26 Outubro 2015
Ok, vamos ser sinceros: eu fui demais pessimista em minha previsão sobre como acabaria este Sínodo dos Bispos. Deveria ter confiado no Espírito.
Eu estava convencido de que a oposição à ideia de os católicos divorciados e recasados voltarem à Comunhão (aqueles que não possuem as devidas anulações) era tão forte que o Sínodo nada poderia fazer. O melhor que eu esperava era que os bispos recomendassem estudos posteriores em torno da possibilidade. O pior resultado teria sido o Sínodo dizer definitivamente que a prática da Igreja não poderia mudar.
O comentário é de Thomas Reese, jesuíta, jornalista, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 24-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O meu engano foi escrever o artigo antes que o grupo de discussão alemão produzisse o seu relatório. Para a surpresa de todos, os alemães chegaram a um acordo unânime em seu relatório, que incluía um debate de foro interno.
“Deve haver talvez uma forma de trabalhar com as pessoas nestas situações, com o sacerdote a olhar se e quando elas podem vir a uma plena reconciliação com a Igreja”, explicou o Cardeal Reinhard Marx, falando das pessoas divorciadas e recasadas. “Eis a proposta”.
Esta unanimidade foi significativa porque, no grupo alemão, havia cardeais teologicamente sofisticados que representavam diferentes pontos de vista, incluindo os cardeais Walter Kasper, quem originalmente propusera a ideia de um “caminho penitencial”, e Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – CDF, conhecido por sua oposição a esta proposta.
O fato de que estes cardeais puderam concordar significou que a recomendação que fizeram carregava um grande peso junto aos demais Padres Sinodais. Müller foi fundamental em trazer junto a si os bispos que estavam indecisos. “Se o presidente da CDF diz que está OK, então deve ser verdade” foi o pensamento.
O que, afinal, o Sínodo diz sobre os católicos divorciados e recasados em seu relatório final (recomendações) ao papa?
Com os alemães, o Sínodo sugere o emprego do que se chama “foro interno”, em que o documento diz que os sacerdotes podem ajudar os católicos recasados a “se tornarem conscientes de suas situações perante Deus” e a decidir quando seguir em frente.
“O diálogo com o sacerdote, no foro interno, contribui para a formação de uma decisão correta sobre o que está impedindo a possibilidade de uma plena participação na vida da Igreja e sobre os passos que poderiam fomentar tal participação e fazê-la crescer”, afirma o documento.
“Para que isso aconteça, as condições necessárias de humildade, discrição, amor à Igreja e seus ensinamentos devem ser garantidas em uma busca sincera da vontade de Deus”, continua o texto aprovado.
O que é marcante nos três parágrafos que lidam com os fiéis divorciados e casados novamente no civil é que as palavras Comunhão e Eucaristia nunca aparecem. Sim, isso mesmo, eles nunca mencionam a Comunhão como uma conclusão deste processo de foro interno.
Então, o que isso significa? Um conservador poderá interpretar esta ausência como uma proibição à Comunhão porque, no texto, esta não foi mencionada. Um progressista poderá interpretar que a Comunhão está incluída, visto que ela não está explicitamente excluída no texto.
Param mim, a verdade é que não se mencionou a Comunhão porque este era o único jeito de os parágrafos receberem dois terços dos votos. Como o Concílio Vaticano II, o Sínodo alcançou um consenso através da ambiguidade. Isso significa que eles estão deixando o Papa Francisco livre para fazer o que achar melhor.
Parabéns à equipe de elaboração do documento, que encontrou a linguagem exata para alcançar o consenso mesmo quando ele não dá uma resposta definitiva às nossas dúvidas.
[O jornalista do National Catholic Reporter] J. McElwee também informa que o documento fala sobre o emprego de métodos anticoncepcionais artificiais, citando a encíclica Humanae Vitae, do Papa Paulo VI e publicada em 1968, que proíbe tal prática. Porém o documento sinodal igualmente pede por um “diálogo consensual” entre os cônjuges quando refletirem sobre a questão de terem, ou não, filhos.
O documento também fala de tomar decisões sobre se ter filhos depois de refletir sobre o que se está ouvindo em consciência, citando o documento conciliar Gaudium et Spes, para dizer: “A escolha responsável da procriação supõe a formação da consciência, que é o ‘centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser”.
Aparentemente, o texto original escrito pela equipe de elaboração foi alterado brevemente no intuito de conseguir se chegar a um consenso.
Por fim, no outro assunto polêmico – o relativo aos homossexuais –, o Sínodo disse que eles fazem parte das nossas famílias e citou documentos eclesiásticos que dizem que estas pessoas devem ser “respeitadas em sua dignidade e recebidas com respeito, com o cuidado em evitar ‘todo o tipo de discriminação injusta’”. O Sínodo não foi além do ponto em que os bispos americanos se encontravam em sua mensagem pastoral de 1997, intitulada Always Our Children”.
O documento também critica as organizações internacionais que condicionam a ajuda financeira para países em desenvolvimento com base no reconhecimento legal dos casamentos homoafetivos.
Então, quem venceu?
• Claramente a comissão de redação, que teria feito um trabalho inadequado caso o seu texto fosse rejeitado.
• Os alemães que se mostraram ser verdadeiros religiosos dispostos a manterem o diálogo até que se alcance um acordo, em vez de lançar condenações uns contra os outros.
• O Papa Francisco, que conduziu um sínodo onde se trocaram ideias e em que se debateu com completa abertura.
• As famílias católicas de todos os tipos, que receberam a atenção indivisa dos Padres Sinodais durante estas três semanas.
Quem perdeu? Aqueles que quiseram enfatizar o direito em detrimento da misericórdia; aqueles que se opuseram a quaisquer mudanças na prática eclesial.
Por que sei que eles perderam? Porque foram eles que ferozmente atacaram os parágrafos que diziam respeito ao divórcio e ao segundo casamento, mas acabaram sendo derrotados quando se contaram os votos.
Nos próximos dias, os conservadores poderão tentar contornar as recomendações finais do Sínodo de uma forma que apoie a posição deles, mas eles não poderão se sair bem ao menos que respondam à pergunta: “Por que então vocês se opuseram tão ferozmente a estes parágrafos?”
Com frequência tenho dito que, como cientista social, sou um pessimista, mas como cristão, preciso ter esperança. O Sínodo não conseguiu aprovar tudo o que eu queria, e um consenso precisou ser alcançado por meio da ambiguidade. Então o meu pessimismo não está completamente equivocado.
Por outro lado, o Sínodo apontou a Igreja para a direção certa, e, conforme nos lembra o Papa Francisco, a sinodalidade não é apenas uma experiência de três semanas; ela está no coração de como ele deseja ver a Igreja trabalhar no futuro. Isso me dá esperança.
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Sínodo: um consenso na ambiguidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU