18 Setembro 2015
Economistas, agências e imprensa priorizam jogo em que se aposta na teoria que mais agradará terceiros.
O artigo é de Laura Carvalho, professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC), publicado no jornal Folha de S. Paulo, 18-09-2015.
Eis o artigo.
Com exceção dos programas sociais, que felizmente ainda foram poupados, as novas medidas de ajuste anunciadas pelo governo atendem boa parte da lista de exigências apresentada no editorial da Folha deste domingo para o eventual resgate da presidente.
Apesar da recessão e do aumento da taxa de desemprego, venceu mais uma vez a ideia de que a inflação ainda é fruto de um excesso de demanda (e não de uma pressão de custos e tarifas) e de que, portanto, o aumento de juros e o corte de gastos públicos trarão uma melhora do ambiente macroeconômico.
John Maynard Keynes já alertava em 1936 que "a sabedoria mundana ensina que é melhor para a reputação errar de forma convencional do que acertar de forma não convencional".
Em uma analogia que ficou famosa como "o concurso de beleza de Keynes", os participantes do mercado financeiro agem como num jogo de adivinhação da época em que os competidores deviam escolher, entre cem fotografias, os seis rostos mais bonitos. Ganhava o prêmio aquele cuja escolha fosse a mais próxima da preferência média do conjunto de jogadores.
Assim, o jogo não consiste na escolha dos rostos que o competidor considera, ele próprio, mais bonitos, e sim daqueles que ele julga que vão atrair os demais. Em um terceiro grau do raciocínio, os jogadores passam a tentar adivinhar aqueles rostos que os demais supõem que os outros acharão mais bonitos.
Tal teoria ganhou reforço em um experimento recente conduzido em larga escala pelo professor Richard Thaler da Universidade de Chicago (essa mesmo!), cujos resultados foram divulgados no jornal "Financial Times", em 10 de julho.
George Soros, um dos maiores vencedores desse jogo no mercado financeiro, desenvolveu o conceito de reflexividade para tratar, justamente, da característica da ciência econômica que faz com que o mundo real seja modificado pela teoria escolhida pela maior parte dos agentes.
Mas, se as recompensas oferecidas ao senso comum são tanto mais altas, quanto mais participantes compactuarem dessas teorias, aqueles que já fizeram suas apostas têm todo o interesse em convencer os demais sobre a validade dos seus modelos.
As agências de classificação de risco servem bem a esse propósito, o de comunicar a visão dominante para aqueles que não haviam adivinhado ainda as fotografias certas. E por isso foram condenadas a pagar multa bilionária por contribuir com a crise americana do "subprime", quando classificaram ativos podres como livres de risco.
Além das bolhas e das crises financeiras, esse jogo também ajuda a manter vivos muitos modelos econômicos equivocados, já que a alguns economistas reconforta ou interessa mirar na teoria que será validada pelo mercado e por seus pares, em vez daquela que melhor explica a realidade.
Por aqui, a busca por um número cada vez maior de adeptos passou a contar também com a ajuda da grande imprensa, que agora chantageia o governo para que esse também aja de acordo com o senso comum e recompense as apostas certeiras.
Infelizmente, a recuperação rápida da Bolsa americana após a crise de 2008 e as altas taxas de desemprego que lá ainda vigoram sete anos depois servem para mostrar que tais recompensas nem sempre se traduzem em ganhos para a maior parte da população.
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