07 Dezembro 2015
Não importa que a Igreja possa ou deva ter o critério para admitir ou não admitir um luterano ou um divorciado recasado à comunhão, mas é a vida do luterano casado ou do divorciado recasado que, se conhece e aprecia a comunhão na família em que vive, se habilita, como tal, ao acesso à comunhão sacramental.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, leigo casado, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 02-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No caminho de aproximação ao Jubileu da Misericórdia, era oportuno que fôssemos tranquilizados por uma autoridade da Cúria sobre o fato de que as portas que se abrem para o Ano Santo logo serão fechadas e trancadas, com chaves duplas, para que seja salvaguardada a justiça estabelecida pela Igreja, sem ceder às hesitações da palavra do Evangelho ou aos aprofundamentos das consciências.
Não, a lei da Igreja se propõe como superior ao Deus altíssimo e invisível à consciência profunda e partícipe. E a lei é imodificável, sem possibilidade de alteração, perfeitamente coerente e única verdadeira garantia de justiça e de misericórdia.
O cardeal Sarah (disponível aqui, em italiano) diz que a comunhão é só para os perfeitos: católicos, em estado de graça, não irregulares. Poderíamos nos perguntar: entre exigências para se poder terde acesso à Sagrada Mesa, o cardeal esqueceu de indicar quantos devem ser os metros quadrados da casa onde se mora, quantas cilindradas deve ter o carro que se usa, qual a habilidade do motorista que acompanha o bom católico à Igreja, quantas camisas passadas e engomadas devem estar bem empilhadas no armário, quantos botões para os pulsos são necessários para poder aceder dignamente ao banquete. Talvez poderemos saber isso em uma entrevista?
De todos os modos, nas suas palavras sinceras não há qualquer vestígio de campo de refugiados, de hospital de campanha, de Igreja em saída, de conversão pastoral. Há apenas e exclusivamente a defesa extrema da "ordem constituída", sem qualquer pergunta sobre a adequação da "lei" em vigor no que diz respeito às exigências de misericórdia, de justiça e de testemunho, tão poderosamente propostas pelo Papa Francisco à atenção eclesial.
Talvez o cardeal Sarah pensa que quem levantou a questão da "comunhão interecumênica" e da "comunhão para as famílias ampliadas" foi algum pequeno grupo marginal, alguma periferia esquecida do império, algum fanático extremista? Ele ainda não entendeu que hoje, na Igreja Católica, essa reivindicação de "conversão" é levantada justamente pelo bispo de Roma, o Papa Francisco? Ele não compreendeu que o raciocínio, que ele se deu o direito de definir como "uma bobagem", é a coisa mais séria que se possa pensar hoje? Que há "comunhões de vida" que o sacramento hoje não consegue reconhecer e honrar?
A "bobagem", na verdade, consiste em inverter o raciocínio de Sarah, que, isto isso, parece ser de uma obtusidade desarmante. Não importa que a Igreja possa ou deva ter o critério para admitir ou não admitir um luterano ou um divorciado recasado à comunhão, mas é a vida do luterano casado ou do divorciado recasado que, se conhece e aprecia a comunhão na família em que vive, se habilita, como tal, ao acesso à comunhão sacramental.
A avaliação dessa "comunhão concreta" é prioritária em relação a toda proibição geral. Essa inversão é totalmente decisiva: e a verdadeira bobagem consiste em não sentir a urgência desse "movimento de conversão", que apresenta a Igreja não como "clínica para ricos", mas como "hospital de campanha", não como "círculo de eleitos", mas como "campo de refugiados".
Talvez o cardeal Sarah, nessa entrevista (mas não é a primeira vez!) traduz de modo muito grosseiro e muito simplista o título do seu livro: "Deus ou nada". Nessa alternativa drástica demais, toda a mediação delicada de Cristo, da Igreja e dos sacramentos perde a sua função, porque esses elementos decisivos são simplesmente deslocados para o lado de Deus, abandonando ao nada toda criatura, toda natureza, toda contingência.
No fundo, as palavras graves que foram publicadas nessa entrevista dependem desse exagero inicial. Uma alternativa tão seca entre Deus e nada gera monstros, no fim das contas. Cristo, Igreja e sacramentos são o espaço para uma mediação entre o que não morre e o que pode morrer.
Nesse espaço, que Sarah não consegue valorizar, coloca-se a abertura das portas, a saída para a rua, o lava-pés para os presos ateus ou muçulmanos, a refeição com publicanos e prostitutas, a "fraternidade mística" que Francisco elegeu como figura do seu pontificado. Para essa visão, a "bobagem" verdadeiramente imperdoável consiste em não redescobrir a "comunhão eucarística" como estrada, como remédio, como ajuda, como acompanhamento, como viático. Onde Sarah vê "profanação", Francisco vê santa peregrinação e santificação. E aqui é evidente quem é que deveria... mudar de óculos!
Por outro lado, não é difícil ver que a linguagem com que Sarah fala de "intercomunhão", de "luteranos", de "anglicanos", de "conjugados irregulares" surge de uma tremenda falta de experiência. Em uma "Igreja em saída", não se fala de "categorias abstratas", mas de "pessoas concretas". O limite de Sarah é ser um "oficial", um "funcionário", não um pastor. Ele não tem as palavras do pastor e não traz sobre si o cheiro das ovelhas.
De uma coisa só eu devo dar o mérito para o cardeal Sarah. De fazer o seu discurso abertamente contra o papa sem imitar aqueles hipócritas que usam de modo retórico e nauseante a linguagem papal para levar água ao seu moinho, infinitamente alheio ao papal. Não. Sarah ousa dizer que a "intercomunhão" é uma bobagem. Eu acredito que esse é um grande erro, mas ao menos é um modo honesto de falar. Querendo justamente se contentar, isso já é alguma coisa.
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Quando um cardeal se apressa para fechar a Porta Santa. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU