28 Abril 2016
Lendo nas entrelinhas da Amoris laetitia, podem-se encontrar razões de esperança na exortação do papa. Mas toda aquela misericórdia desdobrada é sinal de um desejo nostálgico de um passado idealizado.
A opinião é do advogado francês Jean-Pierre Mignard, em artigo publicado no sítio Témoignage Chrétien, 21-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A leitura da exortação apostólica do Papa Francisco Amoris laetitia, que completa o processo sinodal dedicado à família e ao amor, deixa uma sensação de desconforto. Duzentas e sessenta páginas são muitas para lembrar o que textos anteriores já diziam. As citações são longas, até mesmo impressionantes e às vezes suntuosas, mas é preciso buscar entre elas para descobrir a posição papal, ela mesma fruto de um compromisso que se imagina muito longo, complicado e, digamo-lo claramente, insatisfatório com os Padres sinodais.
Não aprendemos nada mais do que já sabíamos. Percebemos uma tímida abertura em favor dos divorciados recasados, que, depois de um exame caso a caso, submetido a um discernimento sutil confiado a um padre, poderão, talvez, reivindicar a volta como tais ao altar. Muitos o fazem sem dizê-lo. Portanto, trata-se de uma reivindicação aceita. É seguramente um pequeno progresso, e, certamente, o papa influenciou com todo o seu peso em favor dessa jurisprudência do caso a caso, de espécie e não de princípio, para retomar a linguagem dos juristas. Mas tudo isso é morno e forçado.
Christine Pedotti tem razão: "Em um mundo que vai às pressas, cada vez mais às pressas, a Igreja Católica tem o tempo das prudências e das lentidões de uma instituição que crê que ainda pode viver no ritmo da eternidade" (Témoignage Chrétien, Lettre hébdo nº. 3.677). Fazer uma pergunta já é responder...
Portanto, é com uma sábia parcimônia que as segundas uniões dos divorciados serão redimidas. Não falamos dos casais homossexuais; estes e estas são banidos, e a única via que lhes é oferecida é de compreender o desígnio de Deus a seu respeito. Em outros termos, deixar de serem o que são.
Ninguém, aparentemente, se perguntou o que envolveria para um canhoto começar a assinar, a partir de agora, com a mão direita. Paciência, é assim mesmo: todos e todas condenados/as ao onanismo vitalício, considerado, aliás, como uma desordem em textos anteriores? Ou a viver no concubinato e no pecado, pois de pecado se trataria? Sombrio tudo isso... e nada misericordioso!
Mas um ponto merece ser aprofundado. Trata-se do olhar infinitamente pessimista sobre as nossas sociedades. Marcadas pelas "tensões causadas por uma cultura individualista exagerada da posse e fruição" (n. 33). A palavra fruição (jouissance), aos ouvidos franceses, já soa como triste memória, porque era a causa do castigo reservado à França do Front Populaire pela ocupação nazista. Ou, ao menos, era essa a explicação de Philippe Pétain...
E, depois, "a afetividade narcisista" (n. 41) explicaria a "queda demográfica" (n. 42). É isso mesmo? Pouco importa que se preveja que seremos entre 10 e 12 bilhões em algumas décadas, quebrando todos os recordes.
Mas, acima de tudo, o nosso tempo seria marcado pelo "descalabro moral e humano" (n. 35). Nesse ponto, os meus braços caem. Não que eu valorize a nossa época, porque a lista das carências, culpas e crimes seria longa, mas esse encurvamento nostálgico sobre o passado é inquietante e, digamo-lo claramente, perigoso.
O matrimônio não é nem nunca foi o talismã que protege a sociedade contra o mal. Também não foi a sua causa, certamente não, mas também não é um baluarte. Mesmo na Rússia stalinista as pessoas se casavam, e não era visto com bons olhos pelos camaradas o fato de viver como concubinos, mesmo na Itália mussoliniana. E ai dos desviantes!
Todos vimos o soberbo "Um dia muito especial" de Scola. E, depois, na Alemanha hitleriana, "Kinder, Küche, Kirche" (crianças, cozinha, igreja) era um slogan de base para um regime, aliás, profundamente ateu.
Certamente, o matrimônio nos evitou o rapto das Sabinas, mas o matrimônio, acima de tudo, é a sujeição da mulher. Desde os patriarcas bíblicos, passando por Roma e continuando com o matrimônio cristão, é sempre uma questão de mulheres que são casadas e de histórias de gado, de campos ou de dinheiro em dote.
É preciso ler as páginas definitivas de Georges Duby sobre o casamento cristão ou simplesmente ver o magnífico quadro de Greuze (imagem), em que o pai, discorrendo com o notário, entrega um dote em dinheiro ao genro – sua filha é um não sujeito. Ou a série de telas que mostram o matrimônio "à-la-mode" de William Hogarth, em que a futura esposa se entretém com um douto clergyman, enquanto o pai e o sogro, auxiliados por notários, rivalizam em gênio comercial.
Os filhos reais, casados aos sete ou oito anos, não estavam em uma posição melhor, porém eram todos abençoados. Os casamentos nas classes mais altas eram assuntos de mercadores e de comerciantes, cujas filhas arredondavam os patrimônios... e os padres oficiavam. As outras, rebeldes ou bruxas, foram condenadas à escória do mundo.
Bem raras são as paixões de amor, salvo a de Romeu e Julieta, com o fim que conhecemos, e desta vez o bom monge, Frei Lourenço, que tinha lido Francisco antes de conhecê-lo...
Finalmente, talvez as moças pobres tinham uma chance de se casar por amor, se já não tivessem sido violentadas no incesto ou alhures, e de se casar com um bom rapaz que lhes permitiria escapar da influência de um sapo rico. E depois tantas viúvas de guerra... As grandes viúvas ricas e cultas, às vezes, podiam ter um destino, a viúva Scarron, Madame de Maintenon, por exemplo.
Tudo isso era tão moral? Qual seria o "descalabro" de que se fala e que marcaria o nosso tempo? E as 130 esposas mortas pelos seus maridos a cada ano só na França não seriam, talvez, uma degradação moral? Quantos divórcios são sinônimos de vidas salvas?
Eu não só não me somo, mas contesto. E espero que o mundo católico progressista, orgulhoso da sua liberdade de consciência, também não se some, recordando que as duas grandes datas da emancipação da mulher e do fim do casamento concebido como um cabresto em volta do pescoço são 1792, com a primeira lei sobre o divórcio, e 1965, com a lei sobre a capacidade jurídica das mulheres.
Decisivamente, será necessária ao papa muita "criatividade corajosa", à qual ele mesmo convidava em julho de 2015, para pôr em movimento o pesado navio assoreado da Igreja Católica.
Uma palavra para concluir: milhões de pessoas vivem a alegria no matrimônio, por sorte! Cabe a elas dizer a todos os sínodos do mundo que isso não é um privilégio para elas, e que todos têm o direito de ser felizes. Quem quer que sejam e como quer sejam.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Amoris laetitia ou o repúdio do mundo. Artigo de Jean-Pierre Mignard - Instituto Humanitas Unisinos - IHU