13 Junho 2016
Os católicos tendem a ver o "Santo e Grande Concílio" de junho das igrejas ortodoxas como não tendo nada a ver com eles, mas isso é um erro grave. Os católicos têm relação com o fato de os ortodoxos agirem em conjunto por razões teológicas, pastorais e políticas ou não.
Em uma semana, mais um capítulo da história cristã deve acontecer na ilha de Creta, quando os líderes de todas as Igrejas Ortodoxas independentes do mundo começarem o "Santo e Grande Concílio" pela primeira vez em um milênio.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 12-06-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
"Deve" é palavra-chave aqui, à luz dos mais recentes indícios de um possível desastre.
Em outras palavras, na véspera do que um importante clérigo ortodoxo vagamente denominou seu "Vaticano II", parece que ainda há algo a ser desvendado.
O que não seria surpreendente, com toda a honestidade. Há uma razão para que as igrejas ortodoxas não tenham se reunido desde a separação entre Oriente e Ocidente em 1054: elas raramente se dão bem. Cada igreja guarda suas prerrogativas zelosamente e geralmente há considerável suspeita sobre as outras.
A ideia de que tal concílio aconteceria sem nenhum contratempo sempre foi uma fantasia e a única parte surpreendente é que tenha demorado tanto tempo para a crise entrar em erupção.
Apesar de tudo, Constantinopla lançou um apelo a todos os líderes ortodoxos para que compareçam e iniciou um "comitê de mensagens" para o concílio na última quinta-feira, descrevendo a sua missão como afirmar "raízes coletivas, apesar de um histórico complicado, que se estende por centenas de anos e compreende culturas inimaginavelmente diversas".
Católicos tentados a encarar tudo isso como prova de imaturidade ortodoxa fariam bem em recordar a nossa própria história atribulada de bispos deixando concílios enfurecidos. Antes da votação final sobre o dogma da infalibilidade papal no Vaticano I no século XIX, por exemplo, 55 bispos da oposição assinaram um protesto ao papa, Pio IX, e em seguida fizeram suas malas e saíram de Roma.
(Um dos poucos que ainda permaneceu em Roma para realmente votar "não" foi o norte-americano Edward Fitzgerald, de Little Rock, que acreditava que declarar infalibilidade papal tornaria a conversão dos protestantes mais difícil. Considerando que o Arkansas permanece até hoje com quase 80 por cento de protestantes e apenas 7 por cento de católicos, compreende-se a preocupação, embora seja obviamente discutível se isso é realmente culpa de um dogma de 1870.)
Neste momento, parece impossível prever o que pode acontecer em Creta.
Por um lado, é possível que tudo pare em meio a disputas internas, documentos arquivados, decisões atrasadas e o concílio poderia ser considerado um enorme fiasco.
Por outro, o concílio pode surgir milagrosamente em torno de alguns pontos há muito discutidos, ortodoxos do todo o mundo podem cantar hosanas e os bispos que se recusaram a participar podem se culpar por ter perdido o evento.
Muitos católicos podem ficar tentados a ver o concílio como não tendo nada a ver com eles, mas isso é um erro grave. Os católicos têm relação com o fato de os ortodoxos agirem em conjunto ou não por três razões fundamentais.
A primeira é uma razão teológica. Católicos e ortodoxos não estão unidos eclesiasticamente, mas somos todos batizados cristãos, então somos todos parte do Corpo de Cristo.
São Paulo disse aos coríntios: "Quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele; quando um membro é honrado, todos os outros se alegram". Isso pode ser apenas retórica piedosa ou não, e em que medida os outros cristãos se preocupam com um dos eventos mais importantes da Ortodoxia nos últimos 1.000 anos parece um bom teste.
Em segundo lugar, uma prioridade da Igreja Católica nos últimos 50 anos tem sido o ecumenismo, ou seja, há uma certa pressão para uma maior unidade dos cristãos. Além do imperativo evangélico "que todos sejam um", o compromisso é também um reconhecimento prático de que é difícil pregar unidade ao mundo enquanto os cristãos estiverem divididos entre si.
A aproximação do catolicismo tende a começar com os ortodoxos, porque a ruptura entre o Oriente e o Ocidente é a primordial cisma cristã e também porque os católicos têm mais afinidade eclesiástica e sacramental com os ortodoxos do que muitas outras denominações cristãs.
Uma dor de cabeça crônica, no entanto, vem do fato de que não há ninguém que possa realmente falar por toda a tradição ortodoxa e as várias igrejas ortodoxas não compartilham a mesma frequência de pensamento. O Patriarcado de Constantinopla, o tradicional "primeiro entre iguais", é geralmente bastante aberto ecumenicamente, mas o mesmo nem sempre pode ser dito da Igreja Ortodoxa Grega, por exemplo, ou da Russa.
Quanto mais os ortodoxos estiverem unificados, mais fácil se tornará o diálogo ecumênico.
Em terceiro lugar, há uma motivação política. O Vaticano estiliza a si mesmo como uma voz da consciência nos assuntos mundiais e compreende que é mais fácil mover as peças do jogo se puder falar em nome de uma ampla coalizão cristã e religiosa.
Forjar essas parcerias com igrejas ortodoxas, no entanto, algumas vezes é complicado devido a seus fortes laços nacionalistas. Tente convencer o Patriarcado de Moscou para criticar a política russa na Ucrânia, por exemplo, e fica fácil de entender.
Quanto mais os ortodoxos se reúnem para ver uns aos outros como principais interlocutores, ao invés de seus governos nacionais, mais fácil pode ser a construção de uma frente cristã em comum. Um exemplo claro hoje de onde as igrejas já estão cooperando, mas onde elas poderiam estar fazendo muito mais, é a defesa dos cristãos perseguidos, cujo sofrimento vem sendo descrito por Francisco como um "ecumenismo de sangue".
Em outras palavras, em junho trará provas de fogo para ortodoxos e católicos.
Para os ortodoxos, se conseguirão emplacar uma vitória conciliar do que se pode sentir como uma grande possibilidade de derrota, no momento.
Para os católicos, se seremos capazes de olhar para além dos nossos próprios dramas internos por um momento e ver a considerável participação que temos nos dramas internos de outros. Não podemos controlar os resultados, mas podemos, pelo menos, reconhecer que eles importam.