04 Outubro 2007
Hoje, dia 05 de outubro, vencem as mais importantes concessões de canais de rádio e televisão brasileiras, tais como Rede Globo, Record e Bandeirantes. Aproveitando a data, movimentos sociais e organizações da sociedade civil preparam manifestações pedindo o fim da renovação automática e ações imediatas contra irregularidades que acontecem nessas concessões. Sobre este assunto, a IHU On-Line ouviu o professor de Comunicação Social Valério Brittos e Bráulio Ribeiro, da Intervozes . As entrevistas foram feitas por e-mail e por telefone, respectivamente.
“Não há uma política de concessões no País, enquanto conjunto de medidas coerentes entre si e planejadas, visando uma meta específica. Preferencialmente, espera-se o interesse da maioria da população”, afirmou Brittos, que é doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea e professor de Jornalismo da Unisinos. Por isso, os movimentos sociais propõem a revisão das concessões existentes hoje. “Nós defendemos é a criação de conselhos de comunicação social”, mas isso só é possível com “a participação da sociedade civil organizada, do empresariado e do poder público. Esse seria de fato um espaço plural, transparente e democrático para fazer esse processo de avaliação das concessões de rádio e TV”, afirmou, por sua vez, Bráulio Ribeiro, que é coordenador do Coletivo Intervozes.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a política de concessões adotadas pelo Brasil?
Valério Brittos - Não há uma política de concessões no País, enquanto conjunto de medidas coerentes entre si e planejadas, visando a uma meta específica. Preferencialmente, espera-se o interesse da maioria da população. O que há é um Executivo e um Legislativo que se movem de acordo com a demanda e os interesses do mercado, uma prática perfeitamente compreensível nos limites do neoliberalismo reinante. Nesse sentido, as indústrias culturais fazem o que querem, midiatizam como querem e não são questionadas. As concessões servem aos interesses dos grandes grupos empresariais e não à sociedade, o que é muito nítido.
IHU On-Line – Como as mobilizações a favor da revisão das concessões de rádio e TV estão sendo planejadas?
Bráulio Ribeiro - Essas ações estão acontecendo em pelo menos 15 capitais. Até ontem, tínhamos notícia de 15 cidades organizando atividades. Essas atividades começaram a ser planejadas há mais ou menos um mês, quando a coordenação dos movimentos sociais, que é uma articulação de diversos movimentos sociais brasileiros, como MST, UNE, CUT, junto com outras entidades, como o Intervozes, o Conselho Federal de Psicologia, o Movimento dos Trabalhadores Desempregados, começaram a discutir, em um seminário que aconteceu em São Paulo, a criação de uma campanha de transparência de democracia nas concessões de rádio e TV. A partir desse seminário, foi definido que o dia 05 de outubro seria o Dia Nacional de Mobilização e as entidades, a partir desse indicativo, começaram a organizar nos estados as atividades que começaram ontem (dia 04 de outubro)em Brasília e hoje (dia 05) em várias outras cidades.
IHU On-Line - Qual é a sua opinião sobre as mobilizações que pedem democracia e transparência nas concessões?
Valério Brittos - Isso tem uma importância histórica enorme. Tradicionalmente, a questão da comunicação tem dificuldade de mobilizar a população, pois é relegada a uma questão técnica, própria de especialistas. Ao povo, caberia o consumo. Embora as mobilizações sejam reduzidas, elas existem e são crescentes. Deve-se isso à conscientização do problema, que é a falta de democracia do modelo brasileiro de comunicações. Para a reversão do quadro histórico, têm um papel fundamental os movimentos na área das comunicações, que hoje são uma realidade. Uma mobilização popular na área da comunicação é um desafio, pois esses temas, evidentemente, não são cobertos pela grande mídia, dificultando o esclarecimento público.
IHU On-Line - Quais são as principais irregularidades que acontecem hoje com as empresas que possuem concessões?
Bráulio Ribeiro – São diversas irregularidades, e isso varia muito de localidade para localidade. De um modo geral, há um número muito grande de emissoras funcionando com outorgas vencidas, tanto em televisão como em rádio; isso é generalizado. Em Brasília, 50% das rádios FM estão com a outorga vencida. Em São Paulo, esse problema é gritante: são mais de 90% de emissoras de rádio FM comerciais que operam com outorgas vencidas, algumas delas há mais de cinco anos nessa situação. Essa é uma irregularidade bem freqüente. Além disso, temos, por exemplo, emissoras que veiculam além do limite de publicidade, que é 25%. Então, aqueles canais de compra que operam em canal aberto, UHF, vendem produtos 24 horas por dia, ou seja, fazem publicidade 24 horas por dia, o que não é permitido por lei. Enfim, existem inúmeras irregularidades, como políticos que são donos, proprietários, diretores de emissoras de rádio e televisão, o que também é proibido por lei. A lista é grande. Há emissoras com dívidas trabalhistas imensas, sublocação de concessão, ou seja, a empresa é dona da concessão e ela subloca uma parte da sua grade de programação para uma outra empresa, o que também é vetado por lei.
Valério Brittos - As irregularidades podem ser resumidas na concentração da propriedade, questionando o Código Brasileiro de Telecomunicações e a própria Constituição Federal. Isso passa por elementos como controle de mais de um canal em uma mesa base geográfica, e propriedade de veículos além do máximo legal. Também há questões documentais sérias. Pode-se pensar que a própria liberdade de expressão não existe num mercado oligopolizado.
IHU On-Line – Como o senhor vê o fato de que até 1988 renovar concessões de rádio e televisão era um poder exclusivo do Executivo e agora esse poder se estende também ao Congresso Nacional?
Bráulio Ribeiro – Do nosso ponto de vista, o processo de renovação de concessão continua, antes e agora, distante daquele de quem mais deveria participar desse processo, que é a população. Isso mesmo hoje, com a presença do Congresso Nacional participando do trâmite de outorga e de renovação de concessões, o que obviamente é melhor do que em relação ao que tínhamos antigamente. Antes de 1988, a discricionalidade do executivo em outorgar concessões de rádio e TV era um absurdo. Lembremos do caso clássico do Governo Sarney, que dois meses antes de terminar seu mandato, distribuiu, junto com Antonio Carlos Magalhães, quase 600 concessões de rádio e TV. Isso mostra como as concessões até 1988 eram utilizadas de maneira escancaradamente política. Com a entrada do Congresso Nacional nesse trâmite, esse processo, claro, ganhou um pouco mais de transparência. Os parlamentares que têm compromisso com a democratização da comunicação e que participam da comissão da Ciência e Tecnologia em Comunicação, que é por onde começa a tramitação na Câmara, estão atentos a uma série de irregularidades, mas ainda assim o processo de renovação não apresenta a transparência e a democracia necessárias para que a população possa opinar sobre esses processos. Então, o que nós defendemos é a criação de conselhos de comunicação social nacionais, estaduais e municipais, que seriam responsáveis por avaliar e emitir pareceres sobre todas as concessões nas suas localidades. Esse conselho teria a participação da sociedade civil organizada, do empresariado e do poder público. Esse seria de fato um espaço plural, transparente e democrático para fazer esse processo de avaliação das concessões de rádio e TV.
IHU On-Line – Para o senhor, o que precisa ser feito em favor da democratização dos meios de comunicação, ou seja, o que precisa ser feito para que o sistema de concessões de canais de TV e rádio comunitários possam ser desburocratizados?
Bráulio Ribeiro – O que nós precisamos fazer é que o Brasil avance numa democratização da comunicação no País, o que é, inclusive, condição para a própria democracia. A sobrevivência da democracia em um Estado está diretamente ligada à diversidade, pluralidade e igualdade, para que os vários atores da sociedade tenham acesso aos veículos de comunicação. Isso é condição para a manutenção do próprio estado democrático de direito do País. Para tanto, o Brasil precisa rever o seu modelo de comunicação. Hoje, o País tem um modelo hegemonicamente comercial, à medida que mais de 95% das emissoras de rádio e televisão são comerciais. Há um pequeno número de emissoras estatais também. Emissoras públicas de fato, com gestão pública, programação pública, não existem no Brasil. Pretende-se criar uma emissora pública no Brasil, mas que já começou totalmente errada, porque o Conselho Editorial está sendo indicado pelo Executivo, quando deveria ser, de alguma maneira, indicado pela sociedade. O que é necessário fazer é rever esse modelo de comunicação, pois não é possível um País ter uma hegemonia tão grande de um único sistema comercial. A própria Constituição Brasileira prevê a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal. Do nosso ponto de vista, é fundamental o desenvolvimento e criação de um sistema público de comunicação. É aí que entram as TV’s e rádios comunitárias, que são emissoras de natureza pública, pois têm conselho participativo da sociedade que opina e participa da programação. Então, elas compõem o sistema público, mas não só elas: emissoras realmente públicas mantidas pelo Estado, também devem estar dentro deste “pacote”. Nós defendemos que o Brasil precisa constituir um sistema público de comunicação forte.
IHU On-Line – Quais são as maiores implicações dessa proposta de mudança no modelo de concessões de rádio e TV?
Bráulio Ribeiro – As implicações diretas são a revisão das concessões que hoje existem. Como o espectro eletromagnético por onde trafegam as ondas de rádio e televisão é um espectro limitado, temos, por exemplo, em São Paulo, uma situação-limite, pois no estado não é possível a entrada de mais nenhum canal de televisão novo. O espectro está todo tomado. Mas está tomado por quem? Por emissoras que veiculam publicidade 24 horas por dia e outras dezenas de emissoras comerciais. O que precisamos é fazer uma revisão dessa ocupação do espectro eletromagnético. Na maioria das cidades, há sobra de espaço nesse espectro, o que permitiria a entrada de novos atores, mas não atores comerciais, e sim atores públicos e estatais. O outro impacto imediato dessas nossas propostas seria de fato o que nós chamamos de limpeza do espectro, ou seja, tirar do ar todas essas emissoras irregularidades. Outra irregularidade que começamos a detectar recentemente é a de uma mesma empresa ser dona de mais de uma emissora do mesmo tipo numa mesma localidade, o que também é vetado por lei.
IHU On-Line – Como se apresenta a proposta desse novo marco regulatório para as comunicações?
Bráulio Ribeiro – O marco regulatório precisa surgir a partir de uma Conferência Nacional de Comunicação. O Brasil tem hoje uma legislação extremamente anacrônica, defasada e confusa em relação à comunicação. O marco regulatório para radiodifusão é de 1962, o da TV a cabo é de 1995, e há uma série de decretos e portarias que regulamentam outros serviços de comunicação. A Lei Geral de Telecomunicações de 1997 é a mais recente. Ou seja, temos uma confusão legislativa. Na nossa visão, a Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa precisa ser unificada a toda essa legislação que está espalhada e criar um marco regulatório moderno e atualizado para o Brasil, deixando claro que esses milhões de serviços de comunicação estão dentro de um grande “guarda-chuva” que é a Comunicação Eletrônica de Massa. O debate sobre esse novo marco regulatório precisa acontecer sob o âmbito de uma Conferência Nacional de Comunicação.
IHU On-Line – Que tipo de problemas os critérios econômicos criam no processo de licitação para a concessão de outorgas de rádio e TV no Brasil?
Bráulio Ribeiro – Esse é um problema muito sério. Há uma discussão latente que precisa ser resolvida. Quando alguém faz uma licitação para concessão de rádio e TV e que coloca como o maior valor financeiro oferecido o Estado, acaba privilegiando apenas interesses econômicos nesse processo. Ou seja, quem tem mais dinheiro é quem vai ter acesso a um canal de rádio e televisão, quando nesse processo de ocupação dos canais de rádio e televisão deve-se levar em consideração, principalmente, os critérios de diversidade, da pluralidade, da igualdade de oportunidade no espectro eletromagnético. Esses são os valores que estão consagrados na legislação em relação ao uso da comunicação. Então, a comunicação precisa ser diversa. Os diversos setores da sociedade têm que estar expressos na comunicação social brasileira. Quando unicamente o fator econômico é privilegiado, já é excluído do processo de seleção 98% da população brasileira que não tem condições de pagar um valor absurdo por uma concessão de rádio e televisão.
IHU On-Line - A briga entre a Record e a Globo deve se intensificar agora com o lançamento da Record News?
Valério Brittos - Sim, na verdade já se intensificou. É uma fissura no âmbito de uma mesma classe, a dominante. Mas, assim mesmo, é interessante, pois é a partir dessa cisão que podem vir à tona denúncias sérias ilegalidades, via de regra pouco fiscalizadas pelo poder público, quando se trata da comunicação hegemônica. Isso já vem ocorrendo. Cabe à sociedade civil buscar valer os seus direitos, avançando nas denúncias e mobilizando os mais amplos setores sociais, a fim de que os agentes governamentais intervenham.
IHU On-Line - Como o senhor vê o fato de uma empresa, como a Record, ter dois canais de TV aberta?
Valério Brittos - Isso é um absurdo. Existe explicação para tudo e é com base em detalhes jurídicos que a Record sustenta sua defesa. Mas tem sido assim. A Bandeirantes também tem dois canais abertos em São Paulo. Se somarmos os canais abertos e os mistos, em parte abertos e em parte fechados, o problema agrava-se, como nos casos da RBS TV Porto Alegre e da TV COM, por exemplo. No caso do rádio, esses grupos têm várias emissoras. Claro, na prática sua composição acionária tende a diferenciar-se, mas todo mundo sabe quem são os controladores. A própria publicidade desses grupos coloca-os sob um mesmo dono. O maior absurdo ainda é que o presidente da República participou do (re) lançamento de um canal com esse vício de origem, como a Record News.
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Concessões de rádio e TV: uma discussão contemporânea. Entrevista especial com Valério Brittos e Bráulio Ribeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU