. As novas gerações, sobretudo, vêm de uma dimensão democrática, mas o Brasil tem uma cultura muito autoritária em relação à liberdade de expressão. Ser livre para expressar o pensamento é algo que não faz parte da cultura brasileira.
Quando produzimos publicamente um marco civil para a rede, em princípio também iremos avançar em políticas democráticas. Quanto mais democracia, mais desenvolvimento. Não é o desenvolvimento que traz a democracia. O marco civil, garantindo liberdade de expressão possibilita que surjam também outras possibilidades, outras ferramentas e plataformas. Vivemos efetivamente em um mundo em que a internet está sempre sob controle e suspensão. O fato de se criar um marco civil, que garanta a liberdade na rede, para muitos é um problema. Por exemplo, a liberdade de compartilhar arquivos, um debate econômico fortíssimo, que envolve não só direitos civis, mas também econômicos. Baixar uma música, um vídeo ou um programa é algo criminalizado em vários países do mundo. Isso tudo porque a internet possibilita a ação direta, a expressão e novos arranjos econômicos, que muitas vezes estão bem contra à arranjos econômicos já seculares vigentes em determinados lugares.
IHU On-Line – A partir das possibilidades que a Internet nos oferece hoje, qual a importância da consolidação do trabalho colaborativo e do ativismo pela internet?
Fábio Malini – O ativismo é algo que, efetivamente, possibilita primeiro à percebemos algo que não percebíamos no senso comum. O ativismo cria um saldo, um acúmulo político. Por exemplo, um ativismo político do final da década de 1990, em Seattle, nos Estados Unidos, onde o mundo se manifestava contra uma certa forma de produzir a economia do neoliberalismo, mudou radicalmente a forma como a rede produzia. Isto desde o início do ativismo zapatista, que globalizou a luta absolutamente local, passando pela chamada mídia participativa, durante a manifestação em Seattle (EUA). O ativismo molda a rede de outra forma.
Se pensarmos que em 1999, aconteceu tudo isso em Seattle, e que também neste ano, surgiram o blog, o
Henrique Antoun, professor da UFRJ e autor de Web 2.0: participação e vigilância na era da comunicação distribuída (Rio de Janeiro: Mauad X, 2008) |
napster (1) e as mídias sociais, fazemos uma correlação direta, de que o ativismo em rede faz com que a rede opere de outra forma. Acredito que depois de 1999 com a construção desse ativismo colaborativo, a rede se transmutou e se tornou um espaço mais colaborativo. Durante toda a década de 1990 a rede estava nas mãos de grandes portais e provedores de acesso, das grandes empresas de tecnologia, e na primeira década do século XXI houve uma mudança absurda do ponto de vista de como a rede funciona. O novo livro do Castells, Power comunication (London: OXFORD UK, 2009), demonstra muito bem isso. Grandes empresários de tecnologia, também começam fortemente nesta web participativa, que não são produtos do ativismo colaborativo. Mas o P2P (2) é uma construção que foi moldada pelos ativistas, pelos empresários, como a própria rede. O ativismo produz, e muitas vezes é capaz de transmutar a lógica de como funciona a rede, pois a cultura hacker é algo que precisa ser valorizado, já que é efetivamente algo que cria novas liberdades em termos de informação.
IHU On-Line – Fala-se em resistência das grandes empresas de comunicação em relação à blogosfera e até a tuitosfera, no entanto, vemos algumas dessas grandes empresas e alguns nomes importantes do jornalismo brasileiro usando essas ferramentas de uma forma significativa e até diferente do comportamento que vemos dessas pessoas nos jornais e na TV. Como você vê essa questão?
Fábio Malini – Esta é a lógica do colonizador. Quem coloniza sempre quer continuar a colonizar. Mudar características dentro do jornalismo de portal para um jornalismo mais conversacional, mais dialógico, é algo que tem a ver com o esforço do colonizador, que, inclusive, quer sobreviver. Vejo isso de uma forma um pouco crítica. Principalmente do sentido de que as empresas estão sempre correndo atrás de algo que já aconteceu. É claro que isso não é algo fechado, do ponto de vista de uma análise. Por trás há novas práticas, novas formas de se enxergar cada notícia, de noticiar, de narrar o acontecimento. O que percebemos é que, dentro do modelo do breaking news (últimas notícias), um modelo vigente e arraigado dentro do jornalismo on-line, há a possibilidade de narrar de forma diferenciada, mesmo que bem minoritária. Acho que isso é um avanço, mas mesmo dentro desse avanço um grande problema é que ainda essas fusões entre jornalismo tradicional e jornalismo cidadão, tem modelos autorais ainda muito impregnantes.
Se pegarmos modelos de jornalismo cidadão de grandes portais do mundo, El Pais, O Globo, por exemplo, percebemos, primeiro lugar, que a maior parte desses portais são bastante editorializados, ou seja, o conteúdo da produção noticiosa é muito moldado pelo próprio jornal. É quase uma repercussão da própria agenda informativa semanal desse jornal. Uma segunda questão é o fato de que, muitas vezes dentro dessa fusão está um modelo de propriedade antiga, ligada ainda ao século XX, a ideia de que todo o conteúdo é “meu”. Independente se o leitor publica uma foto, essa foto após ser publicada passa a ser do jornal. É um avanço por um lado, mas pode ser silogismo refletido de fazer com que essas práticas cidadãs se tornem práticas autorais, completamente enviesadas em um certo tipo de modelo de jornalismo, que podemos chamar de tradicional.
Por outro lado se tem novas autonomias. Os blogueiros com freqüência não ganham muito e aqueles que ganham são os chamamos blogueiros de grifes que conseguiram criar um público. Isso que é muito interessante. Assim como o jornal tem seus públicos, esses blogueiros têm também um público que não tem necessariamente a ver com o jornal em que ele trabalha. E aí a partir dessa construção, o jornalista passa a ter mais autonomia, inclusive na forma de noticiário.
IHU On-Line – Qual o futuro da cibercultura?
Fábio Malini – Há estudos teóricos fortes sobre a cibercultura, há estudos políticos inclusive. O livro novo do Castells me surpreendeu muito nesse sentido, ele fala de uma nova teoria da comunicação. De certa forma, nós tendemos, no campo teórico da comunicação, cada vez mais, a termos nossos estudos dominados pela cibercultura porque a convergência estará presente. Não há mais como falar em televisão sem falar de cibercultura. No ponto de vista da práxis, o Brasil é um país que gosta extremamente de tecnologia, então há avanços muito consistentes desde o terreno das narrativas multimídias, construção de plataformas e softwares públicos. Eu acho que o futuro passa muito pela perspectiva de agregar, as plataformas estão cada vez mais trazendo modelos de agregação de dados, de opiniões. Ou seja, não dá mais para pensarmos numa forma de entender cibercultura ainda numa lógica autoral. A cada ano temos nos hibridizado mais, com menos experiências de comunicação e mais de comutação, troca.
Notas:
(1) Napster foi o programa de compartilhamento de arquivos em rede P2P que protagonizou o primeiro grande episódio na luta jurídica entre a indústria fonográfica e as redes de compartilhamento de música na internet. Compartilhando, principalmente, arquivos de música no formato MP3, o Napster permitia que os usuários fizessem o download de um determinado arquivo diretamente do computador de um ou mais usuários de maneira descentralizada, uma vez que cada computador conectado à sua rede desempenhava tanto as funções de servidor quanto as de cliente.
(2) P2P, ou Peer-to-Peer, é uma arquitetura de sistemas distribuídos caracterizada pela descentralização das funções na rede, onde cada nodo realiza tanto funções de servidor quanto de cliente.
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"Quanto mais democracia, mais desenvolvimento". Entrevista especial com Fábio Malini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU