15 Dezembro 2015
Quando Evelyn Nguleka alerta que a população mundial não deve morder a mão que lhe dá de comer, acrescenta que não se refere apenas à proteção dos agricultores, mas também à do ambiente. “A terra nos alimenta e os agricultores se encarregam de alimentar o mundo. Temos que proteger ambos”, afirmou a presidente da Organização Mundial de Agricultores (OMA) e da União Nacional de Agricultores de Zâmbia.
A reportagem é de D.McKenzie, publicada por Envolverde, 11-12-2015.
“Não somos apenas parte do problema, mas também somos parte da solução, e isso é crucial”, destacou Nguleka em uma mesa-redonda de alto nível realizada no dia 9, durante a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), que termina hoje em Paris.“A exclusão da agricultura no passado foi um erro”, afirmou no debate A Agricultura no Terreno Posterior a Kioto, organizado pela OMA em associação com a Organização Mundial de Saúde Animal.
Embora a COP 21 termine hoje, os países ainda discordam sobre se a atenção deve se centrar na mitigação (principalmente pela redução do desmatamento, da gestão do solo e do aumento da produtividade) ou na adaptação. Algumas organizações do Sul em desenvolvimento argumentam que os agricultores dessas regiões não são responsáveis pela maior parte das emissões de gases-estufa que provocam o aquecimento global e, no entanto, sofrem a mudança climática e, assim, necessitam de apoio nas estratégias de adaptação.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a agricultura emite de forma direta 13,5% dos gases-estufa no mundo, com o metano liberado na digestão animal e o óxido nitroso das terras cultivadas, e indiretamente outros 17% pelo desmatamento ou no uso de terras para a pecuária. As grandes empresas agroindustriais também são acusadas de práticas insustentáveis, como plantio de monoculturas e uso generalizado de pesticidas e hormônios. Mas os ativistas da sociedade civil argumentam que se deve distinguir claramente entre as transnacionais e os pequenos produtores.
“Para os países africanos, que já sentem as consequências da mudança climática em sua agricultura e suas economias, a adaptação é claramente uma prioridade”, afirmou Teresa Anderson, responsável por políticas climáticas e resiliência da ActionAid, que trabalha com comunidades de pequenos agricultores em todo o mundo.“Precisam de apoio com urgência para lidar com as consequências de um problema que eles não criaram. Na realidade, isso se reduz a garantir suficiente apoio financeiro para que possam enfrentar a adaptação, e o reconhecimento de que quanto maior for a temperatura do planeta mais adaptação e apoio necessitarão”, acrescentou.
Organizações como o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) indicam que esses agricultores “habitam algumas das paisagens mais vulneráveis e marginais e frequentemente são ignorados nos debates sobre políticas internacionais e nacionais com relação à mudança climática”. O Fida trabalha para aumentar a resiliência climática de até oito milhões de pequenos agricultores afundados na pobreza.
Para a OMA, tanto a adaptação quanto a mitigação são importantes, porque “os agricultores estão todos sob um mesmo teto” e precisam encontrar soluções em conjunto para lutar contra o aquecimento do planeta. No debate do dia 9, Nguleka pontou que a agricultura e a segurança alimentar devem ser “parte” de qualquer acordo, porque os agricultores, principalmente em regiões como África e Ásia, estão na primeira linha da mudança climática.
“Necessitamos de bons solos e bom ar, para sermos capazes de fazer o que fazemos. Sem a preservação do ambiente não existe agricultura. Temos que ser parte da equação”, ressaltou Nguleka. A presidente da OMA alertou que, quando as pessoas não puderem se alimentar por sua conta,“se dirigirão para o norte”, e os países industrializados então precisarão lidar com mais imigração e um auge de população. “A tecnologia deve chegar às bases para que as pessoas possam sobreviver onde estão”, acrescentou.
Tim Groser, ministro de Comércio e Assuntos de Mudança Climática da Nova Zelândia e um dos participantes do debate, disse quesua atenção se centra na mitigação e que esta questão não pode “ser varrida para debaixo do tapete”. A pecuária representa cerca de metade de todas as emissões de gases-estufa na Nova Zelândia, afirmou. Segundo especialistas, a maior parte é metano emitido pelo gado, e a proporção agrícola é cerca de seis vezes superior à média dos países do Norte, que é de 7,5%.
Com esse cenário, a Nova Zelândia está em busca de soluções, reconheceu Groser, mas acrescentou que o “vegetarianismo” não é uma resposta. Em sua opinião, a segurança alimentar é de extrema importância, sobretudo porque se prevê que a população mundial aumentará para nove bilhões de habitantes até 2040.Alguns grupos da sociedade civil defendem comer menos carne e produtos lácteos, já que vários estudos indicam que a adoção de uma dieta vegetariana pode ajudar a reduzir as emissões de metano e outros gases causadores do efeito estufa.
Mas Bernard Vallat, diretor-geral da Organização Mundial de Saúde Animal, assegura que,“se for administrada adequadamente”, a pecuária pode ter um “papel decisivo” na redução das emissões, já que os resíduos orgânicos dos animais poderiam ser empregados para gerar energia renovável, como o biogás. “Devemos assegurar um enfoque coletivo e interdisciplinar para a sustentabilidade”, pontuou.
O ex-primeiro-ministro italiano Enrico Letta, agora decano do Instituto de Estudos Políticos de Paris, afirmou que a educação das pessoas sobre os problemas e as soluções relacionados com a mudança climática é “a atividade mais importante no longo prazo”. Letta disse à IPS que a COP 21 é particularmente importante para os agricultores, porque esta é a primeira vez que os assuntos agrícolas estão “no centro” da discussão.
“Esse é um êxito não só para a agricultura mas também para todo o tema da mudança climática, já que, sem a participação de todos os aspectos agrícolas, é impossível encontrar soluções de longo prazo”, afirmou Letta, acrescentando que os agricultores têm que ser parte da solução porque “é pelo seu próprio bem”.
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Não se deve morder a mão que alimenta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU