14 Março 2016
Dentro de poucas semanas, o Papa Francisco deve lançar um novo documento sobre a família que pode tocar em tópicos polêmicos como o divórcio e o recasamento religioso, além da união entre pessoas do mesmo sexo.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 10-03-2016. A tradução de Isaque Gomes Correa.
Francisco fomentou um longo debate sobre estes temas ao convocar dois Sínodos dos Bispos – em 2014 e 2015 – centrados no tópico da família. A preparação para estes eventos incluiu consultas diocesanas junto a especialistas leigos e ordenados e, em alguns lugares, pesquisas de opinião abertas entre os fiéis sobre o estado atual da família.
No encerramento do Sínodo 2015 em Roma, cerca de 270 bispos emitiram um longo documento contendo sugestões ao papa. Este documento recomendava uma abertura significativa da prática católica para com os que se divorciaram e voltaram a se casar.
Agora, tudo indica que, no fim de março, o papa venha a publicar mais uma exortação apostólica. O texto deverá resumir os debates e as decisões dos últimos encontros sinodais, mas, como tudo que vem deste papa argentino previsivelmente imprevisível, não se sabe qual direção Francisco irá tomar em sua escrita.
Ele poderá simplesmente reafirmar o que disseram os bispos em outubro, no documento final de 94 páginas produzido por eles, acrescentando detalhes aqui e ali, mas sem tocar excessivamente em tópicos polêmicos.
Ou poderá fazer o que fez com as discussões do Sínodo de 2012 sobre a nova evangelização, deixando de lado as inquietações dos Padres Sinodais para escrever o seu próprio manifesto, o documento Evangelii Gaudium (“A Alegria do Evangelho”), publicado em 2013.
Um dos participantes no Sínodo do ano passado disse que não esperar que a exortação seja um documento “bombástico”, mas que isso também “não significa que ele tenha de ser brando ou deixar de lado os temas principais”.
“Eu acho que este documento papal vai ser uma típica combinação de Bergoglio: uma combinação de desafio e encorajamento”, disse Dom Mark Coleridge, da Arquidiocese de Brisbane, Austrália. “Esse papa tem a estranha capacidade de dizer as coisas que podem ser bastante lancinantes, mas que acabam sendo encorajadoras também”.
Coleridge, que participou no Sínodo dos Bispos 2015 como um dos dois prelados eleitos pelo episcopado australiano, disse esperar que Francisco possa encorajar os jovens que estão casados ou que estão pensando em se casar, desmascarando algumas mentiras e meias verdades que se juntaram em torno do matrimônio e da família nos últimos tempos.
“Se conseguir equilibrar o encorajamento e o desafio, o papa será o elemento unificador que Pedro constitui, conduzindo-nos para além das batalhas ideológicas e confirmando-nos na fé”, disse Coleridge.
O dizer “batalhas ideológicas” refere-se aos muitos debates que aconteceram durante o Sínodo dos Bispos no ano passado, quando os participantes discordaram em assuntos tais como divórcio, segundo casamento, uso de métodos contraceptivos e casamento homoafetivo.
Alguns dos momentos mais polêmicos centraram-se sobre a prática católica para com os fiéis que se divorciam e voltam a se casar sem obter, antes, as devidas anulações de seus compromissos matrimoniais prévios. A prática em vigor na Igreja proíbe que tais pessoas recebem a Comunhão.
O documento final do Sínodo ocorrido em outubro de 2015 pareceu direcionar a tomada de decisão sobre como os fiéis divorciados participam na Igreja para conversas privadas entre eles e os pastores nas dioceses ao redor do mundo.
Sugerindo o que se chama “foro interno”, o documento escreve que os sacerdotes podem ajudar os católicos recasados a “tornarem-se cônscios da situação em que se encontram diante de Deus” e, então, decidir como seguir em frente.
“A conversa com o sacerdote, no foro interno, contribui para a formação de uma decisão correta sobre o que está impedindo a possibilidade de uma participação mais plena na vida da Igreja e sobre os passos que podem fomentar esta participação e fazê-la crescer”, lê-se no texto.
Richard Gaillardetz, destacado teólogo americano, afirma esperar que o Papa Francisco preencha com suas ideias a menção, presente no documento final, do emprego do foro interno.
“Acho que, pelo menos, alguns dos bispos e uma boa parte dos teólogos como eu gostariam de ver este escopo se expandir aos cônjuges que adjudicariam o status sacramental de seu primeiro casamento e que lamentam a morte existencial desta primeira relação”, declarou Gaillardetz, professor de Teologia Católica Sistemática na Boston College.
“Estas pessoas desejam reconhecer a presença e a atividade do Espírito em sua nova situação conjugal e pretendem se beneficiar do alimento e cura espiritual participando plenamente da vida sacramental da Igreja”, completou.
O Sínodo do ano passado centrou-se também nas preocupações das famílias africanas. Muitos prelados deste continente que participavam do encontro falaram, com eloquência, sobre as situações difíceis de violência e pobreza que as igrejas locais aí enfrentam.
Um observador católico da África disse esperar que a exortação “desenvolva um ambiente” que permita alinhar o matrimônio e a família no continente de maneira mais próxima do ensino católico.
“É preciso que a exortação tenha um cunho crítico, porque existe muita coisa envolvida no matrimônio e na família que pede por reconsideração e redenção”, disse o padre jesuíta Agbonkhianmeghe Orobator. Ele especificamente menciona a violência de gênero, a poligamia e o casamento envolvendo crianças como problemáticas deste continente.
“Espero que o documento papal preste atenção aos contextos complexos e complicados da África e que sublinhe a importância fundamental de se investir em condições e meios de empoderamento do povo, visando criar melhores testemunhas do Evangelho da família e praticantes eficazes da espiritualidade familiar”, disse Orobator, teólogo moral e reitor da Universidade Hekima, em Nairóbi, Quênia.
Um outro tema que Francisco pode trazer presente na exortação é o seu apelo por uma Igreja que seja mais “sinodal”, ou uma Igreja em que haja uma melhor descentralização nas decisões.
Em um discurso proferido no Sínodo de 2015, na ocasião do 50º aniversário dos encontros sinodais, Francisco pediu por uma Igreja onde todos e todas escutem uns aos outros e trabalhem unidos no discernimento da vontade divina.
Citando o texto da Evangelii Gaudium, o pontífice falou que havia uma “necessidade de proceder a uma salutar descentralização” das estruturas da Igreja.
Coleridge manifestou a esperança de que a exortação por vir possa aprofundar o entendimento papal de colegialidade e sinodalidade, em particular “o que o papa quer dizer (…) quando fala de uma ‘salutar descentralização’, deixando algumas decisões aos bispos e suas conferências nestes temas mais condicionados culturalmente”.
O historiador italiano da Igreja Massimo Faggioli escreveu que um sinal que devemos procurar quanto ao compromisso do papa com a descentralização é se ele vai citar, em sua exortação, apenas o documento final do Sínodo 2015, ou se irá também considerar os debates ocorridos no encontro de 2014.
“Se ele considerar e citar também estes debates, estaremos diante de algo importante, pois o processo sinodal está sendo levado a sério”, disse Faggioli, professor da Universidade de St. Thomas, em St. Paul, Minnesota.
Gaillardetz igualmente manifestou esperança de que a exortação papal a ser lançada em breve aborde positivamente a questão das pessoas gays, lésbicas, bissexuais e transgêneras.
O teólogo menciona que o relatório do Sínodo de 2015 não fora tão aberto para com a comunidade LGBT quanto um relatório intermédio produzido pelo Sínodo de 2014, que possuía uma seção intitulada “Como Acolher as Pessoas Homossexuais”.
“Tenho a esperança de que o papa recupere os ganhos que vimos no Sínodo de 2014 e reafirme o caráter positivo as muitas relações comprometidas, estáveis de pessoas do mesmo sexo”, disse ele.
Acima de tudo, continuou Gaillardetz, há a esperança de que o papa “siga o seu instinto pastoral, que em geral o leva a encontrar as pessoas onde elas estão”.
“O ensino católico moderno já disse o suficiente sobre o matrimônio e a família em uma linguagem altamente romantizada que, em geral, está bem longe da realidade existencial das pessoas comuns”, acrescentou.
Durante uma coletiva de imprensa a bordo do avião que o trazia de volta a Roma depois de visitar o México em fevereiro, Francisco afirmou que deseja publicar a sua exortação antes da Páscoa, que este ano será no dia 27 deste mês.
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A exortação de um papa previsivelmente imprevisível - Instituto Humanitas Unisinos - IHU