Por: Cesar Sanson | 09 Setembro 2015
Com o fim do bloqueio, a cada duas horas parte um trem com centenas de refugiados da capital húngara rumo à Baviera. Na viagem, segregação, choques culturais e a certeza de que aquela é apenas uma parte da longa jornada.
A reportagem é de Ben Knight e publicada por Deutsche Welle, 08-09-2015.
"A Alemanha se tornou um país associado à esperança", disse a chanceler federal Angela Merkel. Mas, ao ler o cardápio do vagão-restaurante no trem de Budapeste para Munique, Mustafá faz associações mais prosaicas com o país.
"Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito… nove", diz o sírio, olhando por cima do balcão e mostrando nove dedos. O ex-policial de Damasco custa a acreditar que teria de pagar tantos euros por quatro tiras de frango frito sobre uma camada de alface. Foi difícil explicar na linguagem de sinais que isso era comum em trens de longa distância. Bem-vindo à Europa.
Com um orçamento apertado, ele e seu amigo Ahmed, um universitário de Deir ez-Zor, no leste da Síria – usando um casaco de chuva emprestado e que parecia pequeno demais – são forçados a optar por um pequeno saco de balas de goma Haribo e uma cerveja, que dividem irmanamente. O doce faz sucesso, e Mustafá oferece entusiasmado aos demais.
Segregados
O trem saiu da estação Keleti, em Budapeste, rumo a Munique. Durante a jornada de sete horas e 20 minutos pelo sopé dos Alpes, o vagão-restaurante se torna, aos poucos, um lugar de experiências culturais semelhantes.
Sírios, iraquianos e afegãos reúnem recursos para comprar, com o dinheiro que podiam pagar, todo tipo de comida junk e de preço exagerado, enquanto passageiros e uma tripulação cada vez mais estridente tentam explicar as diferentes ofertas de refeições.
No embarque, a polícia húngara teve cuidado de manter os viajantes regulares afastados dos cerca de 200 refugiados, que foram acompanhados pelos policiais até os três últimos vagões do trem. No entanto, as bilheterias não foram informadas do plano de segregação das autoridades. Os passageiros regulares com reservas naqueles vagões foram transferidos para a classe executiva. "Você não pode entrar aí, está cheio de refugiados", disse um guarda.
A segurança reforçada continua no trem, onde um policial húngaro, um austríaco e um alemão embarcam numa tentativa desconcertante de controlar documentos de viagem. Os papéis dobrados, velhos, escritos parcialmente em árabe, são devidamente inspecionados e devolvidos aos proprietários, ainda que esteja claro que poucos desses migrantes, e praticamente nenhuma das crianças, possuí qualquer tipo de documento. Normalente, eles teriam que descer do trem.
"Bem, as regras parecem ter sido suspensas", admite timidamente um policial austríaco, embora ele e seus colegas tenham se permitido rir sobre um passaporte que lhes foi entregue por uma mulher. "Quanto você pagou por isso", indaga o húngaro, sem ser compreendido por ela.
Prestando ajuda
Quase nenhum dos refugiados no trem fala inglês ou alemão. Uma exceção é Ali, um iraquiano residente em Viena que foi a Budapeste ajudar um primo. "Ele me chamou e disse: 'Estou em Budapeste já há nove dias, sem dinheiro, sem comida, faz dois dias que não como'. Então fui para Budapeste no dia seguinte", conta. "Acontece que ele estava acompanhado de três ou quatro amigos, então comprei comida para todos. Mas eu não podia ajudar muito, porque estou sem emprego no momento."
O iraquiano já está com toda a família em Viena – sua mãe, seus irmãos. "Perdi meu pai e meu irmão na guerra em 2007, e foi por isso que vim para a Europa", diz. Mas ele vai ter de esperar até que a família esteja toda reunida, pois seu primo não pôde viajar no mesmo horário. "Acho que ele vai estar no próximo trem."
Ali, que está sem trabalho enquanto tira a carteira de motorista, afirma estar agradecido por todas as doações que viu as pessoas fazerem nos últimos dois dias na estação ferroviária Westbahnhof de Viena: "É ótimo, ajudou tanto, muito obrigado! Eu também estava lá, fui para o McDonald's e comprei comida para três ou quatro famílias."
Já é noite quando o trem finalmente chega à estação ferroviária central de Munique, depois de atravessar os túneis dos Alpes e parar em Viena, Linz e Salzburgo. No local, não há mais nenhuma multidão aplaudindo ou doações espontâneas. Quando as portas se abrem, a plataforma já está ocupada por policiais alemães em uniformes escuros, que bloqueiam o final da plataforma que dá para a rua.
Eficientemente, eles separam os refugiados do resto dos passageiros – alguns indianos não escapam de ter de mostrar os passaportes. Então, os migrantes são colocados em outro trem – para algum lugar na Alemanha. Um policial explica: "Munique está lotada." A jornada dos refugiados ainda está longe do fim.
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Uma viagem com refugiados de Budapeste a Munique - Instituto Humanitas Unisinos - IHU